Beleza

A drag queen portuguesa de 21 anos que está a construir uma carreira de sucesso nos EUA

Renato Moreira tem um vasto portefólio fotográfico que junta a sua paixão por maquilhagem e o gosto por moda apurado.
A artista começou a fazer drag em 2019.

Se durante muito tempo o drag foi pouco considerado e muitos não o reconheciam como arte, o cenário tem vindo a mudar. Nos últimos anos, o transformismo — como é popularmente designado em Portugal — tem marcado presença nas semanas de moda, originado programas de televisão e captado o investimento de marcas colossais. Entre os nomes que têm contribuído para a valorização desta arte estão, claro, artistas nacionais como Deborah Kristall e Nany Petrova.

Esta forma de expressão artística, que questiona as normas de género através das artes performativas, está intimamente associada à comunidade LGBTQIA+. No entanto, as origens remetem para o teatro na Grécia Antiga, quando as mulheres eram proibidas de participar nos espetáculos e cabia aos homens interpretarem os papéis femininos. Séculos mais tarde, já década de 1960, o drag renasceu graças aos bailes promovidos pela comunidade negra nos clubes noturnos do Harlem, em Nova Iorque, nos EUA. Tornou-se indissociável da resistência da comunidade e da sua luta pelos direitos civis. Desde então, essa efervescência explodiu em popularidade (especialmente a partir dos anos 80 em diante) e há toda uma nova geração dedicada a manter vivo o legado.

Renato Moreira, de 21 anos, é um desses exemplos. O jovem natural de Pombal, no distrito de Leiria, é conhecido nos palcos e nas redes sociais como Jazmine, a personagem etérea, sensual e enigmática que criou e através da qual dá azo à sua paixão por maquilhagem e ao gosto apurado por moda. Em apenas quatro anos, o jovem conquistou uma audiência além-fronteiras através do Instagram e, nos últimos meses, estabeleceu-se em Nova Iorque, nos Estados Unidos.

“Decidi mudar-me quando percebi que já tinha atingido muitas coisas e não via até onde podia ir mais”, conta à NiT. “Em Portugal, já tinha atuado em todas as discotecas e não há muitas oportunidades além disso. Tendo um público internacional graças às redes sociais, comecei a falar com pessoas de fora e a receber pedidos para ira atuar a outros países.”

O mundo digital foi um dos palcos onde apresentou Jazmine. Depois de meio ano a trabalhar as presenças ao vivo com interação com público, a pandemia chegou. Devidos aos sucessivos confinamentos, procurou novas formas de continuar a mostrar a sua arte — e passou a empenhar-se ainda mais nas redes sociais, onde mostrava os seus visuais arrojados e megalómanos.

“Como fazia sessões com muita qualidade, o que não é comum em Portugal, a minha página de Instagram continuou a crescer. Começaram a surgir oportunidades e passei a trabalhar com marcas de cosméticos”, diz. Benefit, Maybeline, Urban Decay e Nyx são alguns dos exemplos, sendo que apenas a última tinha trabalhado com drag queens e “muitas delas nem conheciam o mercado português”.

Durante dois anos, além de aperfeiçoar os dotes a aplicar maquilhagem — a criação de um look pode demorar entre 2 a 4 horas —, começou a apostar no mundo da moda, que também ainda não era explorado por drag queens. Decidiu contactar designers e marcas para propor colaborações e sessões fotográficas, quase sempre com resposta positiva. It Spain, Guillermo Décimo, Nuno Miguel Ramos, Ahcor Lab, Rita Ibs e Diogo Vandersandt são alguns dos exemplos de etiquetas com as quais já trabalhou.

Já fez parte de editoriais fotográficos.

Nesta fase, teve uma experiência com a agência de modelos Elite Lisbon — que só deixou quando se mudou para os Estados Unidos —, recebeu convites para desfilar na ModaLisboa e para assistir a inúmeros desfiles. Paralelamente, no Instagram, já usava peças icónicas de marcas como a Mugler com designs feitos à medida.

Foi então que Ana Locking, designer, stylist e jurada do programa “Drag Race España” contactou Jazmine para ser o rosto da sua coleção. “Levou-me para Madrid e passei lá três dias com o fotógrafo mais renomado de Espanha [Eugenio Recuenco]. Foi a minha primeira experiência internacional”, diz. “Voltei mais vezes, a convite de outros fotógrafos, e atuei pela primeira vez em Londres. Percebi que estava a trabalhar mais fora de Portugal do que cá e percebi que não queria ficar”.

A relação com a família

Apesar do sucesso, o caminho que Renato percorreu até alcançar estas oportunidades foi algo inesperado. Quando se mudou para Lisboa, em 2016, com o objetivo de trabalhar em televisão, contou com o apoio dos pais. “Desde os 7 anos que sempre queria ser apresentador de televisão. Eles apostaram em mim, fiz entrevistas e a levavam-me para aparecer em vários programas. Quando comecei a adotar outra forma de vestir e de estar, foi um choque para eles. A nossa relação mudou.”

Na capital, o que não mudou foi a paixão pela comunicação. Já criava conteúdos para o YouTube desde os 14 anos e, quando a cantora brasileira Pabllo Vittar (que dá voz ao hit “Modo Turbo”) teve o seu boom, tornando-se na drag queen mais conhecida do mundo, passou a falar sobre ela no seu canal. A plataforma tornou-se uma das suas formas de rendimento e, entre outras oportunidades, entrevistou a artista quando esteve em Portugal e recebeu um convite para ir à América do Sul.

Um pouco antes dessa estadia no Brasil, criou um vídeo onde experimentou transformar-me como Pabllo. “Foi o meu primeiro contacto com maquilhagem drag”, recorda. Começou a publicar fotografias com a única peruca que tinha e recebeu um convite de uma discoteca em Lisboa para um projeto audiovisual em que interagia com o público. Inspirou-se naquilo que via as outras drags fazerem em Lisboa, aprendeu as técnicas de maquilhagem essenciais e estabeleceu relações de amizade com muitas delas.

O rosto por baixo de toda a maquilhagem.

Ao longo do primeiro ano em que se dedicou a aperfeiçoar a sua imagem como Jazmine, viveu mais afastado da família. Os familiares não compreenderam logo a decisão de se apresentar com uma figura feminina. “Ninguém me proibia, porque já era maior de idade, mas também não ligava para falar com eles”, conta.

“Sempre fui um rapaz muito feminino e tenho memórias de vestir as roupas da minha mãe em miúdo. Não é que tenha sido um choque”, explica. “Não me lembro dessa fase, porque apaguei algumas memórias, mas não estavam à espera que eu fosse para Lisboa e, de repente, me vissem com roupas mais ousadas, quase nu, a atuar em discotecas.”

Durante a pandemia voltou viver com os pais e acabou por se aproximar novamente da família. Até passou a fazer as suas produções completas lá em casa. Passou a receber mais apoio, porque como começou a ganhar dinheiro com o transformismo, entenderam que podia ser algo sério e não apenas uma brincadeira.

“Não me diziam que estava incrível, mas diziam-me que gostavam de mim”, acrescenta. Além disso, houve uma altura em que todos os dias chegavam encomendas de marcas diferentes que os progenitores conheciam, (como a Steve Madden, entre outras) e isso ajudou a legitimar este universo fantasioso e quimérico. “É importante ter apoio, mas nunca o procurei.” Foi esta independência que fez com que nunca ficasse preso a um único lugar.

A vida nos Estados Unidos 

“Nova Iorque sempre esteve na minha cabeça. Na Europa, e em Portugal, crescemos com a imagem que vemos nos filmes e criamos esse sonho com base na impossibilidade. Mas estou numa idade em que não há impossíveis”, diz. Quando percebeu que ficar por cá estava fora de questão, rumou aos Estados Unidos.

Em maio de 2022, começou a planear a viagem e fez a experiência durante três meses. Já vivia sozinho, mas isso não impediu que o choque cultural tornasse as primeiras semanas do outro lado do Atlântico tão complicadas. Ainda assim, na segunda semana começaram a surgir trabalhos em bares locais.

Depois do verão, em setembro, voltou para se mudar definitivamente. As pessoas já a conheciam e contratavam: “O trabalho que eu tinha feito nas redes sociais é o melhor catálogo que podia ter. Tive sorte porque, ao mandar mensagens, os empregadores interessavam-se logo. A maior parte nunca tinha ouvido falar de Portugal, nem sabiam de onde vinha”.

Quanto ao orçamento, Jazmine contava com o dinheiro que foi juntando com o passar do tempo. E, além disso, a forma de fazer drag em solo norte-americano é diferente devido à capacidade monetária. “Ganha-se muito mais dinheiro e a arte drag é mais valorizada”, defende.

Jazmine com Aquaria, uma das suas maiores inspirações.

Ainda assim, teve a oportunidade de trabalhar na produção de eventos com uma companhia que organiza tours mundiais de drag queens, a Voss Events. Colaborou num espetáculo de Natal, que terminou no final de dezembro, com o objetivo de estabilizar e de fazer contactos importantes dentro do meio.

“Uma das partes que mais me apaixonou por esta área foi o mundo do marketing e dos negócios. Nunca tive nenhum agente, fiz tudo sozinho e adorei. Consegui perceber como é que funciona o mercado tanto na Europa, como nos Estados Unidos”.

Quanto aos objetivos, a lista permanece longa. Além de continuar a apostar na componente mais visual do mundo drag, através da moda, Jazmine quer ter trabalhos semanais a atuar num brunch, bar ou restaurante — juntando o trabalho visual com as performances ao vivo.

No entanto, a longo-prazo, quer atingir a meta que a esmagadora maioria das colegas de trabalho definem: participar no fenómeno “RuPauls’s Drag Race”, que catapulta centenas de artistas para o estrelato. “Já tive opiniões de pessoas envolvidas a sugerir que vai dar certo. Mas é um investimento gigante, então tenho de me sentir estável o suficiente”.

Para conhecer mais sobre o trabalho de Jazmine, pode seguir a drag queen portuguesa na sua página de Instagram. Carregue na galeria para ver algumas das suas melhores produções visuais.

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