Um momento de insucesso ditou-lhe o futuro. Quando Filipa Silva reprovou no oitavo ano, a mãe colocou-a a ajudar no cabeleireiro onde trabalhava como castigo. No meio de tantos fios compridos, a adolescente percebeu que o que lhe interessava era a área da barbearia. Tinha apenas 15 anos quando se começou a dedicar aos cortes curtos e às barbas.
“Na altura, comecei por me formar num curso de cabeleireiro unissexo por ser mais abrangente, mas dediquei-me mais no público masculino”, recorda à NiT a profissional, atualmente com 31 anos. “Fui trabalhar para um espaço mais tradicional e aprendi quase tudo o que sei hoje com os meus colegas”
“É mulher? Será que sabe fazer barbas?”, ouviu vezes sem conta. Filipa estreou-se neste mundo numa altura em que quase não existiam profissionais femininas. Ainda são poucas as mulheres que se dedicam a este trabalho. Nunca se deixou incomodar pela discriminação que sentiu. “[O segredo] é deixar que o trabalhe fale por si e provar que também conseguimos.”
Foi graças ao passa a palavra, quer através de amigos ou desconhecidos, que deu a conhecer o seu trabalho. Atualmente, já tem uma carteira sólida de clientes habituais que chegam, sentam-se e quase não precisam de fazer nenhum pedido. E após três anos a trabalhar como gerente de um salão, na Maia, decidiu abrir o seu próprio espaço, em 2019: chama-se HER.

“Quando abri, correu muito fez porque fica na zona onde cresci, em Matosinhos, e já tinha algumas pessoas que confiavam em mim”, acrescenta. Não se considera propriamente simpática e descreve-se como alguém “de poucos sorrisos”, mas acredita que é a forma precisa como trabalha e o resultado que continua a convencer tanta gente.
A maior prova deu-se em 2022, quando se tornou campeã na categoria de corte no maior concurso nacional para barbeiros promovido pela Expocosmética. Era a única mulher a concorrer no Challenge CACP Barber Shop, como já se tinha tornado habitual, mas acabou por triunfar entre dezenas de homens vindos de várias partes do País.
“Inscrevemo-nos nas categorias [corte, barba e penteado] e passamos por várias etapas. Quem tiver habilidade, pode fazer desenhos e ser mais criativo”, explica. Após duas eliminatórias, foi distinguida pelo júri, formado por várias figuras reconhecidas na área, entre um total de 20 finalistas que estavam a disputar o lugar no pódio.

“Perdi muitos clientes”
Apesar do sucesso, surgiram também muitos desafios. Quando foi mãe, no ano passado, Filipa teve medo do pós-gravidez e sabia que não podia ficar parada demasiado tempo. Continuou a ir até ao HER todos os fias até ao final da gestação e, nascida a bebé, parou apenas três semanas e nos primeiros tempos até a levava consigo para a barbearia.
“No fundo, sei que perdi alguns clientes”, admite. E, mesmo se considere satisfeita com o rumo do seu percurso, pretende recuperar algumas das pessoas que perdeu durante esta fase de muitas mudanças.
Entre os que se mantêm, estão os amigos que a viram começar e que se recorda de ter usado como cobaias numa fase inicial. “Às vezes, vejo penteados que lhes fiz na altura e detesto, mas sei que faz parte do processo. Foi preciso ouvir muitas coisas negativas.”
A barbeira recebe ainda algumas mulheres que optam por cortes curtos e que, num cabeleireiro, acabam por pagar mais do que um homem — recorde a reportagem da NiT sobre o tema. E muitas, quando tentam ir a barbeiros em busca de preços mais baixos, vários profissionais recusam prestar-lhes os serviços que procuram.
“É normal que nos procurem porque temos outra forma de trabalhar os cortes curtos, entendemos melhor o que elas querem”, explica. “Uma cabeleireira especializada em cabelos compridos não entende tão bem algumas necessidades ou detalhes que são importantes.”
Embora faça um pouco de tudo, Filipa é conhecida pelo estilo mais clássico, com os cortes à tesoura que já não se utilizam tanto como antigamente. Nota que há uma preferência pelos cortes rapados ou a pente zero, mas acredita que é importante manter este tipo de trabalhos, que acha “mais bonitos e com outro toque” que se tem vindo a perder.
“Os clientes marcam-nos não só pelo trabalho que fazemos, mas porque acredito que somos um bocado psicólogos”, continua. Depois das apresentações iniciais, a postura altiva da profissional vai mudando e já se torna mais comunicativa e sorridente, incentivando as pessoas sentadas na cadeira a este tipo de partilhas. Sentam-se e dão por si a desabafar ao ritmo com que Filipa aciona a tesoura.
Entre os casos mais marcantes estão também as perdas. Como acaba por receber pessoas de todas as idades, a jovem também já lidou com o luto de alguns do seus clientes, que se tornaram amigos próximos e que acabaram por morrer. Muitas delas foram pessoas cruciais para que a barbeira traçasse o seu caminho até ter um espaço próprio.
Quem entra no HER, numa referência à força feminina, entra num universo à moda antiga onde Filipa faz tudo sozinha. “Na altura, quis abrir o espaço como um cabeleireiro para homens, porque as barbearias atuais têm quase todas bares e bilhares. Não queria essas coisas então achei que o conceito não ia fazer sentido”, afirma.
Mas não demorou a mudar o título porque, afinal, ostenta orgulhosamente o famoso polo de barbeiro. A haste vertical vermelha e branca com uma esfera no topo, o símbolo icónico que se associa a esta profissão, é um dos primeiros detalhes com que os visitantes de cruzam. É um dos apontamentos que complementam o diploma que deixa o aviso: estão a entrar no território de uma campeã de corte de cabelo.
As marcações com Filipa Silva podem ser feitas online. Os preços variam entre os 5€ para aparar a barba e os 60€ para a descoloração. Um corte simples custa 12€.
Carregue na galeria para ver alguns dos melhores trabalhos da barbeira.