Poucas pessoas conseguem concretizar os sonhos que acalentavam em miúdos. Os gémeos Sergio e Javier Torres são exceções que confirmam a regra: não conhecem o fracasso e nunca baixaram os braços. Tinha apenas oito anos quando escolheram as profissões — e não voltaram atrás. O objetivo era claro: mais do que ser chefs de cozinha, queriam estar ao lado dos melhores do mundo. Para isso, traçaram um plano que, cerca de 40 anos depois, se revelou um sucesso.
Quem não conhece a história, facilmente poderia considerá-la digna de filme. Um daqueles que descrevem a epopeia de um génio que passou anos a planear um ataque ou um roubo incrível. A história dos irmãos, porém, não tem um professor ao estilo da “Casa de Papel”, nem assaltos à Casa da Moeda Real da Espanha ou ao Banco Central. A única coisa em comum é mesmo o país onde tática começou a ser pensada (Espanha), além da ambição de alcançarem a excelência — e o reconhecimento.
Anos depois, e não após 13 episódios, o tesouro chegou em forma de três estrelas Michelin. Sim, leu bem. Os irmãos Torres cumpriram tão bem a estratégia que o restaurante dos dois em Barcelona, o Cocina Hermanos Torres foi recentemente distinguido pelo guia — pela terceira vez.
Conseguir tal feito não foi simples. Mas nem por isso desistiram. Aos 14 anos, a separação para adquirirem formação na área da restauração parecia inevitável. “Quando saimos de Barcelona pensávamos que o Sergio ia seguir um caminho, eu outro, e que nunca nos iríamos encontrar até estarmos prontos”, disse Javier, agora aos 52 anos, ao “Diario Las Americas”.
O plano fez com que passassem por diferentes restaurantes de topo em Espanha, Suíça e França — país que sempre consideraram uma referência. Mas, ao contrário daquilo que pensaram inicialmente, a distância entre ambos nunca foi grande.
“Estávamos separados, mas todos os meses encontrávamo-nos num restaurante, comíamos bem, gastávamos o pouco que tínhamos e delineávamos a estratégia par os passos seguintes: tu carne, eu peixe, tu verduras, eu pão, tu quente, eu frio”, explicou Sergio sentado ao lado do irmão gémeo, de quem é difícil distingui-lo à primeira vista.
Passaram por restaurantes como o Reno, o Neichel e o Akelarre, e os limites da culinária logo deixaram de ser intransponíveis para ambos. Em 2002, depois de anos de treino, formaram uma dupla que se tornou inseparável. Pouco depois inventaram o Gastrovac, um equipamento de cozinha a vácuo que atualmente é vendido em dezenas de países e serve para preparar pratos a baixas temperaturas durante várias horas.
O restaurante Dos Cielos, que abriram em Barcelona em 2008, deu-lhes a primeira estrela Michelin em 2010 e a segunda em 2018. A vontade de evoluírem levou-os a instalar na antiga casa da avó, perto do Parque Güell, uma oficina criativa à qual chamaram de “Espacio Ilusión”.
Em 2010, criaram a Sensografia, uma técnica que permite representar graficamente a experiência que se vive ao degustar um prato. Depois de abrirem o Dos Cielos em Madrid e fecharem o de Barcelona, em 2018, decidiram inaugurar o Cocina Hermanos Torres. Apenas um ano se passaria antes de receberem duas estrelas de uma só vez, seguidas pela Estrela Verde em 2021 e a terceira em 2022.
É verdade. Em 2018, abriram finalmente aquele que faz agora parte dos 13 melhores de Espanha e Portugal para o conceituado guia francês. O Guia Michelin 2023 , realizado em Toledo, elevou o Cocina Hermanos Torres à tripla estrela graças, entre muitas outras coisas, “ao seu requinte na cozinha e a uma gastronomia centrada na criação e na pesquisa, onde não existem limites”.
Ali queriam reproduzir a atmosfera que os fizera apaixonar-se pela comida. Uma que era lenta e saborosa, tal como lhes ensinara a avó Catalina, uma das muitas imigrantes do sul do país que procurou um futuro melhor na Catalunha (nordeste) após a Guerra Civil Espanhola.
Já com duas estrelas Michelin conquistados com o Dos Cielos, o projeto anterior, e transformados em caras populares da televisão (graças a um programa de receitas e a várias colaborações comerciais), encontraram um antigo armazém industrial de 800 metros quadrados no bairro de Les Corts (Barcelona) e deram o passo seguinte. O investimento, esse, rondou os três milhões de euros e chegou apenas dos irmãos — deles e do banco, claro.
Hoje, o Cocina Hermanos Torres é ocupado por várias cozinhas situadas à volta da sala onde podem comer até 50 clientes (por turno). Parece pouco para todo o espaço disponível, mas a verdade é que apenas 30 por cento da área é para os clientes. Afinal, é à volta deles que os profissionais prepararam a comida que segue imediatamente, e sob o olhar atento dos comensais, para as mesas.
A experiência custa 255€. Este valor, contudo, só inclui o menu de degustação. Se quiser acrescentar a harmonização de vinhos, tem de pagar mais 160€. No fundo, o Cocina não é apenas um restaurante é também um laboratório. Além de uma sala de pesquisa e desenvolvimento, tem catorze cozinhas e umas quantas salas de aulas onde os gémeos dão formação à equipa e contagiam os novos chefs com o espírito explorador que tanto os caracteriza.
Como lá chegar
Par visitar o restaurante triplamente distinguido dos geniais irmãos Torres terá de voar até Barcelona. Se partir de Lisboa encontra bilhetes de ida e volta por menos de 100€. Depois de aterrar pode apanhar um autocarro até à Praça Espanya e um outro daí até Sants Estació. De seguida só terá de caminhar dez minutos até encontrar o número 20 de Carrer del Taquígraf Serra. O restaurante está aberto de terça-feira a sábado das 13 às 14 horas e das 20 às 21 horas.
Carregue na galeria para ficar a conhecer o Cocina Hermanos Torres, o restaurante com três estrelas Michelin de Sergio e Javier Torres.