No momento de desenhar um projeto, o arquiteto está, por norma, preso a um programa, aos desejos e requisitos dados pelo cliente. Mas o que é que acontece quando o trabalho do arquiteto passa por fazer a própria casa, sem limites à criatividade e engenho? “Por vezes, esse excesso de liberdade pode dificultar o processo”, garante à NiT, Filipe Saraiva, que em 2015 arrancou para o projeto de uma vida: o da sua casa de família.
Apesar do potencial para esbarrar em dificuldades acrescidas, a tarefa “até foi fácil”, já que as necessidades estavam bem definidas. Seria uma casa de família, para casal e dois filhos, que mantivesse uma preocupação com a sustentabilidade. Desde 2017 que a Casa de Ourém é o seu lar.
O traço mais característico é o formato da própria casa, um pentágono que representa a ideia de casa que temos desde pequenos. “Quando pensamos numa casa, desenhamos duas paredes e uma cobertura em duas águas. É a imagem que associamos à casa tradicional.”
O formato original esconde também outro detalhe curioso que acresce à preocupação da menor pegada ecológica possível pensada pelo arquiteto: o uso de soluções modulares em pré-fabricados de betão. “Queria que casa tivesse uma resposta funcional, mas também uma preocupação com a sustentabilidade. Recorri a soluções modulares, embora seja uma solução mista, mas o princípio conceptual da casa é que tem um módulo que se repente e dessa forma consegue-se ter um impacto ambiental menor.”
Os módulos em betão consistem então em quatro painéis de betão, dois de parede e dois de cobertura, que constituem o pentágono visível com uma largura de três metros. Tudo isso assenta na laje de pavimento. “Os painéis têm a mesma dimensão e o princípio conceptual é que a junção desses painéis constituísse um módulo. Esses módulos foram repetidos dez vezes e resultam numa casa com 30 metros”, explica o arquiteto.
O termo pré-fabricado gera quase sempre “algum preconceito”, fruto das velhas soluções pré-fabricadas que estavam associadas a “construções de caráter temporário, de custos controlados e de qualidade reduzida”. Segundo o arquiteto, isso está a mudar.
“Existem hoje soluções pré-fabricadas interessantíssimas. O termo modular é também uma designação que a dada altura se encontrou para fugir à conotação negativa do termo pré-fabricado.”
A forma do pentágono prolonga-se ao longo de 30 metros e dá forma à casa que aproveita “as características do terreno” e a “orientação solar”. Tudo pensado para aproveitar ao máximo a envolvente e gerar um baixo impacto ambiental.
“Optei pelo betão à vista para reduzir custos de manutenção e o efeito de degradação da própria construção. Depois há uma preocupação com a orientação solar, o isolamento, a criação de cisternas para captação das águas pluviais e sistemas de captação de energia”, explica.
O resultado final é uma moradia com 410 metros quadrados, sendo que 300 são do piso térreo e 110 no primeiro piso. Tem ainda três quartos e toda uma zona de áreas comuns em open space, da cozinha ao escritório, da biblioteca à garagem, à vista através de várias janelas — e com toda a luz que entra da fachada de trás da casa, coberta com um painel translúcido.
Depois de tratar de todos os requisitos e de adaptar a casa “às vivências da família”, foi possível ir aos pormenores, como é o caso da entrada em aço corten, numa cobertura angulosa e que sobressai do bloco principal. “É uma exceção, tem uma geometria mais angular, mais solta do contexto. O objetivo era mesmo esse, demarcar aquele alçado mais contínuo e regular da casa”, nota.

O aço corten é também um elemento subliminar que vai sendo pontuado em pequenos detalhes, nas chaminés, nos muros e na entrada que delimita o terreno. E quem entra dirige-se naturalmente à zona mais destacada da casa: o jardim com uma espécie de poldras de betão que se elevam até nos fazer chegar à pérgola, na área do pentágono que permanece ao ar livre.
“Os arranjos exteriores junto ao lago foram construídos também com recurso a soluções pré-fabricadas em betão. Têm esta forma para que se soltem da casa, de uma linguagem mais rígida e monolítica, e se aproximem de um desenho mais orgânico com a natureza e o jardim”, explica. “Passam por cima do lago, que usa a águas fluviais do terreno, sem recurso a sistemas de bombagem. O lago tem nenúfares e, de certa forma, têm a forma do próprio nenúfar, como se emergissem do lago e se convertessem numa peça, quase uma escultura, mas que não deixa de ser uma escada.”
No interior, imperam materiais naturais para compensar a imponência do espaço aberto — um pé-direito de quase oito metros —, para “conferir algum conforto”. Optou-se pelo pinho francês, “mais resistente” do que o nacional, que se conjuga também com o aço. Na fachada, um betão de cor escura para que se “integre melhor na natureza”.
Ao fim de vários anos a habitar a casa, será que há algum arrependimento? “Não mudava nada. Bem, talvez colocar a máquina de lavar um pouco mais alta (risos).”
“É uma casa muito prática, muito funcional, agradável em termos de iluminação e com um comportamento térmico muito equilibrado, com gastos energéticos razoavelmente controlados”, nota, antes de sublinhar o detalhe que continua a fasciná-lo no projeto. “É a relação interior/exterior da sala relativamente à pérgola, aquele coberto exterior quase como extensão da sala. Durante quatro ou cinco meses do ano, praticamente vivemos do lado de fora.”
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