Nas primeiras cenas de “Ainda Estou Aqui”, o público é convidado pela família Paiva, os protagonistas da longa-metragem, a entrar numa casa solar, com as portas sempre abertas e onde não faltava música e encontros com amigos. A alegria das pessoas era sentida em qualquer momento, como na cena em que dançam “Je T’aime… Moi Non Plus” na sala de estar.
Com a chegada da polícia militar ao imóvel, as cortinas e portas fecham-se, transformando o mesmo lar num mundo com pouca cor. Apesar do contraste, que acompanha a evolução da narrativa, a brasilidade que caracteriza a decoração ou a arquitetura ainda se assume como protagonista.
A casa original, onde os Paiva vivera, nos anos 70, já não existe. Após a mudança da família para São Paulo, a moradia foi transformada num restaurante. E assim permaceceu durante anos até que o terreno foi comprado, a propriedade foi demolida e substituída por um condomínio de luxo com cinco unidades.
A produção da longa-metragem de Walter Salles, nomeada para três Óscares (incluindo o de Melhor Filme) encontrou uma residência de 1937 muito semelhante. Localizada na Urca, um bairro tradicional na zona sul do Rio de Janeiro, a habitação está à venda por cerca de 2,3 milhões de euros.
“Dois compradores estão interessados, um de Minas Gerais e outro do Mato Grosso do Sul. Um deles mostrou interesse após a gravação do filme, o outro já estava a negociar há algum tempo”, revelou o responsável pela venda da casa, Marcelo Dias, à revista “Exame”. A procura aumentou após a estreia da produção.
Com 480 metros quadrados, o imóvel inclui quatro suítes, duas varandas, três salas, uma garagem com três vagas, copa, cozinha, piscina, churrasqueira e elevador. Destaca-se ainda uma vista privilegiada para o Cristo Redentor, Baía de Guanabara e Pão de Açúcar, entre outras atrações do estado brasileiro.
O cenário foi escolhido para contar a história real da família Paiva, baseado no livro do jornalista e escritor Marcelo Paiva. A obra segue a história do pai do autor, o engenheiro Rubens Paiva, torturado durante a ditadura militar no Brasil. A esposa, Eunice, ficou sozinha a criar os cinco filhos e a lutar para que o Estado reconhecesse o atentado sofrido pelo marido.
As alterações para o filme
A equipa da produção revelou que o projeto começou há sete anos, mas só em meados de 2021 é que o realizador, Salles, pediu a Camila Leal Ferreira, coordenadora de produção executiva da VideoFilmes, para que fosse encontrada uma casa que tivesse alguma relação com o mar.
Embora mais distante da praia do que o previsto, as semelhanças da casa, que foi comprada pelo atual proprietário por 2,3 milhões de euros, impressionaram logo o agente, que conta com mais de quatro décadas de experiência. “Quando vi as fotos, pensei: ‘será que colocaram esta casa no Leblon ou colocaram a casa do Leblon aqui?’ A semelhança era muito grande”, contou, em entrevista ao “G1”.
O imóvel afirmou-se pelo estilo clássico brasileiro. Imponente e aconchegante ao mesmo tempo, destacou-se pela autenticidade com que revive a década de 1970, seja pela arquitetura mais robusta ou pelo charme dos detalhes que vemos nos azulejos ou pormenores amadeirados dos objetos.

Antes da gravação, porém, passou por algumas remodelações para se adaptar melhor à época. O portão elétrico, por exemplo, foi trocado por um mais antigo. “Tiraram essa cor e colocaram uma mais envelhecida, envelheceram a pintura, tiraram a grade. Achei que ficou fantástico”, disse. O muro e a varanda também foram reformados para se assemelhar à original.
A semelhança com a casa da família Paiva impressionou até os donos do imóvel, que se espantaram ao passar em frente e encontrá-lo tão diferente. “Moldaram completamente a casa para se encaixar na década de 70. Refizeram toda a parte externa e, internamente, também decoraram tudo para o filme.”
Após as gravações do filme, o interior da residência ganhou uma nova aparência, com detalhes mais contemporâneos, para agradar a potenciais compradores. A imponente escadaria de madeira que surge no filme, por exemplo, foi substituída por outra, com detalhes em vidro.
Os vizinhos emocionam-se com as visitas
A família que ali viveu, entre 2019 e 2022, partilhou várias fotografias e vídeos desta época nas redes sociais. “Não estou mais aqui”, escreveu Livia Savini, em referência ao título do candidato ao Óscar. “Se chorou muito ao ver esse filme, imaginem nós que morámos cá antes da gravação.”
Quando foram questionadas, pela revista “Vogue Casa”, sobre a parte preferida, a jovem e a irmã deram uma resposta unânime. Ambas mencionaram a varanda que, embora não tenha muito destaque no ecrã, marcava a diferença pelos bancos acolhedores, azulejos e pela vista para as paisagens da Baía de Guanabara.
A decisão foi facilitada quando Nalu Paiva, uma das filhas de Eunice e Rubens, desenhou a lápis como eram as áreas da casa verdadeira. Quando viu o resultado no ecrã, na estreia do filme em Veneza, Itália, só precisou de uma cena para se emocionar. “Nossa, é igualzinha”, disse.

Um dos detalhes-chave eram “os degraus da escada na porta principal, a entrada da garagem e a escada que leva aos quartos”, destaca uma das produtoras de “Ainda Estou Aqui”, Maria Carlota Bruno, à mesma publicação.
Embora esteja à venda, tornou-se também uma espécie de ponto turístico. “Muita gente tem procurado a casa, tiram fotos, agora mais ainda. As pessoas param, olham para aqui e agarram no telemóvel”, revelou Marcelo Dias, à “G1.”
Até os vizinhos se têm emocionado com as reações. Para a maioria, foi importante ver o bairro ajudar a contar uma história tão marcante. “Este filme retrata uma época muito sofrida e foi realmente maravilhoso e emocionante acompanhar as filmagens. Eu acompanhei”, disse um vizinho, chamado João, à mesma publicação.
“Ainda Estou Aqui” foi selecionado para mais de 50 festivais no mundo, tendo vencido sete prémios deste a estreia em setembro, em Veneza, onde conquistou o Leão de Ouro de Melhor Roteiro. Fernanda Torres, que interpreta Eunice, venceu o Globo de Ouro de Melhor Atriz e pode triunfar na mesma categoria nos Óscares, que acontecem a 2 de março.
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