Os 19 anéis de betão que serpenteiam a casa Quinta do Rei, do estúdio Contaminar, dão a ideia que a obra vertiginosa é uma “escadaria até ao céu”. Na verdade, podia ter ficado só como uma escultura. Se, por algum motivo, o projeto tivesse que ser interrompido a meio, a estrutura impetuosa já funcionava como um miradouro com vista privilegiada sobre Leiria.
Desde o início, não faltaram oportunidades para os arquitetos recuarem. Entre obras e licenciamentos, foram precisos mais de 10 anos para passar a ideia ambiciosa do papel para a realidade. Dada a sua complexidade, “não foi fácil arranjar construtores para a edificar”, explica à NiT Joel Esperança, um dos responsáveis.
Esta casa-miradouro irrompe numa das zonas mais altas da cidade, um nível ligeiramente acima do castelo local. Como nasce sobre um declive pronunciado, “não era possível fazer uma casa térrea” e assumiram a verticalidade. Assim, quem sobe até à parte soalheira, pode contemplar a paisagem em 360 graus — inclusive dentro da piscina.
Tudo começou em 2012 a pedido de um casal português com dois filhos. Queriam algo irreverente e, das três propostas apresentadas pelo atelier, optaram pela mais distinta. “São clientes que preferem uma matriz urbana e que não fazem questão de ter os pés em contacto com a terra. Gostam de estar na sala, a apreciar o cenário e a ler um livro”, acrescenta.
A dureza no exterior, o conforto no interior
Quem percorre a habitação por fora, assume que é muito fechada, como um bunker, devido à forma como se protege. Os anéis funcionam como uma espécie de persianas num estado bruto — ou “uma carapaça” — que impede que os transeuntes consigam ter uma ideia do que se passa no seu interior.
Este tipo de arquitetura é conhecida como brutalismo, um estilo que dá destaque aos materiais, texturas e construção e produz formas altamente expressivas. O movimento foi desenvolvido por arquitetos modernos em meados das décadas de 1950 e 1960 e nasceu precisamente no período de reconstrução das cidades dos países europeus após a Segunda Guerra Mundial.
O tamanho excessivo, as fachadas frias com pequenos adornos e as fortes formas geométricas fizeram com que, durante décadas, estas construções fossem adoradas por uns e odiadas por outros. Este estilo ganhou esse nome através da expressão francesa “béton brut”, que significa betão em bruto, e pode não gerar consenso — mas está na base de verdadeiras outras de arte. Esta obra intimidante é mais um exemplo ímpar.
No entanto, quem entra na Quinta do Rei, consegue ver bem todo exterior. Apesar do aspeto austero e rude, como os próprios arquitetos descrevem, a decoração transmite exatamente o oposto. Mantém-se a presença do betão, mas a madeira e os tons quentes passam uma sensação mais acolhedora para quem entra.

Nas divisões mais importantes, a casa parece recuar para receber um bocadinho mais da luz solar. Na parte de trás, tem cerca de 11 metros de altura e, de frente, conta com cerca de 7 metros. A estrutura beneficia da curvatura do solo para aproveitar a exposição do Sol conforme as necessidades de cada um dos pisos desta construção angular.
Com quatro andares e 397 metros quadrados, os clientes entram num hall, que funciona como um piso intermédio. Ao descer para a cave, encontra-se a zona técnica, com uma garagem e uma sala polivalente. Já o piso 0, ao percorrer-se as escadas, está dividido em duas suites, dois quartos e ainda uma casa de banho.
O caminho até ao ponto de observação, no topo da casa, continua com a zona social um pouco mais acima. Por fim, o imóvel termina com um espaço de lounge que inclui a piscina, um ginásio e ainda um pequeno espaço de leitura.
Sobre a escolha do betão, que cobre a pele exterior e a estrutura, Joel explica ainda que queriam “um material que fosse a estrutura e a pele da casa, sem que precisasse de ser pintado ou revestido” e, com este composto, não é necessária uma manutenção regular. “Um exercício onde o esqueleto e o exterior do edifício se tornaram numa espécie de entidade única.”
Erguida de forma protuberante, a obra ainda não se encontra finalizada. Talvez nunca esteja. “Está em constante reajuste face às vontades do cliente e às exigências do local”, reforça o arquiteto, que prefere não indicar o valor investido na construção a pedido dos clientes “muito exigentes”.
Para muitos é uma obra de arte habitável, para outros uma ideia “que deveria ter continuado uma escultura”, como se pode ler no site “Deezen”. A verdade é que o projeto polarizador da Contaminar não só chama à atenção dos portais e das publicações internacionais, como tem sido reconhecido por vários especialistas.
A Quinta do Rei foi nomeada para a edição de 2023 dos Loop Design Awards, que distingue o que de melhor se faz na arquitetura mundial. O estúdio decidiu candidatar-se e, após uma pré-seleção, foi submetida à votação do público e de um júri especializado.
“Concorremos a vários prémios, seja por convite ou de forma espontânea. Faz parte da estratégia do atelier”, conclui Joel. Em 2021, a Contaminar Arquitectos triunfou nos prémios MasterPrize, na categoria de arquitetura residencial unifamiliar
Carregue na galeria para ver mais imagens da casa Quinta do Rei, em Leiria. As fotografias são da autoria de Fernando Guerra, que a NiT já entrevistou.