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Esta fotógrafa cria verdadeiros editoriais de moda com mulheres com cancro da mama

Através do projeto solidário Rising Roses, Mara D’Eleán ouve os testemunhos destas mulheres e transforma-as em modelos.

“O cancro transforma-nos.” É assim que Sónia Ramos, de 46 anos, descreve o impacto do diagnóstico que recebeu a 29 de dezembro de 2023. Sentiu “algum desnorte e incerteza”, mas admite que não teve tempo para “viver e sentir realmente o medo do que aí vinha”.

“A Sónia antes do cancro era muito alegre. Continua a ser, mas se calhar vivia muito para os meus amigos, para a minha família”, partilha. “Sei que tenho de viver mais para mim e de me colocar em primeiro lugar.”

Esse sentimento é partilhado por outras mulheres. Elizabete Faquinha, de 50 anos, diz que só depois do diagnóstico passou a olhar mais para si. Já Liliana Dorropio, 36, confessa que sempre colocou o trabalho em primeiro lugar. “Agora é mais família, mais casa, mais eu.”

Todas elas participaram na segunda edição do projeto solidário Rising Roses, criado pela fotógrafa Mara D’Eleán, com apoio da stylist Sandrina Francisco. A iniciativa reúne 13 mulheres que enfrentaram ou enfrentam o cancro da mama, em sessões fotográficas que pretendem realçar a força, a beleza e a identidade.

O projeto realiza-se uma vez por ano e pretende “celebrar e realçar” a imagem destas mulheres, mesmo que algumas tenham tido dificuldade em reconhecê-la no espelho. À frente da câmara, sentem-se como modelos.

“Trabalhamos com o público feminino e sabemos o peso da imagem durante um processo destes. Os homens também passam por ele, mas sentia sobretudo a forma como estas transformações afetam as mulheres a nível identitário”, explica a fotógrafa à NiT.

Mara percebeu, em conversas com várias clientes, que “tudo o que é simbólico” para a identidade feminina é afetado. “Não é apenas o cabelo, mas também as pestanas que caem ou as unhas que se descolam”, afirma. “Diziam-me que tudo o que as fazia sentirem-se mulheres estava a ser arrancado. Não conseguiam aceitar-se ou encontrar-se.”

Foi a partir dessa constatação que surgiu o conceito do projeto. O Rising Roses propõe uma “visão 360 do ser feminino”, centrando-se na ideia de reerguer estas mulheres. As sessões são pensadas ao detalhe, desde as poses à maquilhagem, passando pelas peças de roupa escolhidas, tudo contribui para uma nova perspetiva.

“Há uma vertente terapêutica”

Com quase 15 anos de experiência, Mara D’Eleán define-se como fotógrafa, artista visual e diretora criativa. “Comecei com a fotografia da mesma forma que comecei na maquilhagem. O que me move nestas ferramentas é a intenção de ajudar e elevar as pessoas, a ver o seu potencial.”

Formou-se inicialmente em design, mas procurava mais liberdade criativa. Estudou arte multimédia na Faculdade de Belas Artes, onde explorou a fotografia, o audiovisual e o desenho. Em paralelo, começou a treinar maquilhagem. “Desde miúda que lido muito com o mundo da beleza, até porque a minha mãe é esteticista. Fui treinando todas estas vertentes e acabei por fazer formações complementares.”

Atualmente, conjuga essas competências para trabalhar a forma como as clientes se veem. “Não é só sobre a autoestima, mas também sobre a forma como o mundo nos vê.” A atenção vai desde a construção dos looks à criação da ambiência. Tudo encaixa no que chama de “mundo imaginado”.

Uma das participantes.

“É facilmente percebido como um ato de fantasia, no sentido em que trabalhamos com a possibilidade de coisas que apelam à nossa imaginação. Gosto desta abordagem mais arquetípica”, sublinha.

Muitas mulheres dizem-lhe que gostariam de se sentir como deusas ou guerreiras. Através da sessão, Mara permite-lhes explorar essa dimensão interna. “Há uma vertente terapêutica muito grande associada ao nosso trabalho.”

A fotógrafa procura perceber quem são estas mulheres além dos papéis que desempenham no dia a dia, como mãe, esposa ou filha. “Nós somos os nossos papéis internos também.”

Como funciona?

Na edição deste ano, lançada em outubro, a inspiração foi o universo das deusas e o estilo Old Hollywood. Os vestidos brancos e o fundo dourado marcam as imagens. A cada edição, Mara e Sandrina abrem candidaturas para mulheres que estejam ou tenham estado em tratamento. Algumas participantes nunca fizeram reconstrução mamária, outras enfrentaram o cancro pela segunda vez.

Após a seleção, com base nos testemunhos recebidos, é produzido um editorial. A equipa conta com maquilhadores, stylists e marcas como a designer Cata Vassalo e a estilista Mar Relva. Outras empresas contribuem com experiências ou ofertas.

Todos os testemunhos estão disponíveis online. “Todas trazem uma visão muito importante. Há um núcleo em comum: todas estavam profundamente infelizes com a vida que levavam e não viviam de acordo com a sua vontade. Um emprego, uma relação ou questões de autoestima.”

A sessão de Maria João.

O processo culmina num evento privado, no estúdio da fotógrafa, em Lisboa. Nesse encontro, as participantes veem as imagens pela primeira vez. “É uma espécie de ritual”, com oradores ligados à saúde, que propõem momentos de partilha e dinâmicas práticas.

Este ano, a Liga Portuguesa Contra o Cancro associou-se ao projeto, permitindo a realização de uma exposição itinerante. As imagens já estiveram expostas no Hard Rock Café de Lisboa e em mupis digitais na estação de Metro de São Sebastião. “Estão em vista outros lugares para que este projeto chegue a ainda mais pessoas”, refere Mara.

Além da vertente visual, criou também a comunidade The Riing Circle, que oferece apoio emocional e ajuda no financiamento de tratamentos. Para muitas das participantes, ocupar a mente com estes projetos é uma das formas de manter a esperança. “Criarem coisas boas, experiências, e terem planos para a vida. É o mais importante nesta fase”, conclui a artista.

Pode saber mais sobre o projeto e os testemunhos das participantes no site da Rising Roses. Carregue na galeria para ver algumas das imagens.

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