Os efeitos do abandono já se faziam sentir na moradia. As paredes perderam a cor, as janelas estavam destruídas e os mosaicos em mau estado. Até caminhar pelos soalhos de madeira era um verdadeiro desafio. Ao fim de todos aqueles anos também se tornara impossível recuperar os móveis históricos.
Ainda assim, o jovem casal que herdou o imóvel tinha uma visão presente. Afinal, “a casa dos avós”, como ficou conhecida, estava repleta de valor emocional para o membro do casal que ali passou a infância. Agora, aquela era a morada onde queriam começar uma vida com os dois filhos.
À primeira visita, surgiram logo vários problemas para resolver na Casa Couto, uma moradia em Vila Nova de Gaia que recebeu o apelido da família. “Havia muitas subdivisões e já tinha sido demasiado alterada. Já não garantia a capacidade estrutural”, conta à NiT a arquitetura Alice Ferreira da Silva, do atelier Colajj, a responsável pela reabilitação desta construção com 228 metros quadrados.
Embora tenha sofrido “um trabalho grande e profundo”, valia a pena manter vários elementos que faziam parte da sua história. Antes disso, porém, foram inevitáveis as demolições para “descascar todos os fragmentos que restavam” até sobrarem apenas as paredes em pedra e as escadas.
Preservaram-se, sobretudo, as carpintarias tradicionais trabalhadas e os mármores originais. Tratando-se de uma casa de pé direito e janelas enormes, “era preciso uma intervenção coerente com o aspeto exterior da casa”, explica. “Não nos interessava avançar com grandes ampliações.”
Na entrada, o foco virou-se para um corredor escuro que dava acesso a cada divisão, onde foi preciso criar espaços de circulação e trazer alguma luz do piso superior e mais ventilação. “Colocámos uma claraboia na cobertura para dar uma nova vida à área central, o coração da escada, que passou a estar mais aberto.”
Guardaram-se as portas em bom estado, outras foram substituídas. Já no corrimão e parte de baixo das escadas, que na sua maioria tiveram que ser cobertas por também sofrerem alterações com o tempo, houve um redesenho do design para serem adequadas à distribuição atual da moradia.
A escadaria dá acesso aos três quartos e às casas de banho, que acabaram por “usufruir da mesma materialidade, mas com um desenho mais contemporâneo”, explica. Devido ao “budget apertado” — que a arquiteta não especificou — foi “crucial perceber onde investir e do que abdicar”.
Nas áreas sociais, como a cozinha, introduziram-se elementos e materiais o mais naturais possível, alguns deles que já existiam. Destaca-se o mármore que trouxe “linhas mais contemporâneas” para o interior, “completamente diferente das texturas do espaço restante”.
No jardim, os anexos que sobravam foram retirados para dar lugar a um pequeno relvado. Atualmente, o antigo tanque de pedra que pertencia aos avós é o único elemento que se mantém na parte de fora da Casa Couto.
Em conjunto com os clientes, Alice encontrou uma linguagem contemporânea “sem destoar das proporções ou do ambiente original”, presente nos vários elementos tradicionais. São os novos acrescentos, explica, “que atualizaram a organização espacial” do edifício rejuvenescido.
O objetivo, conclui a arquiteta, é que os proprietários possam “relacionar-se com o espaço sem perder a ligação com a história”. Uma realidade que foi evidenciada, em grande parte, pelo trabalho invisível no pavimento ou na cobertura.
Carregue na galeria para ver mais imagens da casa através da lente do fotógrafo Marcos Sousa.