É difícil tirar dos olhos dela. A longa pala fina como uma folha de papel que se alarga pelo jardim, a apontar para a vista sobre a baía de Lagos. Chegados ao Algarve e olhando para o projeto, seríamos perdoados se julgássemos estar perante mais uma casa de férias. Não é, de todo, esse o caso.
A proposta chegou às mãos do arquiteto Mário Martins em 2019 e só se deu por concluído em 2022. “Já conhecia a família há vários anos e sabia que queriam mudar de casa, construir uma nova. Testámos várias localizações e lotes, mas nenhum se concretizou. A nossa equipa acabou por encontrar esta oportunidade, um lugar muito interessante que surgiu por acaso”, recorda da árdua busca pelo sítio perfeito.
A avistar a baía, junto à Meia Praia, nasceu a Casa Libre, com os seus amplos 400 metros quadrados num terreno com pendente para sul e uma vista desafogada. Meio trabalho já estava feito, mas ainda assim revelou-se complicado de concretizar, porque havia a vontade de que a casa tivesse apenas um piso térreo.
“Era uma exigência difícil, no caso ter um lote que possibilitasse construir o programa pretendido de quatro ou cinco quartos, tudo num piso com áreas de implantação generosas. Este terreno acabou por possibilitar isso.”
Voltando à estrela, a pala, o arquiteto nota que é um “elemento paradoxal”. “Por um lado temos uma casa assente num bloco monolítico. E depois ela é recortada para aquele pátio, como se fosse um paralelepípedo escavado, onde se criam espaços escavados. Depois há esse bloco para o pátio e a pala surge como o elemento solto, fino, por cima do bloco”, explica. São quase sete metros de balanço e uma impressionante altura de apenas 20 centímetros no seu limite.
Terá sido este o momento mais desafiante do projeto, também por ser “um elemento tecnicamente difícil”. “Não me canso de dizer que a arquitetura não é trabalho de um homem só. É de uma equipa e aqui é particularmente visível a técnica da engenharia, um trabalho calculado e bem executado, que resolveu muito bem todos os aspetos difíceis.”
“É importante notar que a casa não se impõe no local. Deixa-se tomar pelo sítio, o jardim entra pela pala até bordejar a sala”, alerta o arquiteto. À volta da casa, a vista é desafogada. Talvez um pouco demais, o que obrigou também a resguardar um pouco as áreas “para que não abrisse demasiado a casa e se perdesse uma certa intimidade”. A partir dali nasceram as pequenas reentrâncias interiores no bloco, pequenos pátios, “virando a casa sobre si mesma”.
O projeto privilegiou os materiais naturais, mas nenhum sobressai tanto como a imponente porta pivotante da entrada. Um painel desenhado pelo escultor Paulo Neves, numa parede de duas faces com 20 centímetros de espessura e adornada com madeira reciclada de barricas de vinho do Porto, onde sobressaem os anéis que lhe dão uma textura rugosa e rústica, mas elegante.
“A escultura sempre foi parte integral da história da arquitetura, não só como decoração, mas como parte da própria arquitetura”, frisa Mário Martins. E para lá dos adornos, a casa ergue-se sobretudo no material dominante que é o betão, do exterior às paredes das diversas áreas. O betão intercala-se aqui e ali com rebocos naturais.
A casa tem um total de cinco quartos, com dois deles a ainda aproveitarem a fachada aberta virada a sul, onde sobressai também a enorme piscina com cerca de 30 metros de comprimento por cinco de largura. Uma área enorme que ocupa toda a frente da casa.
“Não está ao nível do terraço, emerge do jardim como um volume preto do qual escorre água pelos lados. E, de forma quase figurativa, retorna toda ao jardim. É um elemento simples, elegante, neutro, deliberadamente pesado.” E quando se fartar de apanhar sol no amplo terraço, pode sempre refugiar-se no telhado, onde nasceu um jardim na área integral da casa.
“O que me orgulha aqui é o que deve orgulhar qualquer arquiteto: ver a casa a funcionar, como um todo. Que faça tudo sentido, naquele contexto”, conclui.
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