Beleza

Andréa trocou a criminologia pela maquilhagem. “Precisava de ver coisas bonitas”

Todos os dias lidava com histórias pesadas de violência doméstico e abuso sexual. Encontrou um escape noutra paixão.
Andréa mudou de carreira aos 27 anos.

Desânimo, falta de motivação, cansaço e um enorme sentimento de impotência. Andréa Sousa sentava-se todos os dias na sua secretária, a acumular sentimentos negativos, enquanto olhava para os casos que tinha à sua frente. Afinal, era cada vez mais difícil não levar as histórias de violência doméstica e abuso sexual que ouvia para casa — como se fizessem parte da sua vida.

Entre 2015 e 2018, durante cinco anos, este foi o seu dia a dia. Apesar de ter concretizado o desejo profissional com que cresceu, o emprego de sonho acabou por se tornar um pesadelo. O trabalho “muito pesado”, na área da criminologia, fê-la começar a ver o mundo através de uma lente obscura: “Precisava de ver coisas bonitas no dia a dia”, conta à NiT.

Quando teve de escolher entre os dois mundos opostos — a ação social, da profissão, ou a maquilhagem, o seu hobby de eleição — a jovem de 32 anos não hesitou. Contudo, não perdeu a experiência acumulada com as vítimas de abuso que acompanhava. Como maquilhadora profissional e influencer, com cerca de 30 mil seguidores no Instagram, usa a sua experiência para ouvir (e ajudar) todas as pessoas que procuram o seu serviço.

“Sempre fui a pessoa que maquilha as amigas e que está a par das novidades da moda. Mas nunca pensei nisso como profissão”, recorda. “Era um gosto pessoal, mas sentia que tinha que enveredar por uma área a sério porque isso não seria um futuro.”

Optou, então, pela criminologia. Andréa começou a licenciatura em 2011, ano em que os finalistas da primeira edição do curso (até então inédito em Portugal) estavam prestes a terminar. Havia sido anunciado “como uma formação na área do apoio social”, que iria formar profissionais para trabalharem em prisões, na segurança social ou em tribunais, por exemplo. “Era uma falha que havia em Portugal e sentia que ia estar a ajudar a pessoas.”

Em 2014, fez um estágio na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), e começou a colaborar em projetos de proteção de vítimas de violência doméstica. Acompanhava as vítimas, mas também contactava com os agressores. “Era difícil não levar as histórias duras que ouvia para casa”, recorda.

Sobre a exigência emocional do que fazia, acrescenta: “Não somos advogados, não somos psicólogos. Ficamos ali num limbo”, realça. O trabalho implicava muito apoio presencial. “Passávamos os dias a falar com as pessoas, a desconstruir os problemas e perceber que soluções havia em situações em que não conheciam outro caminho. Ajudava na habitação, por exemplo.”

Quando começou a ouvir testemunhos de casos de abuso sexual, nomeadamente infantil, tudo se tornou mais complicado de gerir. Os rostos, as vozes e as experiências com que contactava começaram a tornar-se emocionalmente avassaladoras.

“Não quero voltar a trazer aquela nuvem negra”

Naquele período, a maquilhagem era um escape para um mundo mais leve e bonito. Além disso, continuava a falar com pessoas — aquilo de que mais gostava do que fazia era o contacto humano — e trazer algo de positivo para esse encontro através das paletas e dos pincéis.

Já se tinha inscrito num curso profissional de maquilhagem, em 2015, mas mantinha a paixão como um hobby. Quando o projeto de ação social no qual estava envolvida ficou em pausa, em 2017, aproveitou esses meses para começar a investir mais nesse outro lado. Como forma de divulgar o seu trabalho entre noivas e convidadas, criou uma página no Instagram, ainda que com a ideia de que seria algo passageiro.

Os seus serviços começaram a ter cada vez mais procura e quanto o projeto de ação social voltou a arrancar, teve de decidir. “Como escolhes um trabalho estável, embora pesado, em vez de algo tão incerto? Não sabia quantos clientes ia ter, nem um salário certo.” Mas avançou.

Começou a ter um contacto diário com pessoas diferentes, com estilos de vida diversos, quer no estúdio ou ao domicílio, e voltou a fazer uso das competências que usava na profissão anterior. Muitas vezes, em casa da pessoa, as clientes que estão ao passar por fases da vida negativas sentem-se à vontade para conversar. Dos problemas familiares a convivências amorosas, partilham várias situações.

Um dos trabalhos de Andréa numa noiva.

“Com a formação que tenho, consigo desconstruir algumas questões e ajudá-las quando estou a ter esta conversa”, explica. “Além disso, ao trazer-lhes esta beleza, sinto que pode mudar como olham para si. Já não se sentiam bonitas, sentiam que perderam o valor.”

Atualmente, embora admita que “podia ser interessante [voltar à criminologia]”, a partilha diária colmata uma das partes que mais gostava na fase da vida anterior. “Não sei se quero voltar a trazer essa nuvem negra para a minha vida.”

Agora, o seu foco é a maquilhagem nupcial pela oportunidade de fazer parte do dia mais feliz de muitas mulheres. “Somos os primeiros profissionais a estar em contacto com a noiva, então é importante o mood com que chegamos, para a deixar descontraída e menos nervosa.”

O lançamento da marca

Outro dos serviços que oferece, e que surgiu durante a pandemia, foram os workshops de automaquilhagem presencial, no valor de 120€, ou online por 97€, para democratizar estas técnicas. “São esses cinco minutos de manhã que vão fazer com se vejam de outra maneira”, diz.

Quando começou a dar estas aulas, percebeu muitas dificuldades. Sobretudo o que há muita coisa online para uma vertente avançada, mas uma enorme lacuna no básico. E, muitas mulheres, não sabiam pode onde começar ou tampouco pegar num pincel.

Andréa prepara-se ainda para lançar uma linha de acessórios de maquilhagem no início de junho. A linha — muito aguardada pelos seguidores — consiste num kit de pincéis versáteis e de uso fácil, devido à flexibilidade e ao tamanho, para que todos os pigmentos fiquem no sítio certo.

Se quiser saber mais sobre a maquilhadora, ou os serviços que oferece, pode seguir a sua página de Instagram ou visitar o site — onde são feitas as marcações, a compra dos cursos e, futuramente, onde vai encontrar os produtos à venda.

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