Quando evoca a sua infância, Andreia Correia recorda imediatamente os momentos em que calçava os sapatos de salto alto da mãe, fazia poses e pedia que lhe tirassem fotografias. Apesar da sua paixão precoce pela moda, ao folhear as revistas que tinha em casa, não conseguia encontrar ninguém com quem se identificasse.
A jovem, natural de Sintra, encontrou a inspiração na sua irmã mais velha, que já vivia entre sessões fotográficas e concursos de beleza. “Achava que era algo sobrenatural, mas lindíssimo”, conta Andreia, filha de emigrantes cabo-verdianos que chegaram a Portugal há 32 anos à procura de uma vida melhor, em entrevista à NiT.
Em 2018, influenciadaela irmã Miriam, Andreia mudou-se para Londres, no Reino Unido, onde começou a estudar comunicação e marketing digital na Universidade de Greenwich. Contudo, não tardaram a surgir as primeiras oportunidades no mundo da moda e os títulos de beleza.
Um dos primeiros concursos em que participou foi o Miss Portugal UK, que elege a representante da comunidade portuguesa no Reino Unido para a final do Miss Queen Portugal. Após a vitória, tentou a sua sorte no Miss Queen Portugal 2019 e triunfou também no Miss Intercontinental 2021, o que lhe rendeu ainda mais oportunidades de trabalho.
Uma das conquistas mais relevantes ocorreu em junho deste ano, quando Andreia foi coroada Miss Portugal Universo durante a gala Miss & Mrs. Portugal, realizada no Cineteatro Avenida, em Castelo Branco. Agora, prepara-se para representar o nosso país no 73.º concurso de Miss Universo, que terá lugar a 16 de novembro no México.
Com esta distinção, a modelo de 26 anos torna-se na primeira mulher negra a ser coroada Miss Portugal. O resultado surgiu um ano após Marina Machete ter feito história ao tornar-se a primeira mulher transgénero a representar o nosso País no mesmo concurso.
“Desde pequena, assistia ao evento e sempre me imaginei a pisar aquela passarela. Via mulheres tão elegantes e empoderadas”, recorda. “Quando soube que as inscrições estavam abertas, decidi tentar a minha sorte. Sinto-me honrada por representar várias meninas que não imaginam chegar a estes lugares.”
Logo após a vitória, as manifestações que Andreia recebeu foram de jovens que, assim como ela, não se viam representadas em quase nenhuma revista — com cabelos crespos, pele escura ou lábios volumosos. Nas primeiras horas, leu todas as mensagens de apoio. No entanto, posteriormente, começaram a surgir críticas. “Disseram que a minha beleza não corresponde ao biótipo normal da mulher portuguesa, que deveria ser caucasiana e que nem deveria saber cantar o hino“, recorda. “No início, reagi mal porque não sabia lidar com este tipo de atenção. Isso gerou uma grande ansiedade.”
A preparação para a competição
Focada e determinada, Andreia concentrou-se no seu maior objetivo — a vitória — com o apoio do Concurso Nacional de Beleza (CNB) Portugal, especialmente em termos de gestos, postura e os vários looks que tem de preparar para usar antes e depois do evento. Os segmentos mais aguardados são os desfiles de trajes nacionais e de gala.
Além disso, conta com um professor de inglês para a ajudar a trabalhar o discurso. “A preparação é difícil porque nunca sabes o que estão à procura, mas queres transmitir a tua visão. O foco é na mensagem que queremos passar à nossa comunidade, que deve ser transmitida da forma certa.”
No entanto, surgem constantemente novos desafios. Uma semana antes da final, Andreia pensava ter todos os looks prontos quando recebeu um novo briefing que incluía vestidos adicionais que seriam necessários para os vários eventos que terão lugar durante a sua estadia no México.
Embora se orgulhe da sua autenticidade, que se expressa através da sua personalidade, sorriso e cabelo, Andreia sente alguma ansiedade relativamente à categoria Evening Gown, que, segundo ela, “revela toda a essência, elegância e carisma de cada mulher”.
Andreia vai desfilar com modelos de estilistas como João Sousa, responsável pelo vestido cocktail, e Susana Rivieri e Cristina Torres, que criaram alguns dos vestidos de gala, além de propostas de marcas como Conceição Leite, Amour Glamour, Shop Maui, Morena Couture, Seissa, Bitar Atelier e Teresa Cabreira.
O que destaca, porém, é o traje nacional feito por Orlando Ventura e inspirado na Nossa Senhora de Fátima. “Quisemos apresentar algo distinto e, como sou uma pessoa de muita fé, decidimos mostrar como os portugueses estão ligados à religião. Vamos mostrar quanta temos”, revela.
Durante a sua preparação, Andreia encontra-se rodeada por 130 concorrentes, muitas das quais de países cujos nomes desconhecia. A elevada concorrência no Miss Universo tem intensificado a competitividade, o que a leva a sentir a pressão: “Tem sido uma gestão muito complicada. São muitas mulheres bonitas, todas com uma história de vida diferente”, detalha.
Vários altos e baixos
Apesar da ansiedade, Andreia está habituada a desafios. Desde o início da sua carreira na moda, em Portugal, onde participou em trabalhos menores e figurou em novelas, Andreia deparou-se com diversos obstáculos.
“Sentia uma falta de apoio para mulheres negras. As oportunidades eram limitadas e a moda era vista como um hobby“, admite. “Quando fui para Inglaterra, notei uma mudança significativa nas oportunidades de trabalho. Essa foi a maior dificuldade que enfrentei ao começar a carreira cá.”
Superadas estas dificuldades, começou a somar trabalhos no portefólio, sendo que uma das maiores foi com a marca de cuidados capilares Wella. “Foi o que gostei mais [de fazer] porque me fez mudar o meu perfil. Fez-me pintar o cabelo e tinha muito medo, mas mostrou-me uma nova versão de mim própria.”
Ao lado, tem ainda a família — os pais e os cinco irmãos — que apoiam este sonho desde o início. Apesar da hesitação inicial do pai, que queria que Andreia se focasse nos estudos, a jovem decidiu que ia provar, assim que terminasse a formação académica, que a carreira pode dar frutos. E assim tem sido.
A participação no Miss Universo era o maior sonho de Andreia e, após a final, a jovem afirma que será o fim da sua passagem pelo mundo dos concursos de beleza. Não lhe faltam, contudo, outros objetivos que quer cumprir.
O primeiro passo é arranjar agências pelo mundo fora e poder viajar o mundo, conhecer novas culturas e trabalhar com grandes marcas. Além disso, quer voltar a dedicar-se ao voluntariado, uma paixão que já a levou a apoiar lares de idosos e, mais recentemente, vítimas de lesões cerebrais.
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