Dos pontos de fuga que a arquiteta Inês Brandão esboçou numa folha de papel, nasceu um escape da azáfama citadina. A Casa no Crato — como ficou designado o projeto — surge no monte alentejano, a pensar num cliente devoto à tranquilidade e ao luxo do encontro com a natureza. Talvez seja esta a casa no campo com que Elis Regina sempre sonhou. A propriedade de sonho, com certa de 70 hectares, desenvolve-se em torno do ambiente envolvente. Do riacho que dá origem a uma lagoa até aos carvalhos, azinheiras, sobreiros e giestas que criam a paisagem idílica, define-se a atmosfera deste edifício de habitação unifamiliar, construído entre 2018 e 2021.
O caminho até à propriedade faz-se através de uma estrada que serpenteia todo o monte. Ao longo do percurso vamos admirando os espaços verdes que surgem à sua volta e “nada é óbvio”: “Foi um desafio perceber o terreno, porque não tinha qualquer infraestrutura. A descoberta foi um processo, em que temos que perceber onde é que faz sentido entrar na propriedade”, explica a arquiteta.
A ideia foi implantar a habitação num ponto mais alto para que, no fundo, “a casa andasse a dançar à volta das árvores”. No entanto, esta realização só foi possível quando Inês visitou o local. O projeto nasceu de um concurso de arquitetura, feito pelos proprietários estrangeiros, e a única forma de trabalhar neste desafio foi perceber toda a envolvente. E, de facto, falou por si.
“Os clientes tinham pensado fazer a casa junto ao riacho, numa cota inferior, mas estamos a falar do Alentejo. Em grande parte do ano é seco, mas quando há chuvas, são muito fortes, e as águas escorrem pelos montes. Pareceu mais correto construir a casa no topo, em vez da parte inferior”, revela. Apesar deste dilema, a ideia era desenvolver esta relação entre o exterior e o interior, através de uma escala mais pequena, em que a natureza e o edifício confluem.
A tradição alentejana
No que diz respeito à forma da infraestrutura, procurou-se recuperar a memória das casas alentejanas. Mais retangulares e em tons de branco, fazem parte da história da região e, por isso, fez sentido reinterpretar este estilo de arquitetura tão comum em zonas rurais. O objetivo ao trabalhar esta casa com 400 metros quadrados, com um olhar moderno, foi que não aparentasse ser um casarão.
“Para a escala não ser demasiado grande, repartimos a casa em quatro volumes, adaptada ao imaginário alentejano”, explica. O ponto central, do qual partimos, é a articulação entre estas zonas diferentes. Por um lado, surge a cozinha, enquanto outra das unidades nos leva para a área social — com sala de jantar, sala de estar e escritório. Numa outra direção, vamos para a zona dos quartos e, na parte de trás, surge a garagem.
“Tudo está dividido por temas, o que nos permite criar uma espécie de pátios integrados em cada zona. Quando estamos numa divisão, temos um espaço totalmente independente dos demais, com uma atmosfera própria e até as plantas são pensadas de maneira a integrar melhor o espaço”.
Na zona dos quartos, por exemplo, nota-se a forte presença da alfazema, com o seu cheiro característico. Junto à cozinha, têm ervas aromáticas que podem ser usadas para cozinhar. Todos os pormenores são tidos em conta e a própria forma como a paisagem se revela é diferente em cada canto.
“Quando estamos na zona social, temos a paisagem sem limites. Vemos o lago e os montes a desenvolverem-se livremente”, sublinha Inês. Nas imagens dos quartos, já se pode verificar algo mais contido. Como estão situados na parte mais alta do terreno, pensou-se numa perspetiva controlada para não dar a sensação de que se está perdido. O escritório “é um meio termo, com um carvalho enorme como vista”, e vai-se conseguindo “criar ambientes diferentes de exterior”.
Uma decoração natural
Na decoração, não queriam usar demasiados materiais, para transmitir tranquilidade, mas era necessário mostrar que se trata de uma casa no campo. Por isso, apostaram em materiais mais naturais que fossem um prolongamento da verdura e das árvores.
Toda a casa, com exceção do escritório, tem uma espécie de antecâmara que antecede todas as áreas anteriores, com portadas que nos permitem ver o exterior, mas ventilar o interior. Estes espaços podem ser ocultados por portadas perfuradas de aço corten, uma reinterpretação do “muxarabi” — elemento da arquitectura vernacular árabe, que influencia o Alentejo. A nível climático tem semelhanças, os dias bastante quentes e as noites mais frescas. Quisemos buscar sistemas antigos de iluminação e ventilação naturais. “A ideia foi pegar naquilo que é o tradicional e usá-lo de uma forma mais depurada, para que se adaptasse aos clientes e à vida atual”, sublinha.
Cada área tem um alpendre, dois deles maiores. Um deles duplica a cozinha para o exterior, que permite arrefecer a casa de forma natural. Outro faz a transição entre a área social e o escritório. Estas passagens facilitam o acesso a todas as zonas interiores. Temos uma entrada de luz muito franca, uma relação com o exterior visual como se fosse o mesmo espaço e, com estas antecâmaras, conseguimos que seja refrescado.
Além da lagoa, o espaço inclui uma piscina, um pedido dos clientes. “Não queríamos que tivesse uma presença forte na casa. Pretendia-se que a natureza prevalecesse”. Desta forma, surge entre o lago e a casa de uma forma quase camuflada. Nas fotografias aéreas, este cuidado torna-se notório, onde o anexo é coberto pelo monte. “A partir da sala, não conseguimos ver a piscina”, conclui.
Carregue na galeria para ver mais imagens da construção à qual é difícil ficar indiferente, pela vista privilegiada ou pela construção atenta. As fotografias são de Alexander Bogorodskiy.