Decoração

Raquel Rodrigo leva os bordados das nossas avós para as ruas de todo o mundo

A artista usa a técnica de ponto de cruz para decorar murais, casas, lojas e hotéis. Aprendeu a arte manual com a mãe.
A valenciana dedica-se a este projeto há 10 anos.

Uma cascata de rosas, trabalhadas em ponto cruz, ornamentam o exterior de uma casa na Suíça desde 2019. Quem passa pelo edifício, na cidade Estavayer-le-Lac, precisa de vários segundos para fixar o olhar na obra. Como esta intervenção, muitas outras têm surgido em todo o mundo pela mão da artista espanhola Raquel Rodrigo, dedicada a levar o bordado para as ruas.

Flores coloridas, linhas rígidas e texturas em relevo — sempre em grande escala, claro — são alguns elementos que surgem em murais, vitrines de lojas, casas, hotéis, edifícios abandonados e até em escadarias. As imagens são reproduzidas de forma meticulosa, criando um cenário tão delicado quanto impactante para quem passa.

Embora possam causar estranheza, existe também um sentimento de familiaridade nestes projetos. São, afinal, uma homenagem a uma arte “que tem sido esquecida”, mas que a maior parte das pessoas associa às figuras femininas com as quais cresceram — as mães, avós e bisavós.

Todo este imaginário remete também para a infância de Raquel. “Cresci num ambiente artesanal, mas era tão natural que só me apercebi disso recentemente”, conta à NiT a artista natural de Valência, que tem 38 anos.

O pai era escultor de madeira, com uma oficina própria, e a avó trabalhava como costureira. Foi com a mãe, porém, que começou a aprender as técnicas mais básicas: “Ensinou-me ponto cruz quando eu tinha oito anos. Fiz um quadro de ursos e um parcheesi [jogo de tabuleiro], mas foi a única coisa que bordei até quase 20 anos mais tarde”.

bordado
A fachada feita na Suíça.

Raquel deixou os tecidos, os pontos e os nós para trás. Continuou a estudar artes e, mais tarde, formou-se em Design Comercial de Interiores e Janelas. Quando terminou os estudos, viveu durante algum tempo em Madrid, onde montou o seu primeiro estúdio de design.

Em 2011, a valenciana foi encarregada de melhorar a fachada de uma loja na capital espanhola, “um edifício de pedra cinzenta.” Ao avaliar a raison d’être do espaço, recordou-se da técnica que aprendeu com a mãe e que tinha ficado esquecida e decidiu que o conceito ia passar por bordar a fachada, recuperando a técnica milenar.

A experiência foi tão positiva que acabou por surgir o projeto Arquicostura, “a união da arquitetura com a costura”, ao qual se se dedica há uma década. A espinha dorsal do estúdio está em Valência, onde sediou o atelier, que se tornou uma casa: “Desenho, crio arte e viajo graças ao meu projeto. Tenho a oportunidade de conhecer pessoas de várias culturas”.

Mas não foi um percurso fácil. Nos primeiros anos, inscreveu-se em concursos de pintura que não ganhou e participou no festival de arte Intramurs, onde fez a primeira fachada no centro da cidade onde nasceu, na Plaza Lope de Veja. “Todos os dias passavam milhares de turistas e a fotografia, que todos tiraram, tornou-se viral.”

A imagem viral da Plaza Lope de Vega, em Valência.

Só em 2016 é que Raquel conseguiu passar a viver do projeto, graças à marca de cerveja Alhambra, que encomendou um bordado de maior dimensão. “Pude dar-me a conhecer e, a partir daí, passámos a bordar em todo o mundo”, diz, usando o plural para incluir a vasta equipa que a ajuda a concretizar cada ideia.

Uma das pessoas que ajudam na oficina é a mãe da própria artista, que contribui com o seu saber, transmitido de geração em geração, e a experiência que acumulou de largas décadas.

Dependendo do projeto, a criativa trabalha com equipas até 50 pessoas para replicar em larga escala os meandros do bordado. Em média, são precisos cerca de dois dias para finalizar cada metro quadrado, dividido entre duas pessoas. Um processo demorado que, no final, “compensa sempre”.

“Adoro criar algo que mova as pessoas que passam pelas ruas. Tenho pessoas a escrever-me para dizer que faço o seu dia mais feliz ou que as lembro das suas famílias. Essa é a minha força motriz para continuar a fazer o que faço.”

De várias cidades espanholas — como Barcelona, Madrid, Bilbau, Granada e Saragoça — a países espalhados pelos vários continentes — Japão, Cabo Verde, Arábia Saudita, França, Reino Unido, Estados Unidos ou Rússia —,  colabora com designers, arquitetos e decoradores de interiores de todo o planeta.

“Primeiro, o cliente contacta-me e envia-me fotografias e medições do espaço em que vamos trabalhar”, explica. De seguida, faz uma simulação por computador do que vai bordar e pixeliza a imagem, sendo que cada pixel no ecrã será, mais tarde, transformado em ponto cruz.

“Terminado o bordado, enviamo-lo para o local e eu viajo para o montar na parede”, acrescenta. Tudo feito à mão e com inspirações que podem partir de diversos lugares, sejam revistas, livros, documentários, filmes ou um catálogo de flores.

Uma das recordações que guarda com mais carinho aconteceu há quatro anos. Raquel estava a desenvolver um projeto numa vila na Rússia, rodeada por pessoas que não falavam inglês e que não conseguia compreender. Pelo menos, até ao momento em que arrancou com o trabalho.

À medida que os vários pontos e fios começaram a surgir na parede, todas as barreiras — culturais ou linguísticas — deixaram de ser uma divisão. Em vez disso, sentiu-se apenas a entreajuda entre toda a gente. O trabalho “terminou com lágrimas” e com uma certeza: o bordado é, também ele, uma forma de comunicação.

Carregue na galeria para conhecer melhor a arte de Raquel Rodrigo.

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