O arquiteto Gonçalo Pires Marques estava de férias na Comporta quando, a pedido de um casal estrangeiro — ele norte-americano, ela espanhola —, começou à procura do terreno ideal para erguer o refúgio que procuravam. Os clientes apenas exigiam que o lote tivesse vista para os arrozais, um dos maiores postais da região.
O casal, que já tinha uma quinta em Granada e um chalé nos Alpes, era apaixonado pela zona. Sempre que podiam, tentavam passar alguns dias de férias em Portugal até que, na altura do confinamento, decidiram que estava na altura de comprarem ali uma moradia.
Aninhado entre um pinhal, encontrou o espaço ideal para desenhar o que se tornou um “santuário contemporâneo”. Concluída em 2024, a Casa Donavan surgiu inspirada nas tradições e na beleza da região, reinterpretando as cabanas de madeira dos pescadores da doca local da Carrasqueira.
“A construção tem este charme de ter o parque natural de um lado e, ao fundo, continuar a ver-se o arrozal”, explica Gonçalo à NiT, o responsável pelo projeto. “Acabámos por torcer o desenho para que até o quarto estivesse apontado para a vista, como se fosse um zoom fotográfico.”
A ideia de criar cinco volumes separados que parecessem cabanas, remetendo para a linguagem presente na aldeia dos pescadores. O revestimento em madeira termotratada —, ou seja, exposta a uma série de resistência sem qualquer uso químico —, ajuda a integrar a casa no meio do pinhal, garantindo a preocupação ambiental dos proprietários.
“Os materiais são todos naturais e nada foi pintado. O cimento é cimento, a madeira é madeira”, sublinha o arquiteto do atelier de arquitetura PIMAA. “O desejo do cliente era que não fosse um desenho disruptivo e que surgisse na zona da forma mais natural possível.”

Em vez de janelas, optaram por uma fachada que, em certos momentos, “deixa de ser sólida e se desmaterializa”, explica. A Donavan conta com grandes vãos que podem correr para dentro da parede, fundindo o interior e o exterior. “No fundo, a casa é uma extensão do jardim e o jardim é uma extensão da casa.”
Estas escolhas permitiram fugir a uma estética que, segundo o responsável, “está a ficar banalizada” na Comporta. “Muitas vezes, clientes internacionais vêm atrás daquela casa típica com o azul do Alentejo e o Colmo na cobertura. Uma coisa muito kitsch”, diz. “Queríamos encontrar-nos com a cultura da zona, mas fugindo a isso.”
Tudo é virado para o pátio
Os vários volumes que formam a habitação, de 417 metros quadrados, constroem um pátio com uma piscina infinita, que fecha um dos lados. Esta área foi também construída não só para ser um convite ao convívio e à vida social, mas também para permitir à moradia “virar as costas aos vizinhos” e manter alguma privacidade.
Projetados com uma funcionalidade específica, estes módulos são ainda ligados por passadiços, pequenos decks de madeira elevados “para diminuir o impacto que têm no exterior”, explica. Quando se chega à piscina, surge um deck maior onde dá para ter espreguiçadeiras e apanhar sol no verão. Por baixo, há uma cave enterrada que esconde todo o material técnico.
A entrada pela casa faz-se por um primeiro volume, com um propósito mais social. Este bloco tem duas zonas distintas. Uma delas é a área de estar, com dois níveis diferentes — um lounge “mais enterrado” e uma sala mais ampla — e uma de refeições, um híbrido entre cozinha e sala de jantar.
“Os vãos são troços da fachada que deixam de existir, mas que estão posicionados para onde queremos. Só há janelas para os lados que entendemos que fazem sentido. Cada vão vai estar apontado para um enquadramento paisagístico em particular.”
Já a área noturna está distribuída em duas unidades que valorizam a privacidade. O primeiro acomoda o quarto principal e uma suíte, cada um com acesso direto aos passadiços, enquanto o segundo, dedicado aos quartos adicionais, foi pensado para ser adaptado a várias necessidades.
No volume do casal, existe uma sala privada. “Como ele tem uma vida atribulada, a mulher vem muitas vezes sozinha. Assim, não tem que utilizar o módulo social e pode ficar à noite no bloco privado. Nem é preciso abrir o resto da casa, seja por segurança ou questões térmicas.”
Como anexo, existe ainda um módulo com um alpendre, uma pequena lavandaria e um pátio que serve para estendal, mas que está fechado. Do outro lado, funciona o ginásio com sauna, projetado à medida do norte-americano. “Tem as máquinas que usa, uma banheira de gelo e todos os rituais desportivos. A sauna é completamente aberta.”
Desenhada a pensar nas necessidades dos clientes, esta habitação é também um reflexo do gabinete que a projetou. “Há sempre uma tentativa de fugir do tradicional e dar um toque disruptivo”, conclui Gonçalo. “Fazemos o levantamento do que se faz na zona e tentamos reinterpretá-lo com algo que nunca se fez.”
Carregue na galeria para ver mais imagens do interior e do exterior da casa. Fotografia: Ricardo Cruz