Quando desenhou as sobrancelhas a um homem pela primeira vez, Joana Carneiro ficou desarmada com a reação dele. “Você é uma artista”, foram as palavras de Joaquim, 60 anos, que ia fazer quimioterapia devido a um cancro no pâncreas. O resultado realista acalmou-lhe a angústia de perder os pelos.
A esteticista de 30 anos dedica-se à reconstrução de sobrancelhas de pessoas com doenças oncológicas ou alopécia desde dezembro. Recorre à micropigmentação para elevar a autoestima de quem a procura — e não cobra nada pelo serviço a que chamou “Pigmentos de Amor”.
Para quem não está familiarizado, a técnica consiste em colocar tinta na pele para recriar, as sobrancelhas com exatidão. Em vez de pintá-las, imita o desenho pelo a pelo e garante um desenho mais natural. Depois de vários anos a fazer este trabalho em todo o tipo de pessoas, decidiu focar-se em doentes oncológicas.
“Trabalho na área há algum tempo, e aparecem cada mais vez mais jovens com problemas de saúde. O cancro está mais ativo e sensibilizava-me muito”, conta à NiT. Joana também foi maquilhadora voluntária no IPO. “Como a minha agenda estava cheia, andava sempre a adiar.”
Trata-se de um procedimento caro, que ultrapassa os 200 euros. O facto de muita gente não ter capacidades monetárias para avançar foi uma das motivações de Joana: “Pensei que se oferecesse ia fazer a diferença na vida das pessoas. O dinheiro não é tudo, o abraço que me dão no final é mais valioso”, reforça.
Ao contrário das tatuagens, a tinta da micropigmentação não é definitiva. A duração depende da pele da pessoa e mantém-se mais tempo em peles secas. Em média, dura cerca de dois anos com retoques anuais ou bianuais. Além disso, não implica dor porque é feita na primeira camada da pele.
Joana usa ainda uma tinta própria para o rosto das pessoas e prioriza as opções biológicas. É um pigmento semelhante ao que é usado numa tatuagem: “Tenho sempre as cores primárias e vários tons de castanho. Uso o tom do cabelo, dos olhos ou da pele para chegar à cor exata do pelo do cliente.”
“Não ficam tão tristes”
A primeira pessoa a mostrar interesse foi Liliana. A jovem de 17 anos tinha sido diagnosticada com alopécia há cinco e foi uma professora que contou a sua história à especialista: “Ela assume a cabeça careca e gosta de se ver assim. Porém, a falta de sobrancelhas afetava muito a sua autoestima.”
Nesta altura, Joana foi convidada para aparecer no programa “Praça da Alegria”, da RTP, e levou a adolescente consigo. Liliana achava que ia apenas falar sobre a sua condição, mas em vez disso foi surpreendida com a oferta do procedimento. Desde então, já visitou a esteticista três vezes para fazer o retoque.
Ainda assim, foi o caso de Joaquim que mais a marcou. Duas semanas antes de atender o senhor, já tinha recebido a filha, vítima de cancro da mama, que convenceu o progenitor: “Os homens têm muito receio em procurar [o serviço] e ele era muito vaidoso”, recorda.
No início, achava que ia ser um resultado falso e demasiado pintado, por isso, quando se olhou ao espelho, não conteve o espanto. “Quando começam a perder o pelo, [as pessoas] não ficam tão tristes porque sentem a micropigmentação.”
Para receberem os “Pigmentos de Amor”, os interessados apenas têm de se inscrever através do e-mail joanacarneiromua@nullgmail.com. Se tiverem uma declaração médica que confirme a condição, Joana inclui logo a pessoa no projeto. E, embora tenha definido um atendimento por mês, acaba sempre por fazer mais.
Caso acumule demasiados pedidos, entram em lista de espera. No entanto, para já, o número de pessoas pendentes ainda é bastante pequeno. E pode ser alterado: “Se tenho uma menina que descobriu o cancro e vai começar os tratamentos para a semana, troco por uma cliente que não seja tão urgente”, conclui.
A clínica de Joana Carneiro está situada no número 591 do Largo Estevão Torres, em Vila Nova de Gaia. Os interessados também podem entrar em contacto através da página de Instagram.
Carregue na galeria para ver algumas imagens dos resultados do trabalho da especialista. Leia também o artigo da NiT sobre Mariza Seita, a tatuadora de mamilos em mulheres sobreviventes de cancro.
