O plano era simples. A casa que deveria nascer na vila de Gemeses, em Esposende, teria de ser feita em tempo recorde e acautelar custos, sobretudo os de manutenção. Bom, rápido e barato. A missão ficou nas mãos de Hugo Barros, arquiteto de 33 anos do Atelier da Costa.
Assim foi. O projeto, que arrancou em 2016, terminou a primeira fase no final de 2017. Isto apesar de até 2019 ter sofrido algumas alterações, sobretudo por causa da construção da garagem. Ao fim destes avanços e recuos, nasceu então aquela que ficou conhecida como a Casinfância, inspirada na palavra criada pelo poeta Herberto Helder no poema com o mesmo nome.
O nome ficou-lhe associado apenas porque Hugo, ávido leitor, esbarrou no poema enquanto trabalhava no projeto. “Na altura a palavra foi muito forte. Junta dois conceitos, casa e infância (…) Rstava a trabalhar isso através da arquitetura, a criar uma casa para uma criança ou para várias infâncias — que podem não ser propriamente crianças”, explica à NiT. “As pessoas quando fazem uma casa estão sempre, em certo sentido, a voltar à infância.”
Voltar à terra da infância foi precisamente o que fez em 2015, depois de um estágio em Londres no ateliê do britânico David Chipperfield. Juntou-se ao pai, também arquiteto, e refundou o ateliê sob o nome de Atelier da Costa. O projeto da Casinfância ou Casa de Férias chegou-lhe através de uma relação de amizade.
Essa relação mais próxima foi o que permitiu “ter mais liberdade” para propor soluções menos habituais. Pretendia-se uma obra com rápida implementação. “Queriam uma villa, um espaço de alguma frugalidade, de aproveitamento máximo do espaço natural em redor, sem a componente agrícola que as villas comportam. Algo só de fruição”, notou.
No ar ficou uma certa ideia de contradição. Pretendia-se uma casa de férias, de lazer, mas impunha-se lhe uma “certa austeridade”. “Lendo agora o que se tinha em mente, era quase construir uma casa de férias que fosse um barraco, o mais barato e austero possível, sendo ao mesmo tempo uma villa. Isto em termos arquitetónicos criou-nos um problema. Como é que conseguimos construir com materiais em bruto e, ao mesmo tempo, dar a dignidade que uma villa merece, sem que fujamos à sua representação?”
A única forma de resolver essas contradições passava, claro, por enveredar por nova ideias, arriscar “nos limites da convencionalidade”. A base da casa foi então projetada em betão, não só por uma questão de custo mas também porque era a forma mais fácil de fazer avançar o projeto. E se na base impera o betão, no topo da casa foi então pousada uma segunda estrutura, toda em madeira.
Tudo assentou na economia de processos. Um quadrado de dez por dez metros, sem invenções. Parar roubar o menor espaço possível ao terreno, imaginou-se a casa com dois pisos. Em baixo, a área social; em cima, a área privada.
“Quem olha pensa quase que é uma casa pré-fabricada pousada em cima de betão (risos) É um pouco isso”, comenta. A verdade é que um pré-fabricado foi até a primeira ideia do cliente, que rapidamente cedeu à necessidade de ter um espaço mais personalizado.
Feitas as contas, a construção da casa custou à volta de 280 mil euros. O custo poderia ter sido mais reduzido, mas foi tomada a decisão de fazer um maior investimento em alguns materiais que trouxessem vantagens no futuro, nomeadamente na redução de custos de manutenção. “O betão em bruto não precisa de ser pintado. A madeira de cima é termotratada, isto é, já vem sem os componentes ativos da madeira, totalmente seca, para evitar a necessidade de aplicação de vernizes.”
A ampla e desobstruída área social parte de uma necessidade do cliente. “A questão dos quartos era quase secundária. Ele queria ter um espaço social, essa era a ideia perene”, explica. Criou-se então um espaço marcado pela enorme viga que sustenta o piso superior. “O único compartimento ali é a casa de banho e o átrio. Tudo o resto é totalmente aberto.”
Neste quadrado, cada fachada tem um traço característico. Numa das fachadas, é a escadaria que rompe o volume — e surge revestida a chapa de alumínio, o terceiro elemento material do projeto, usado para “refletir as cores circundantes” e associar-se ao betão —, e há ainda um alpendre e uma sala de jantar que se alongam e sobressaem na estrutura.
No interior, uma sala ampla com cozinha modular que pode assumir outro layout ou simplesmente desaparecer. No piso de cima, outra particularidade. “Sobredimensionamos o corredor para criar ali uma espécie de segunda sala mais privada”, explica Hugo Barros.
No total, esta casa com 200 metros quadrados conta com dois quartos e uma suite que ocupa toda a frente da casa. Para tornar o ambiente mais aconchegante, a zona privada foi revestida a contraplacado de bétula. No piso social, revela-se novamente o betão e o reboco.
“No interior há uma transposição quase direta do exterior, com materiais cimentícios na área social e madeiras mais confortáveis no piso de cima”, explica. “Há uma escolha de materiais mais finos. Há um upgrade, mas não há propriamente uma alteração estrutural daquilo que é o projeto.”
O projeto, apesar de terminado em 2019, conquistou a 31 de março o Prémio Jovens Arquitetos 2023, entregue no contexto da Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa. Uma honra “inesperada”. “O que posso dizer bem da casa é que continuo a gostar dela, até porque há outras coisas que fiz e das quais já não gosto. O amadurecimento por vezes faz nos deixar de gostar de algumas coisas — e desta eu continuo a gostar.”
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