O que, em tempos, foi um luxo de um pai para uma filha, deu origem a uma história de processos em tribunal, dívidas que se arrastaram durante anos e decadência. Até pode parecer que não existe um “felizes para sempre” nesta premissa, mas a história de uma das maiores preciosidades de Cascais, em tempos um conto de fadas tornado distopia, não terminou com o abandono.
Nas últimas décadas, o famoso palácio da Disney português, perdido entre o verde do Parque Natural de Sintra, tornou-se um lugar predileto para quem se aventura a explorar locais devolutos. Mas tudo começou quando o homem responsável pela construção, Carlos Maia Nogueira, quis oferecer à herdeira a sua própria versão de uma “casa de bonecas”, nos anos 80.
Após profundas obras de reabilitação, a então chamada Quinta da Felicidade, localizada na Malveira da Serra, Cascais, ganhou uma nova aparência. Melhor ainda: a propriedade está novamente no mercado e pode ser comprada por 24 milhões de euros, através do site da agência imobiliária neerlandesa JamesEdition, desde maio.
Assim que foi colocada online, a mansão tornou-se rapidamente viral nas redes sociais com várias páginas de design e arquitetura a partilharem as imagens impressionantes. “Rodeada por vegetação exótica, vista para o mar e total tranquilidade”, começa por escrever, por exemplo, a IG Mansions. “Esta majestosa propriedade em Cascais saiu diretamente de um conto de fadas”.
Um verdadeiro símbolo de luxo e indulgência, o terreno conta, ao todo, com nove mil metros quadrados, vários edifícios, entre eles um grande salão de bailes, e várias piscinas. Já a moradia principal, com cerca de 1.865 metros quadrados de área bruta, é um T19 com três andares e 20 casas de banho.
Mas o grande destaque, como se perceberá, é o tal palácio da Disney — e a referência não é só pela fachada ou pelos detalhes do design arquitetónico, que remete para o castelo. Quando se aventurou no projeto, Maia Nogueira conseguiu plantas e autorização para fazer a sua réplica.
Ao longo dos anos, foi alvo de ordens de demolição por parte da Câmara Municipal, numa guerra entre proprietário e autarquia que remonta à segunda metade da década de 1990. Em entrevista à SIC, falando sobre pedidos de licença, Carlos Maia Nogueira queixou-se de que “foi sempre tudo recusado, com desculpa sem grande significado”. “Um dia vieram-me e paguei uma multa, de quatro mil e tal contos.”
Em 1999, o espaço, então muito longe do ar devastado pelo qual ficou conhecido, na última década, era já alvo de uma reportagem do jornal “Público”, que criticava logo a abrir o texto: “No Parque Natural de Sintra-Cascais, a regra parece ser construir primeiro e legalizar depois”.
O “happily ever after” da villa
O terreno foi adquirido no final dos anos 80. Na altura, as estruturas originais foram demolidas para dar lugar a uma casa de sonho meticulosamente concebida, completa com piscinas interiores e exteriores, piso radiante, grandes colunas de mármore e até um bunker privado. O arcabouço mantém-se idêntico após as mais recentes obras de requalificação.
Atualmente, o caminho até ao interior da quinta é atravessado por um piso ascendente empedrado, que permite a ligação de peões e automóveis entre os vários edifícios, com ligações ao exterior em dois pontos. Quando começa a anoitecer, o percurso ilumina-se com as luzes embutidas
Apenas a 25 minutos do aeroporto de Lisboa, a vista de cima da villa chama também à atenção pelas duas piscinas exteriores, que complementam a piscina interior, bem como um tanque de água. Se preferir, a praia do Guincho fica apenas a cinco minutos, assim como o centro da vila de Cascais.
Já no interior, ainda que venha sem recheio, há vários pormenores atrativos. É o caso das enormes estátuas vindas de Itália, ainda retratos de luxos abundantes de outros tempos. Quase todas as divisões têm envidraçados amplos e seguem uma paleta de cores clean e neutra, apostando no contraste de materiais como o mármore e a madeira.

O fim do conto de fadas
Em tempos, Carlos Maia Nogueira foi líder da Solbi, empresa da área da informática há muito esquecida, mas que chegou a faturar mais de 100 milhões de euros. Foi o empresário que vendeu o primeiro computador pessoal em Portugal e chegou a ser conhecido como o Rei da Microinformática.
A mansão que mandou construir foi ganhando cada vez mais novos sinais de opulência, mas o mercado nem sempre é linear. A Solbi acabou por falir e fechou portas em 2008, com dívidas à banca superiores a 20 milhões de euros. Em 2011, a revista “Exame Informática” falou com Maia Nogueira, que contava que na altura vivia numa cave em Campo de Ourique, ganhando apenas os 500 euros mensais da pensão.
Nos tempos áureos, o terreno serviu para para formações e eventos. Porém, os custos de manutenção eram demasiado elevados e, quando os luxos deram lugar às despesas, o próprio terreno provou ser uma armadilha. A propriedade foi registada em nome de uma das empresas de Maia Nogueira, mas os anos de casos em tribunal mostraram que nada no processo é simples.
O passar do tempo foi trazendo cada vez mais sinais de decadência. Na reportagem ao canal de Paço de Arcos, uma jovem que não se identificava contava que houve tempos em que o espaço tinha um gerador, o que facilitava que houvesse constantes festas ilegais por ali.

A verdade é que, ali perdido na serra, afastado do mundo, a moradia tornou-se também local propenso à destruição. Os traços de luxo esquecido foram dando lugar a graffitis, a destroços e a uma vegetação que, aos poucos, começou a domar tudo à sua volta.
Este cenário fez com que se tenha tornado bem conhecido de visitantes do portal abandonados.pt, pródigo em revelar lugares assim que o País esconde. No mundo do YouTube, onde há uma comunidade atenta a explorar espaços abandonados, o Palácio da Disney ganhou uma aura de atenção especial.
Em 2021, foi palco de uma visita especial, a dos Yellow Jackets, uma dupla que dá vida a lugares abandonados através das suas fotografias impressionantes. “Era algo inédito, completamente diferente de tudo o que alguma vez tínhamos visto e fotografado”, como os próprios contaram na altura ao “Público”. Com ajuda do Google Maps, encontraram o lugar cuja morada não é pública. “Quando entrámos nem queríamos acreditar”.
O interesse era tanto que esta foi a altura ideal para escrever um novo capítulo da história da mansão, recuperando as estátuas quebradas e soltas, bem como outros sinais de como o abandono é implacável. E, verdade seja dita, hoje em dia é difícil apontar um detalhe que nos revele que esta moradia tenha estado, alguma vez, esquecida no tempo.
Carregue na galeria para ver algumas imagens do interior e do exterior da moradia em Cascais que parece ter saído de um conto de fadas.