Decoração

A casa de sonho que se ergueu da destruição das chamas em Pedrógão Grande

Chama-se Hipóstila e nasceu nos terrenos devastados pelo incêndio de 2017. É uma obra do arquiteto Miguel Marcelino.
(Foto: Lourenço T. Abreu)

Miguel Marcelino recorda-se bem da primeira visita que fez ao terreno em Pedrógão Grande. “Era muito bonito, muito verde. Estava numa zona rural, bucólica. Tinha apenas uma construção agrícola”, conta. Não o foi por muito tempo.

Em junho desse mesmo ano, um incêndio fatal devastou hectares atrás de hectares na região. A folhagem verdejante deu lugar a um cenário desolador e descolorido. Mas, como sempre, a natureza cura e a vida continua.

Volvidos dois anos, em 2019, começava a construção da Casa Hipóstila, concluída em 2022. O processo foi relativamente incomum, confessa o arquiteto responsável pelo projeto. A começar pela forma como os clientes lhe chegaram às mãos.

“Normalmente há sempre um contacto em comum, mas neste caso não havia. Pesquisaram por arquitetos em Portugal, gostaram do nosso trabalho e contactaram-nos”, diz. Também os clientes eram peculiares: um casal suíço, ligado ao mundo das artes, com gostos igualmente distintos.

“O programa era relativamente simples: queriam uma casa com dois quartos para viverem com os filhos. E a relação tornou-se logo interessante porque nos deram uma série de imagens de referência de arquitetura contemporânea, mas não havia nenhuns limites definidos a priori. Havia aqui a oportunidade de fazer uma obra especial.”

Regressou ao terreno após os incêndios para avaliar o que poderia ser feito. “Estava tudo preto e branco, tudo despido. Mas nessa altura percebi que sobressaia o sistema de socalcos que ali havia. Mostrava a aparente naturalidade de uma paisagem transformada pelo homem. A partir daí sentimos que aquilo era bastante forte, que era difícil o projeto não estar ligado a essa temática”, explica.

“Percebemos que uma casa tradicional ali não iria funcionar no meio daquela paisagem”, refere. No local havia ainda uma pré-existência, uma casa agrícola “sem interesse arquitetónico”.

A estrutura passou então a ser o grande foco do arquiteto. “Acabamos por evoluir para uma estrutura hipóstila, uma série de colunas que nos permitia duas coisas que considerávamos interessantes. Desde logo, a possibilidade de trabalharmos a estrutura enquanto arquitetura. Normalmente são temas separados e antagónicos. Aqui, a arquitetura seria a própria estrutura.”

Decidiram evitar a tradicional solução da “sala com um grande rasgo e um janelão”. Uma opção transversal a todas as divisões da casa, igualmente baseadas em alternativas de contraciclo — uma vez que a maioria dos projetos atuais procuram a remoção de obstáculos, recorrendo à criação de grandes áreas abertas, aqui, a proposta seria oposta.

“As colunas transformaram-se quase em elementos proibidos a partir de meados do século passado. Porém, o que vemos ao longo da história, da arquitetura grega à romana, é que as colunas são absolutamente centrais”, explica Miguel Marcelino. Resolveram aproveitar os pilares como pontos de partidas em torno dos quais moldaram a casa. Além de a estrutura assentar neles, no exterior serviriam para controlar a entrada de luz, através da densidade.

“Começamos a perceber que densificando mais uma área, podíamos controlar as perspetivas, a filtração do sol (…) por outro lado, também ajudavam a criar um contraponto à horizontalidade dos terraços e dos socalcos.”

Se a casa não era para ser típica, o jardim exterior teria que manter essa linha de pensamento, e assim foi. Manteve-se um térreo mais selvagem, mais semelhante à natureza, “menos artificializado”. Faz-se a exceção na zona da piscina, que ainda assim surge sóbria, emoldurada na cor e nas linhas da paisagem.

“Quisemos manter também ali a ideia dos socalcos. Interessava-nos a ideia de ter um plano de água, um espelho de água, que depois terminava ali num socalco. É uma daquelas sensações como quando estamos a ver aquelas lagoas no meio da serra.”

Por uma questão de coerência, os pilares estão em todas as áreas da propriedade, numa tentativa de “acentuar a fluidez entre interior e exterior”. “Toda a casa segue esse tema de colunas soltas, visíveis, há uma continuidade nas zonas mais profundas da casa. No limite, também o que nos interessava era ter uma casa quase sem paredes. Mais colunas, menos paredes.”

A ideia levou a que estes elementos sirvam, em muitos casos, como divisórias. Noutros, apostou-se na madeira, para criar demarcações “mais ligeiras.”

A casa apresenta uma área útil de 150 metros quadrados, que se dividem entre uma ampla zona social onde impera a multifuncionalidade e mais dois quartos. No interior, as divisões mais escuras foram abrilhantadas com claraboias, caso do corredor e da casa de banho.

Desenhada a ideia, a escolha dos materiais foi “quase uma evidência”. Da inspiração dos socalcos de xisto, optou-se também pela mesma solução, aliada a betão à vista “com uma imagem mais pétrea”, que recebeu um ligeiro pigmento para o tornar mais quente, mais próximo do xisto.

A escolha por tons mais escuros, no mobiliário e na madeira, tem também uma explicação simples. “Para enfatizar essa ideia da continuidade e profundidade das colunas, faria sentido que os outros elementos se anulassem, isto é, estivessem num tom mais escuro, para que, através do efeito lumínico, o elemento mais claro sobressaísse relativamente ao elemento mais escuro”, explica o arquiteto.

Madeira, betão, vidro e pouco mais, resume-se assim a materialidade do projeto. “É uma casa muito descarnada, bastante crua.”

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