A pergunta “o que queres ser quando fores grande?” já foi feita e respondida por quase todos. Muitos miúdos respondem sem hesitar quando ainda estão a aprender a traçar as primeiras letras. Em muitos outros casos, a resposta vai surgindo — de forma mais ou menos tardia — ao longo da vida. No caso da artista Ágata Gonçalves, conhecida por Agataris, as tatuagens só se tornaram uma opção aos 29 anos, após ter oferecido uma máquina de tatuar ao namorado, que já o fazia profissionalmente.
“Nunca foi algo que me interessou, porque não era sequer alcançável no contexto em que cresci. Foi sempre algo proibido na minha educação”, conta à NiT a artista, atualmente com 35 anos. Ainda assim, tinha liberdade para se expressar de forma criativa: adorava rabiscar, desenhar bonecos e escrevia a palavra “amor” em todas as folhas de papel.
Os estímulos iam além dos desenhos. Na rua onde cresceu, no distrito do Porto, Ágata conhecia uma família de etnia cigana e brincava na rua com os miúdos. Inventavam histórias juntos e dançavam ao som de música romani. São memórias que considera fundamentais para a sua imaginação artística.
A arte surgiu mais tarde, no ensino secundário, quando desenvolveu a sua paixão pela ilustração. Ao formar-se em Design Têxtil e, mais tarde, Design de Moda, passou a aplicar as suas valências na área do desenho para criar peças de roupa. Só passados alguns anos é que começou a perceber que a rotina do emprego não era compatível com a sua personalidade.
Em 2016, quando o namorado desembrulhou a máquina de tatuar para usar no seu trabalho, Ágata Gonçalves sentiu curiosidade e decidiu experimentar usá-la nele, “para perceber a sensação”. Sem qualquer treino, mas com alguma orientação do companheiro, desenhou uma caveira pirata no seu braço.
Três meses antes, a portuense tinha tido outra experiência, quando fez a primeira tatuagem no seu próprio corpo. Recebeu um voucher como prenda de aniversário, para usar num estúdio, e decidiu estrear-se com dois desenhos no corpo, um em cada perna. “São duas mãos com dois olhos nas palmas desenhadas por mim”, recorda.
Depois destas experiências, tornou-se autodidata. “Comecei a treinar em laranjas, limões e bananas. Entretanto, comecei a tatuar amigos e, eventualmente, desconhecidos”, conta. “Foi uma total mudança de planos de vida. Despedi-me do meu trabalho como designer de moda e criei o meu próprio espaço, onde estou até hoje.”

“Lembro-me de não saber bem o que estava a acontecer, se era certo ou não. Mas, ao mesmo tempo, estava com uma enorme sede de algo completamente novo. Arrisquei e posso dizer que não podia ter corrido melhor.”
O estúdio Lusco Fusco, no Porto, alugado em conjunto com o artista Doomed Idea, tornou-se no seu laboratório. Mas, mais do que o espaço de trabalho da dupla, é um spot para apresentar o trabalho de criativos de todo o mundo, que são convidados mensalmente para ocupar o local durante um curto espaço de tempo.
Agataris começou por adotar um estilo de desenho mais simples a partir do qual foi evoluindo e definindo a sua identidade. Abandonou as imagens a preto e branco e passou a criar desenhos coloridos, gráficos e geométricos que se inserem “na linguagem da tatuagem contemporânea”. Descreve a sua arte com linhas abstratas como “uma comunicação ilustrativa e naive”.
Quanto à inspiração, pode surgir de fotografias que tira a objetos aleatórios que vê na rua, mas também das suas viagens, de plantas ou filmes. “Adoro imagens intrigantes, com posições utópicas e surrealistas, mas também me inspiro em pinturas”, acrescenta. Dos pintores Hieronymus Bosch, Leonora Carrington, Joan Miró e Pablo Picasso aos fotógrafos Francesca Woodman e Ren Hang, soma várias referências do meio artístico.
O ponto de partida é sempre a ilustração. Isso não muda. Visto que tatua exclusivamente os seus desenhos, a jovem inclui uma opção “do it yourself”, em que o cliente pode montar a sua própria composição. Conta com formas predefinidas pela artista e que vão de encontro à sua linguagem — linhas irregulares e formas orgânicas geométricas são misturadas manualmente no estúdio, ou digitalmente, através do site.
As técnicas utilizadas não diferem muito das aplicações tradicionais. As tatuagens são feitas com uma máquina “pen”, semelhante a uma caneta, por ser mais leve. Além disso, em vez das agulhas tradicionais, opta por cartuchos: “É cada vez mais comum o uso destes materiais mais prático. Mesmo para quem faz trabalhos mais tradicionais”.
E não é apenas na pele dos clientes que Ágata grava as suas criações divertidas e com contornos algo inocentes. “Como venho da área do design, sempre tive vontade de criar objetos com as minhas ilustrações”, refere. Começou por criar meias e, com a pandemia, como não podia tatuar, começou a explorar novas opções.
Além das peúgas, já criou lenços e cachecóis, pins, fez gravuras em linóleo e até tapetes. Quem preferir, também pode comprar postcards que seguem a mesma lógica — ou seja, ganham vida através dos desenhos originais de Agataris: “Gostava de ter mais tempo para explorar novas ideias, mas por enquanto mantenho-me com o espólio atual”.

Sobre as pessoas que a procuram, embora sinta recetividade do público português, a sua carteira de clientes é sobretudo estrangeira. E explica: “Existe uma falta de à vontade económico das pessoas locais para gastar dinheiro em tatuagens, sendo algo parcialmente supérfluo, visto que não se trata de um bem de primeira necessidade”.
Por isso, começou também a tatuar em vários países espalhados pelo mundo. O primeiro guest spot num estúdio internacional aconteceu em Wroclaw, na Polónia, através de um convite que recebeu em 2018. A experiência foi tão positiva que começou a viajar cada vez mais.
“Funciona por convite, ou eu mesma faço a proposta a determinado estúdio”, revela. Uma vez por mês, Ágata escolhe um destino para trabalhar. Já passou por inúmeras cidades na Europa, como Londres e Paris, e também visitou os Estados Unidos da América. “É incrível como há uma dinâmica tão grande nesta área. A nível de conhecer pessoas e lugares novos ou de aprender novos processos.”
Com mais de 56 mil seguidores nas redes sociais, Agataris tornou-se um nome bastante conhecido um pouco por todo o País. E até fora dele. “Acredito que o meu trabalho não é consensual, mas sinto que há espaço para todos os estilos e gostos. Eu própria aprecio técnicas que não têm nada a ver com o que faço.”
Se ficou curioso, pode descobrir mais sobre o trabalho da artista na sua página de Instagram ou agendar uma sessão através do seu site. Ágata tem ainda uma loja online onde pode comprar todos os artigos, das meias a 12€ aos cachecóis a 30€. Aproveite carregue na galeria para ver vários exemplos dos trabalhos originais e contagiantes da tatuadora.