“Quem não gosta de migas, gosta das minhas migas”, atira com orgulho Maria da Luz Baleizão, a cozinheira alentejana que decidiu dar um toque pessoal ao clássico da região — e que foi tudo menos consensual. “No início não foram muito bem aceites pelos clientes porque não estavam habituados ao sabor. Foi uma guerra com as minhas frigideiras na cozinha. Testei várias migas de formas diferentes e na última vez saíram umas migas um bocado diferentes das migas alentejanas”, conta à NiT. Com o tempo, as “migas a mi manera”, como lhes chama, cimentaram-se como um dos elementos estrela do Retiro do Ernesto e do prato mais pedido: a carne de alguidar com migas de espargos.
O restaurante nascido há cinco anos em Moura é um projeto de paixão da funcionária pública de 58 anos, que assumiu o controlo total da cozinha, sem deixar a profissão de dia. Também por isso o Retiro do Ernesto funciona apenas ao jantar durante a semana; almoços, só mesmo ao sábado.
Natural de Barrancos, junto à raia, a cozinheira foi beber inspiração aos vizinhos espanhóis para criar a suas migas, preparadas de forma diferente da tradicional. O pão é molhado aos poucos, sem ficar ensopado. De seguida é tostado, gradualmente numa frigideira, para secar por dentro e por fora; algo que ajuda a manter as migas menos húmidas e gordurosas. Um truque que ajuda a converter os que não apreciam a receita tradicional.
As ditas migas são o acompanhamento do prato da casa, a carne de porco alentejana, que também abdica aqui das batatas fritas e das amêijoas. A carne, temperada em vinha de alho num alguidar, “é partida aos bocadinhos e frita da mesma forma que o prato tradicional”. O segredo? “Está nas migas”, confessa.
Numa das ruas floridas da cidade alentejana, nasceu em 2019 o restaurante cujo nome é uma homenagem ao gato do casal. E por lá, tudo fica nas mãos dos dois, de Maria da Luz e do marido, Rui Bebiano, que aos 62 anos também continua a trabalhar como engenheiro informático.
É neste ambiente familiar que os dois procuram explicar as histórias por detrás de cada receita. “Não quero deixar morrer certas tradições, e tal como o teatro e a cultura fazem parte da cultura, a gastronomia alentejana também faz”, salienta a proprietária.

Apesar de a carne de alguidar com migas de espargos (17,5€) ser um dos pratos mais vendidos, há quem vá lá só para provar a sopa de tomate alentejana (25€). O prato típico de Moura também é conhecido como sopas de toucinho e sobranfusa ou sopas de assobio. Tal como a maioria do receituário alentejano, parte de raízes pobres, que amassavam e coziam o pão para toda a semana. Já no final da semana, endurecido pelo ar, servia de base a muitos dos pratos.
“O pobre com pouco fazia muito. Nos campos, as famílias mais pobres semeavam cebolas, alhos, pimentos, batatas e galinhas para terem ovos. Quando conseguiam arranjar toucinho até assobiavam”, conta a cozinheira.
E que segredos guarda também esta receita? Maria da Luz começa por fritar o toucinho, o chouriço e a linguiça, partidos em pedaços muito fininhos, até ficarem tostado. De seguida prepara a base da sopa, utilizando a frigideira onde fritou os enchido e colocando os restantes ingredientes, como os pimentos, batatas às rodelas, cebolas e os alhos. No final, a cozinheira coloca na base da sopa a erva poejo, utilizada na açorda alentejana. A especialidade é servida numa pelengana (uma peça de barro alentejana) e o toucinho e os enchidos vão à parte para os clientes colocarem ao seu gosto. “Uma dose dá para duas pessoas”, garante.
O trio de best sellers fica completo com o caldo de beldroegas (14€), disponível sempre que a natureza dá a erva, de março a outubro. Quando não há beldroegas, improvisa-se com espinafres.

Na restante carta, as entradas contam com bolinhas de alheira e croquetes de presunto (8,5€), queijo de ovelha derretido (7,50€) e cogumelos à casa (9,50€). Para terminar a refeição, Maria da Luz destaca o Manjar (5€), que como todas as receitas alentejanas é feito com pão. O doce conventual da região de Moura leva miolo de pão e de amêndoa, açúcar e gemas de ovos.
Menos tradicional mas não menos pedido é o lemon curd com amendoim salgado (7€). Um doce que surgiu de forma inesperada. “Costumo dizer que quem tem fartura, partilha. Um dia chego à porta do restaurante e tenho um saco de limões e fui procurar o que podia fazer com eles. Uma das receitas que me surgiu foi fazer uma mousse de lima”, conta. A sobremesa leva natas, limão, amendoim salgado, sumo de limão, ovos e açúcar. “O contraste dos sabores da nata, o ácido do creme de limão e o amendoim salgado dão o seu encanto. É uma explosão de sabores”.