Decoração

A portuguesa que decorou a casa de um dos designers mais famosos do mundo

A lista de clientes de Ana Borges inclui políticos, futebolistas e outras figuras públicas. Até Philippe Starck já a contratou.
Ana começou o seu negócio sozinha.

O designer Philippe Starck tem uma notável carreira com mais de 50 anos. Em Portugal, a decoradora Ana Borges já trabalha há 25. Porém, a distância — tanto geográfica como temporal — pouco importou. Em 2019, o francês que desenhou bicicletas, iates, estações espaciais e unidades hoteleiras, passou a integrar a sua vasta lista de clientes.

A portuguesa já decorou casas de políticos, futebolistas e outras celebridades. A criativa de 59 anos, que fundou uma empresa homónima, tornou-se um nome incontornável do design de interiores no nosso País. O início foi lento, mas resultou num percurso impressionante.

“Quando entrei na faculdade, queria estudar algo ligado à arte. Naquela altura, isso não era bem-visto e os meus pais deram-me a escolher entre direito ou história”, conta à NiT. Acabou por se licenciar na segunda opção, com especialização em história da arte. Deu aulas durante seis meses, mas não se sentia realizada.

A sua primeira casa

Quando se casou, Ana decidiu fazer a decoração da sua primeira casa. À exceção de ligeiras obras, aproveitou a arquitetura da moradia para criar a sua visão: o registo era campestre, com vergas e tons luminosos ou pastel. Tudo foi planeado para estar em harmonia — dos candeeiros em cerâmica com abajur a condizer, passando pelas almofadas personalizadas.

“Éramos jovens, recebíamos muitos amigos e eles gostavam muito. Diziam-me que iam casar e pediam para eu ajudar. Comecei na brincadeira”, recorda. “Depois, percebi que não me realizava criativamente e pensei que podia começar de uma forma mais experimental.”

Nesta fase, já tinha trocado o emprego anterior pelo cargo de comercial numa empresa. Por necessidade, evoluiu até chegar a diretora do departamento, uma oportunidade que lhe permitiu ter estabilidade para escolher o próprio percurso.

A criação do atelier

Com 28 anos e sem ajuda, lançou o seu negócio. Apesar de ter feito cursos em decoração de interiores e arte floral, considera-se “relativamente autodidata”. Além disso, no trabalho anterior, contactou com pessoas que acabaram por lhe trazer os primeiros clientes.

Começou por fazer estofos para móveis, entre outros artigos mais criativos, algo que continua a fazer. Atualmente, 70 por cento das peças que usa nos projetos são de produção interna. Começou apenas “com duas máquinas de costura, um ferro de engomar, uma caldeira e duas funcionárias.”

“Era uma empresa pequena, mas não dependia de ninguém em termos económicos. Tentei fazer tudo sem pedir dinheiro. Não era fácil para uma pessoa jovem, que está a começar, estabelecer uma relação de confiança com fornecedores. Mas sou destemida, olhei muito para a frente e pouco para trás.”

O primeiro grande desafio surgiu em 2009. Uma amiga, secretária de um investidor estrangeiro, recomendou-a para a decoração de um apartamento no Restelo. “Tinham muita pressa e todas as empresas davam prazos muito longos”, então a pequena equipa de Ana apresentou e cumpriu uma proposta. O projeto ficou terminado uma semana antes do previsto e foram contactados pela família mais quatro vezes.

Em cada trabalho, destaca-se o elevado grau de personalização: “Por norma, tenho sempre uma reunião para avaliar a empatia, estilo de vida e necessidades. Mais tarde, reúno-me com a arquiteta e designer sobre a obra, mas tenho facilidade em pôr-me na pele do cliente.”

Se, por um lado, desenvolve o desenho técnico, as cores e os materiais consoante a pessoa, Ana mantém um estilo muito próprio. É comum apostar em apontamentos dourados, combinados com padrões arrojados que criam um ambiente tão requintado quanto acolhedor.

Neste apartamento para férias em Cascais, de um casal estrangeiro, nota-se o enaltecimento do talento português.

“Muitas vezes, temos que fazer alterações e explico ao cliente que não vai funcionar. Dizem-me: ‘a Ana é que sabe’. É a vantagem de trabalhar com pessoas que nos são sugeridas. Confiam, porque sou cumpridora, trabalho dentro dos timings e consigo ler-lhes os pensamentos.”

Resta saber: onde é que a decoradora encontra a inspiração? Observadora e com gosto por viagens, encontra estímulos em feiras internacionais e até nas redes sociais. O objetivo é sempre dar ao cliente um fator surpresa, mesmo que não vá ao encontro do que gosta — como espaços étnicos, onde nunca viveria.

Os maiores (e melhores) projetos

“Os portugueses não gostam que fale do nome deles”, explica, sobre as personalidades que ocupa a sua agenda. No entanto, não hesita quando chega a hora de referir um dos trabalhos que mais a orgulha. Aconteceu eu 2019, quando a secretária de Philippe Starck entrou em contacto para agendar uma reunião.

O seu trabalho foi referenciado por uma cliente francesa, do Estoril, que o conhecia. O projeto de arquitetura foi feito pelo próprio designer, mas o atelier português foi responsável por toda a parte têxtil: sugeriram e concretizaram os modelos de cortinados, calhas, estores, toldos e colchões de cada divisão.

“Ele é acessível, gostou do trabalho e isso colocou-nos noutro patamar”, refere. Recorda-se ainda quando foi desafiada pelo arquiteto a encontrar a uma solução para uma janela redonda e complexa, pouco viável. A proposta apresentada foi bem-recebida pelo ícone do design.

“[A janela] devia levar dois cortinados paralelos. Sugerimos um rasgo ao nível da placa, como uma sanca decorativa, para embutir os ditos cortinados. Se ficasse apenas a curvatura, iam descair com a força da gravidade. Como estão penetrados, não acontece.”

Ainda este ano, terminou um projeto num hotel particular em Paris. Insatisfeita com a equipa que tinha contratado, a cliente revelou que “chorava sempre que via a obra”. “Nunca trabalhei num projeto que tivesse tantas obras de arte, nós fizemos os têxteis e foi um desafio trabalhar com peças que só vejo em museus”, recorda.

A portuguesa que decorou a casa de um dos designers mais famosos do mundo depois
A portuguesa que decorou a casa de um dos designers mais famosos do mundo antes

Quem recomendou a profissional foi uma colega francesa, a quem fez uma remodelação de um T3, com vista para o mar, em Cascais. Mais uma vez, o estilo moderno das luzes LED embutidas e do revestimento integral das paredes realçam os diversos quadrados espalhados com referências a Portugal (pinturas de Amália, por exemplo)

A equipa desenhou ainda espelhos retroiluminados, os ripados e idealizaram sofás, mesas, cadeirões e banquetas. Mais tarde, foram concretizadas por parceiros nacionais, inclusive os candeeiros de vidro que são um dos destaques na zona do bar.

Ainda em maio, Ana segue prepara-se para fazer um projeto de alojamento local em Trás-os-Montes. Quando chegou ao local, deparou-se com uma casa que tinha sido um forno comunitário e não podia estar mais satisfeita. “Vamos subir a fasquia da criatividade porque temos imenso material”, revela entusiasmada.

Quanto ao futuro, e embora admita que tem dificuldade em dizer “não”, o principal objetivo é dedicar-se apenas ao que realmente gosta. Nos próximos cinco anos, pretende ainda passar o testemunho à filha, Marta Borges, que já integra os quadros da empresa.

Carregue na galeria para ver o projeto da decoradora para o T3 em Cascais.

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