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“Portugal dans mon assiette”: dos colhões de S. Gonçalo ao prato favorito de Ronaldo

Tiago Martins é o autor do livro que conta a história do País a partir de receitas típicas da cozinha nacional.
Tem 31 anos.

Alguma vez questionou qual a influência de importantes períodos históricos, como o Estado Novo ou os Descobrimentos, na cozinha portuguesa? Se o fez, temos boas notícias. Esta quinta-feira, 13 de outubro, Tiago Martins, o luso-francês por detrás da conta de Instagram Portuguese Facts, na qual apresenta todo o tipo de curiosidades e lendas ligada à cultura, história e, sobretudo, cozinha nacional, lança o livro “L’Histoire du Portugal dans mon assiette” (“A história de Portugal no meu prato”), onde ajuda a responder a estas e muitas outras perguntas.

Tiago, hoje com 31 anos, nasceu em França, mas é na aldeia da Barrenta, no concelho de Porto Mós, que estão as suas raízes. Foi lá que nasceram e cresceram os pais antes de emigrarem à procura de melhores condições de vida. “Primeiro, nos anos 70, mudou-se o meu pai. Ainda voltou à terra, altura em que começou a namorar com a minha mãe. Na década seguinte, depois de casarem, partiram os dois”, começa por contar à NiT.

Atualmente, o pai está reformado, e “já passa mais tempo em Portugal do que em Paris. Está à espera que a minha mãe também se reforme para regressarem de vez”. Tiago pensa retornar às origens, embora queira “viver numa cidade grande, como Lisboa ou Leiria. Mas não para já. Fui pai há cerca de três meses, pelo que não é a melhor altura. É um plano a 10 anos, talvez”. “Por sorte”, como define, a namorada “gosta muito do País”, pelo que tarde ou cedo irá acontecer.

O amor pela nação dos pais esteve sempre presente, até porque foi incentivado. “Em casa falamos sempre português e comemos comida típica. Quando íamos a restaurantes, procurávamos os lusos, pelo que nascer num lado ou no outro, em termos de gastronomia, não alterava muita coisa. Depois, estudava numa escola portuguesa, onde aprendi sobre a história e geografia de Portugal.” Foi aí que começou a desenvolver o interesse que, em 2019, levou à criação da conta Portuguese Facts, que já reúne mais de 14 mil seguidores.

Senti vontade de partilhar a grande paixão que tenho pela história, cultura e comida portuguesas. Aqui em França não havia nada do género, então resolvi criar. Apesar de escrever em três línguas, o meu público é maioritariamente composto por emigrantes portugueses na Suíça ou na Bélgica, por exemplo. Acima de tudo, quero incentivar as pessoas a conhecer mais sobre arte, história, monumentos, sempre a partir da gastronomia e das histórias e lendas a ela ligadas”, explica.

Conforme surgiu o sucesso, começaram a aparecer possibilidades de parceria com youtubers franceses que falavam de cultura geral. “Cheguei a escrever o roteiro de vídeos para alguns, que tinham muito público que acabava por chegar à minha conta. Hoje, é comum receber mensagens e fotografias de pessoas que foram conhecer determinado sítio que divulguei.”

Entretanto, a editora Cadamoste propôs-lhe escrever o livro que agora lança, com mais de 60 receitas de chefs com origens portuguesas. Hélio Loureiro, Hernâni Ermida, Fábio Bernardino, Hélio Gonçalves e Louise Bourrat — que ganhou o “Top Chef” francês e comanda a cozinha do Boubou’s, no Príncipe Real, em Lisboa — são alguns dos profissionais que colaboraram na obra e que se encontram a trabalhar em Portugal.

Mathieu Gomes (França) e Maria Lawton (EUA) são outros cozinheiros mediáticos envolvidos no trabalho que levou cerca de dois anos a concluir. “Houve muita pesquisa, tanto em livros, como na internet e no terreno. Vi conferências do Centro Cultural de Belém, reportagens da RTP, também artigos da NiT. Fui ainda a museus e percorri todo o continente. Por causa da pandemia, não consegui ir às ilhas, mas estão representadas, claro”, comenta.

Mais do que um livro de receitas, sublinha o autor, que trabalha no setor da engenharia elétrica para a indústria do petróleo e do gás, “é um compilado das histórias, curiosidades e anedotas que as rodeiam”. O objetivo principal é mostrar que “se pode contar a história portuguesa partindo sempre da gastronomia. Dos Descobrimentos ao Estado Novo, da religião à batalha de Aljubarrota, de Napoleão a Viriato, toco vários temas”.

Pelo seu trabalho, Tiago viveu um ano na Ásia, o que lhe permitiu explorar “a influência nacional na culinária e vocabulário local. Visitei sítios como Malaca, na Malásia, Macau e Indonésia”.

Bolo do caco, pão com chouriço, pastéis de bacalhau, peixinhos da horta, salada de polvo, arroz de cabidela, cabrito assado no forno com arroz de miúdos, cozido à portuguesa minhoto e francesinha são algumas das propostas apresentadas, cada uma de “um chef diferente, até porque cada um tem a sua interpretação desta cozinha”.

Os colhões de São Gonçalo (doces fálicos, típicos da romaria de Amarante), a caneja de infundice (um prato de peixe Ericeira), as sopas de cavalo cansado, ou as trutas à moda de Boticas são pratos que, não têm receita, mas pelo seu caráter inusitado, têm direito a uma secção própria sobre curiosidades gastronómicas.

O prato favorito de Cristiano Ronaldo, o bacalhau à Brás, também está presente. É, aliás, igualmente o eleito de Tiago. A receita é de Philippe de Oliveira. “Tenho reparado que é o prato preferido de muita gente, apesar de bastante simples. Gosto, particularmente, quando os ovos não estão muito cozidos. Confesso, contudo, que a anedota à volta do mesmo não é a mais interessante do ponto de vista histórico. Indico que tem origem no Bairro Alto e foi criada por um Sr. Braz. A evolução da nossa língua fez com que o prato se virasse para Brás.”

O toque pessoal é dado em apontamentos como “variações”. Por exemplo, “na receita da canja, indico que a minha família utiliza massa em vez de arroz, como propõe a chef, e que outros acrescentam hortelã, legumes ou vinho”.

“As minhas recordações nos campos e com os animais dos meus avós, que ilustro com fotografias e documentos antigos” ajudam, igualmente, a tornar a obra única. “Na parte sobre o Estado Novo, falo da participação do meu avô na Guerra do Ultramar, facto que acompanho com a sua caderneta militar.”

A primeira edição do livro, conta com uma tiragem de quatro mil exemplares. Para já, está apenas em francês, mas há possibilidade de vir a ser traduzido para inglês, alemão e, obviamente, português, conclui o escritor. Por 24,9€ pode comprar a versão original online.

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