A adega na Aldeia Galega da Merceana, uma pequena freguesia de Alenquer, ainda não era uma ruína. Mas quase. Quando o arquiteto José Martínez Silva a visitou pela primeira vez, há cerca de sete anos, recebeu carta branca para ali operar uma renovação total. Percebeu que a adega seria sempre o coração da nova construção.
O projeto assentava, de resto, num conceito de criação de uma habitação, potencialmente para enoturismo. Ao longo de sete anos, a quinta ganhou forma e deu origem a um espaço singular, onde adega e um edifício moderno — embora discreto — convivem harmoniosamente entre as vinhas.
“O cliente queria desenvolver um vinho biológico e desafiou-nos a recuperar a adega”, explica à NiT o arquiteto e CEO da Atelier Central. “Uma das coisas que nos serviu de referência foi esse posicionamento. O vinho biológico respeita a natureza, a essência e, nesse sentido, procurámos uma lógica de utilização de materiais na sua forma mais essencial, natural.”
A adega, que hoje assume o nome de Cas’Amaro, teria de ocupar um lugar de destaque. Erguida no final de uma estrada de terra batida, situa-se num ponto elevado de todo o terreno, agora repleto de vinhas. Essa posição privilegiada seria intocável e, também por isso, foi necessário encontrar uma solução criativa para o anexo que acolheria os quartos.
O resultado foi o desenho e posterior construção de um túnel subterrâneo que liga o interior da adega ao edifício de pedra que se prolonga ao nível do topo da vinha, sem que o ofusque. Na adega instalou-se a zona de lazer e a cozinha.
No interior aproveitaram-se os depósitos de armazenamento do vinho, tonéis em betão, dentro dos quais nasceram uma casa de banho e a cozinha. Na sala, salta à vista o lagar, deixado intacto. “Nem quisemos criar uma abertura no lagar, que pode ser usado e tem até umas almofadas. Mas para chegar lá, é preciso saltar o pequeno muro. Quisemos manter a mística da adega.”
Como o edifício rodeado de várias entradas amplas e que deixam entrar a luz, foi necessário abrir apenas mais duas janelas laterais, “com caráter mais contemporâneo e vista para a vinha”.
Das escadas desce-se para um túnel estreito e sombrio, marcado pelo betão aparente, sem qualquer intervenção. Abre-se na chegada à zona dos três quartos existentes, escavados nesta espécie de bloco de pedra pousado sob a vinha. “Queríamos que a construção não interferisse com a adega, que está num promontório e que tem uma imagem bastante forte a nível estético”, nota.
Também esse conceito do biológico e natural foi adotado na escolha do material deste edifício, todo ele feito com pedra da zona da Serra dos Candeeiros, logo ali ao lado, até para evitar “grandes deslocações de materiais”.
“É um bloco de pedra, feito com pedras desenhadas ao pormenor. Tive um colaborador só a desenhar pedras durante um mês e meio. Eram pesadas, tinham que ser colocadas uma a uma”, explica o arquiteto sobre o delicado trabalho.
No exterior e nas varandas escavadas na pedra a tonalidade é mais clara. No interior dos quartos, sobressaem as texturas harmoniosas do betão aparente, dado pelo pinho usado na cofragem. As madeiras dos armários e das portas replicam a largura e textura do betão. “Quisemos fazer tudo com a mesma largura e a mesma métrica. É uma pormenorização que foi feita com algum cuidado”, conclui.
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