O cenário repetia-se sempre que Ivo Tavares batia à porta de um gabinete de arquitetura. Estávamos em 2008 e tinha decidido seguir o sonho de fotografar casas, mas as respostas tornaram-se previsíveis. “É arquiteto? Tem formação? Então não deve perceber nada do assunto.”
“Dizíamos que [a arquitetura] era um mundo de elite, porque era um mercado muito fechado”, explica o fotógrafo, de 40 anos, à NiT. Atualmente, já não é bem assim. “A geração mais nova tem essa necessidade de comunicar e sabe que precisa das imagens.”
Quando começou, seguiu um percurso alternativo. Após uma breve experiência como fotojornalista, Ivo dedicou-se a trabalhar para construtores, promotores imobiliárias ou outros meios corporativos que precisavam de trabalhos mais comerciais. Só queria começar um portefólio.
Hoje em dia, deixa que o seu trabalho fale por si. Com mais de 200 projetos fotografados, já viu as suas imagens publicadas em diversas plataformas digitais e impressas da especialidade, nacionais e internacionais, assim como em exposições dedicadas a arquitetura.
Perguntam-lhe ocasionalmente se é arquiteto ou onde é que se formou. Diz sempre que o faz “apenas por curiosidade”. Do outro lado, a surpresa é a reação mais comum. “Dizem-me que é incrível conseguir perceber tanto da área e ter esta sensibilidade visual sem nunca ter exercido”, confessa.
Ivo começou por estudar fotografian no Instituto Português de fotografia do Porto, em 2003, antes de trabalhar para diversos jornais. Tudo o que sabe deve-se às horas passadas em bibliotecas a folhear livros de especialidade ou a ouvir inúmeros profissionais, em conferências de arquitetura.
Luz, sombra e cor
Apesar das inspirações, foi graças aos anos de fotojornalismo, passados a “contar histórias cruas e sem alterações”, que encontrou a sua linguagem. Tudo se baseia numa tríade — luz, sombra e cor — para que os retratos sejam o mais fiéis possível às moradias que tem à sua frente.
“Sou curioso por cor, então envolvo-me em trabalhos complexos. As tonalidades têm de sair perfeitas e um trabalho exaustivo por trás”, refere. “É preciso observar as nuances da luz e das sombras, ou ao encontrar os contrastes certos. É algo que surge com o tempo.”
A identidade mantém-se desde que arriscou e criou o próprio estúdio de fotografia, Ivo Tavares Studio, em 2011. O negócio cresceu e, hoje em dia, a equipa já conta com quatro pessoas. Uma delas é a mulher, Cátia, que se tornou responsável pela gestão e relação com os clientes.
Quando é contactado por um arquiteto ou muitas vezes até pelos donos de uma casa, o artista começa por procurar as histórias dentro do projeto. “Gosto da surpresa. No fotojornalismo, há a parte do improviso, em que chegamos ao sítio e precisamos de encontrar algo que ilustre a notícia.”
O método mantém-se. Ivo deixa que a vivência da casa dê as respostas que preciso. Para isso é importante passar um dia inteiro na casa, de manhã à noite, a observar os proprietários ou a ouvir as peripécias contadas pelo profissional que assina o projeto. E tem uma regra: desliga o telefone e, por mais que toque, não o atende.
Para encontrar a narrativa certa, aparece sem ideias construídas e regista tudo o que observa. É então que surgem as primeiras questões. “É preciso algum apoio extra? Vamos precisar de um carro ou de algum modelo?”
“Muitas pessoas perguntam a diferença entre fotografia de arquitetura ou de uma imobiliária. É o tempo”, confessa. “Muitas vezes, estou com aquelas pessoas desde que o Sol nasce até que se põe. Se aparecer e vier logo embora, não há essa história. Tento perceber como tudo funciona.”
A casa torna-se do fotógrafo
Uma das consequências é a relação que cria com os donos da propriedade. Há muitas vezes em que é convidado para almoçar ou jantar com as famílias ou até dar um mergulho na piscina, enquanto se abrem janelas e fecham portas. No fundo, deixa de ser uma figura que ocupa a residência e passa a vivê-la.
“Lembro-me de uma cliente dizer que queria que a casa se tornasse minha. Esses são os projetos que se abraçam mais facilmente”, conta. “Há casos em que até falamos da vida pessoal e outros em que não chego a conhecer as pessoas.”
Apesar da confiança, Ivo tem cuidado na forma como comunica estas histórias. “Quando se constrói um lar, as pessoas protegem-se e só entra quem é da família. De repente, para aceitar que exponhamos a sua intimidade, tem de ter um espírito de abertura muito grande.”
Por vezes, o retrato que imagina obriga a mudar várias peças, inclusive móveis, de um lado para o outro. No final, há clientes que confessam não achar possível a divisão ter aquele aspeto e até deixam ficar. “Adoram aqueles pequenos gestos que, afinal, fazem a diferença.”
É também frequente ouvir os desabafos de casais felizes quando as fotografias começam a ser partilhadas. “As pessoas dizem que não tinham noção de que podia ser uma casa de revista, algo tão idílico. A minha missão também é essa: maquilhar a realidade para evidenciar o que realmente importa.”
Dá a vida pela profissão
Em média, o fotógrafo tem cerca de 15 a 20 projetos por mês. Sem muito tempo para descansar, confessa que uma das maiores dificuldades foi equilibrar a vida pessoal e a vida profissional. “Há um lado que fica perdido, porque só se consegue atingir este nível trabalhando arduamente.”
“Quando o meu filho mais velho nasceu, estava a fotografar no Alentejo. Peguei no carro, vim ao parto e, umas horas depois, estava a despedir-me. Disse que voltava passado um mês e assim foi”, recorda.
Agora, tem outro tipo de mentalidade. Mesmo que tenha uma sessão que o ocupe das 8 às 22 horas, certifica-se que faz o esforço para chegar a casa a tempo de dizer ‘boa noite’ à família e, no dia seguinte, arrancar cedo para mais uma aventura.
Em 2023, Ivo percorreu 150 horas só em viagens. E, mesmo que tente juntar todos os projetos mais próximos para a mesma semana, admite que há um desgaste físico e psicológico muito grande.
Além disso, o trabalho é definido pelas condições climatéricas. Isto significa que as férias também se alteram consoante o tempo. “Se estiver a chover todos os dias, é um mês e meio em que não trabalho. Torna-se ingrato, mas vais conseguindo ajustar-te.”
Apesar da agenda lotada, prefere não recusar pedidos e tenta sempre encontrar algo singular numa moradia. “Há obras baratas que se tornam singulares pela dedicação e paixão. Uma casa de 50 mil euros pode ser uma das melhores do mundo. Tudo tem a ver com as decisões tomadas.”
Nos próximos anos, o fotógrafo está ainda a planear o lançamento de um livro com fotografia de arquitetura. O objetivo é que se torne anual com as moradias mais incríveis que fotografou nesse ano.
“Meti na cabeça que o meu papel é tentar com que a arquitetura chegue a toda a gente de forma acessível. Há muitos arquitetos que têm uma linguagem difícil de compreender”, conclui. “Quero trazer formas mais simples de comunicar o trabalho feito em Portugal.”
Carregue na galeria para ver algumas das casas incríveis que Ivo Tavares já fotografou.