“Assassinaram o meu restaurante.” Este foi um dos primeiros comentários que o chef Guilherme Spalk, de 30 anos, recebeu quando tentou fazer mudanças no menu do Via Graça. Estava no restaurante há alguns meses, convidado pelo proprietário, João Bandeira, e no final de 2019 decidiram, juntos, dar uma nova vida à carta do clássico restaurante de Lisboa. A receção por parte de alguns dos habituais clientes não foi a melhor. Queriam continuar a experimentar os pratos de sempre e não estavam prontos para tamanha revolução na carta.
Apesar de a primeira tentativa de mudança não ter sido a melhor, que se tinha verificado apenas no menu, Guilherme Spalk e João Bandeira voltaram a acreditar que era possível dar uma nova vida ao Via Graça. Em janeiro desde ano o restaurante encerrou para obras profundas. Nove meses depois surge com a vista de sempre para Lisboa e alguns dos clássicos pratos no menu.
De resto, está tudo diferente. A decoração é nova, a entrada é feita por uma outra porta e agora o restaurante divide-se em dois. No piso inferior, que estava dedicado a grupos e era o espaço menos usado, é onde continua o Via Graça, com esse nome e os clássicos pratos que remontam a toda a história que se iniciou a 15 de dezembro de 1988.
No piso térreo está a grande novidade, o 9b, o novo restaurante fine dining, que deve o nome ao número da porta onde fica todo o projeto na Rua Damasceno Monteiro. O objetivo é claro, e foi traçado por João Bandeira: “ser um restaurante de exceção, estar entre os melhores de Lisboa e ir buscar estrelas Michelin. Não é desmedido”, diz à NiT.
A ideia já a tinha desde que trouxe Guilherme Spalk para trabalhar com ele. “Achei que o restaurante merecia mais e melhor. Queria um chef jovem, que mostrasse trabalho e ambição.” Encontrou o perfil certo em Guilherme, natural de Lisboa, que já tinha trabalhado com o chef André Magalhães na Taberna Fina.
O 9b by Via Graça faz-se com dois menus de degustação. O 9 + b, com nove momentos (62€) e o 9 + 9, com 18 propostas (84€). “O primeiro é influenciado pela região de Lisboa, só com peixes e mariscos. O segundo tem a mesma base, já com algumas sugestões de carne, mas sempre com o foco na qualidade dos produtos”, explica Guilherme Spalk.
Brinca ao dizer que não faz pratos bonitos, só por não usar flores, mas a verdade é que com ingredientes simples e criatividade consegue dar toda uma nova dinâmica na apresentação que até ali não se tinha visto no Via Graça.
Há pequenos snacks que chegam numa caixa com conchas, folhas com pó de pistácio servidas em ramos secos ao centro da mesa, um sorbet de maçã e canela que chega no interior de uma maçã de Bravo Esmolfe, ou todo o sabor de um pastel de nata que é conseguido em pequenos quadrados de massa filo com pouco mais de um centímetro de largura. Estas são algumas das sugestões do 9 + 9, o maior menu deste novo projeto.
Tudo isto ainda é mais embelezado pela loiça criada de propósito para o 9b por um artesão das Caldas da Rainha. As peças foram todas feitas à mão. A maioria é em tons de branco. São peças leves e algumas bastante originais, como a que imita uma gamba, e vem mesmo com uma cabeça de gamba na altura do serviço.
Neste fine dining grande parte das mesas estão muito próximo da janela, a permitir que veja toda a vista da cidade, tanto de dia, como de noite. Ao fundo desta sala no piso térreo fica a cozinha, que está no lugar original da anterior, se bem que agora é aberta, mais espaçosa e com novos equipamentos.
No piso inferior, onde está o Via Graça, há também uma nova decoração. A garrafeira continua a ser um dos pontos de maior destaque do projeto, com centenas de referências, algumas das quais já nem se encontram à venda no mercado. Diogo Frade é o sommelier, que também lhe sugere os pairing perfeitos com as degustações no 9b.
Cá em baixo há um bar com uma zona mais lounge onde é possível experimentar algumas referências de vinhos trabalhadas em cocktails. O menu, como já referido, vai buscar algumas das bases que fizeram do Via Graça um dos restaurantes mais conhecidos e procurados da cidade.
Há sopa de peixe rica (12€), bochechas de porco preto estufadas com cenoura (21€), o famoso bacalhau à Brás (23€), a empada de caça com foie gras (31€), o bacalhau com batata assada, alho e coentros (24€), ou o peixe de anzol com açorda de ovas (28€). O piso inferior tem também direito a uma cozinha própria. Na de cima só saem as propostas para o 9b.
“Aqui é uma comida de conforto, com opções de partilha para chamar um outro tipo de pessoas”, refere o proprietário, João Bandeira. Está no projeto desde 2002, já alguns anos depois daquele antigo miradouro da cidade ter ganho um restaurante no final da década de 80.
Sempre se colocou contra uma política de grupos e jantares volantes que estava a ser feito nos últimos anos quando chegou. Todas estas mudanças que fez este ano são também para trazer um pouco do espírito aristocrático, de classe e com políticos, que fizeram com que este se tornasse um espaço emblemático na cidade, muitas vezes com filas de espera.
A tradição foi mantida neste piso do Via Graça. Será que agora os clientes já não dizem que foi um assassinato? “Já tivemos muitos dos clientes habituais que voltaram e gostaram”, diz Guilherme Spalk.
Carregue na galeria para conhecer melhor algumas das propostas do menu de degustação do 9b.