Beleza

Artista português transgénero faz tatuagens que parecem aguarelas. “É uma terapia”

Taylor Catclaw começou a transição de género aos 32 anos. Agora, recebe outras pessoas trans no seu espaço inclusivo.
É o proprietário do estúdio Bright Side.

“Comecei como mulher num mundo masculino. Tinha de trabalhar a dobrar para me afirmar.” Quem conhece Taylor Ribeiro — conhecido profissionalmente por Taylor Catclaw — acompanhou a transição do tatuador enquanto homem transgénero. Apesar de ter iniciado o processo hormonal tardiamente, aos 33 anos, a mudança pública aconteceu quando “já era uma pessoa resolvida”, conta à NiT.

Volvidos quatro anos, o artista já soma mais de 45 mil seguidores nas redes sociais e é proprietário do próprio estúdio. No Bright Side, em Lisboa, criou um local seguro para receber (e ouvir) pessoas da comunidade da pessoa LGBTQ+, que encontram no seu trabalho uma forma de terapia. Porém, brinca, “heterossexuais são bem-vindos”.

Os seus desenhos com linhas modernas e explosões de cor, que lembram pinturas em aguarelas, atraem multidões ao espaço “leve e descontraído”. Um mundo diferente daquele onde começou, em 2008, quando entrou num circuito ainda muito tradicional e machista. Acabava por assimilar essa forma de pensar por osmose.

Nesta fase, “o acompanhamento psicológico foi essencial” para se descobrir em termos pessoais e profissionais. A relação de empatia que criou com os clientes foi essencial no período em que começaram a surgir as mudanças no rosto, no nome e na marca. “Aos poucos, deixei de me justificar e mudei a maneira como me apresentava”, acrescenta.

O artista trabalha no estúdio Bright Side.

Admite que “é estranho escolher um nome na idade adulta”, mas optou por Taylor porque procurava “algo sem género”. Já o apelido é uma alcunha que o acompanha desde o início, inspirado numa canção da banda The Kills e no seu gosto por fatos. Ao mesmo tempo, reflete a sua garra.

O processo não foi linear, sobretudo porque já tinha uma marca construída e muitos trabalhos associados ao chamado “deadname” [nome anterior à transição]. Um dia, em 2019, decidiu simplesmente “mudar tudo” e reintroduzir-se ao mundo. A reação de quem o conhecia não podia ter sido mais natural.

Muitos dos clientes já eram pessoas que não só desabafavam com o tatuador, mas também o ouviam. “Existe muita partilha e vulnerabilidade quando é feita uma tatuagem. Cada símbolo é uma oportunidade para falar sobre a sua história e a vida da pessoa”, diz.

No caso de homens e mulheres transgénero, os desenhos são um fator importante porque “ajudam a tapar cicatrizes e a diminuir a disforia”, explica. Por isso é que o tenta fazer de forma regular, mesmo antes de ter iniciado o seu processo. Para ele, “um estúdio de tatuagens é uma espécie de terapia em grupo não oficial”. Aquela que sempre precisou.

“Não gostava de tatuagens”

Durante a infância, a arte já era um dos seus refúgios. Apenas não sabia qual o caminho que queria seguir. Desenha desde que pegou em canetas e, na escola, usava-as para fazer desenhos na pele da irmã. Na altura, estava apenas a brincar, mas a verdade é que continua a fazer o mesmo — só trocou a tinta usada.

O seu objetivo era ter um percurso tradicional e tirar um curso de artes multimédia, mas não correu bem. Era o oposto do que queria, visto que uma animação exigia meses de trabalho e sentia falta de algo mais imediato.

Ao mesmo tempo, tentava perceber a sua própria identidade. Durante a adolescência, termos como “não-binário” ainda não faziam parte do léxico, mas sabia que não se enquadrava na dicotomia de género. Na altura, começou por se entender como uma mulher lésbica, mais masculina, mas os tópicos não eram abordados na escola ou em casa, apesar do apoio dos pais.

Quando desistiu do curso, “não gostava de tatuagens” e nem era uma opção. “Tinha aquela arrogância de achar que era apenas fazer uma estrela no pulso. Só após entrar neste mundo é que percebi que podia experimentar muitas coisas diferentes”, continua.

Agora tem o corpo repleto de gravuras, muitas delas feitas por amigos, que servem como “um ritual e uma afirmação de que tenho poder sobre o meu corpo”. E, “qualquer tatuagem pode ajudar a lidar com problemas de autoimagem”.

A oportunidade de se lançar surgiu graças a um profissional da área. Quando um amigo lhe pediu um desenho de Taylor, o artista não percebeu que ele apenas fazia ilustrações. Como o confundiu com um tatuador, disse que devia ser ele a fazer aquele trabalho. Arriscou, correu bem e começou a ser útil no estúdio, onde deu os primeiros passos e a descobrir-se.

Dos animais à cultura pop

O artista começou numa altura em que os estilos de tatuagem ainda estavam muito definidos. “Demorava horas a fazer um dragão oriental” e não demorou até perceber que o processo era muito mais simples se começasse a tatuar como faz um desenho no papel. A partir daí, evoluiu sempre à base de sketches e “desenhos em aguarelas”.

“Desenho qualquer bicho que me peçam”, explica. Ainda assim, reforça que é uma técnica mais livre e não existem dois resultados iguais. A maioria das pessoas já aparece com uma ideia mais genérica do que quer. Depois, cabe a Taylor concretizar o ponto de partida (como um pássaro, por exemplo) à sua maneira.

Uma tatuagem de aguarela é uma marca brilhante composta por uma série de gradientes de cor subtis, que criam um esbatimento natural das tonalidades. Este efeito, conseguido graças a salpicos, manchas ou gotas, pretende recriar as características de uma pintura clássica sem recorrer a tintas que não podem ser utilizadas na pele.

Uma tatuagem da cantora Halsey.

Os dois temas mais recorrentes no seu portefólio são os animais e a cultura pop. Acabam por ser um reflexo da sua personalidade e dos seus hobbies, com jogos ou séries de televisão. “É diferente fazer um desenho que adoro do Studio Ghibli ou de algo desconhecido. Às vezes, posso passar uma tarde a falar de ‘Game of Thrones’ com alguém.”

Curiosamente, aquela que tem mais significado consiste em pinceladas num ombro, porque representa a fase em que começou a sair dos moldes e começou com as aguarelas. Era o oposto das linhas grossas e das cores opacas que o tinham ensinado a fazer.

Taylor tenta reservar sempre um dia completo para os clientes, sendo que trabalha quatro por semana (quartas, quintas, sextas e sábados). Assim, conecta-se melhor com cada um. Porém, isto significa que a lista de espera é cada vez mais longa — neste momento, já vai em seis meses.

Se, no início, queria ter uma loja em cada capital europeia e “ganhar os prémios todos”, agora, à ambição ganhou um novo significado. “Só quero continuar a trabalhar com amor, a ter uma lista de espera estável e voltar às origens. Quero fazer algo mais artístico, e estou contente no meu estúdio, onde estou rodeado de bons profissionais”, conclui.

Se quiser fazer uma marcação com Taylor Catclaw, pode fazê-lo através do link disponível na sua página de Instagram. Aproveite e carregue na galeria para ver mais imagens do seu trabalho.

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