“A arquitetura não é uma coisa imediata, mas algo que se valida através do tempo.” José Carlos Oliveira ainda tinha à sua frente o que restava da antiga fábrica da Indústria Alimentar Trofense, mas já conseguia imaginar um edifício corporativo. Sabia que queria que fosse uma obra para a posteridade — sem artifícios ou acessórios.
A reabilitação deu origem a uma construção sóbria, com o mínimo de cores e materiais. Apesar do ar despojado, a nova sede dos Paços do Concelho da Trofa, no Porto, foi distinguida com o prémio Architecture MasterPrize, em Nova Iorque, no passado dia 12 de outubro.
“A estrutura era constituída por diversos corpos, anexados ao longo do tempo, e cada um tinha menos qualidade do que o anterior. Avançava-se por urgência para responder rápido às mudanças e desvalorizava-se a arquitetura”, explica à NiT o fundador da NOARQ.
A missão começou em 2016, quando o gabinete de arquitetura venceu o concurso público para a construção da sede de município. “Recebemos o convite para participar e ficámos muito satisfeitos, porque, tratando-se de uma obra pública, encaramos logo como uma distinção.”
Inserido numa área com cerca de seis mil metros quadrados, o edifício destacou-se pela geometria longa e estreita que terminava em forma de ogiva, paralela à extinta linha férrea da zona. O programa exigiu logo um aumento substancial de área, um piso subterrâneo e espaços técnicos, assim como o alargamento da rua.
A premissa de partida passava por manter apenas o edifício principal e, a partir daí, 90 por cento da área foi ampliada. Ao todo, a composição arquitetónica foi reduzida a uma série de cinco paralelepípedos estreitos com base em fatores como a durabilidade, eficiência energética, baixa necessidade de manutenção e economia construtiva.
Uma obra em volumes
“O primeiro corpo era interessante e altivo”, recorda José Carlos. “A seguir, havia uma sequência de naves com pouca qualidade, o que não permitia a reconstrução. Além de não terem estrutura para suportar a renovação, existia uma série de tanques de nafta que tinham de ser descontaminados.”
O primeiro paralelepípedo, dividido em três pisos, é utilizado para a circulação do edifício, comum a todos os serviços. “Percebemos que poderia ser um elemento simbólico e, eventualmente, ter mais uma ou duas salas e, no último piso, adaptar o salão nobre do edifício.”
Seguindo um estilo de arquitetura industrial, associado à ferrovia do século XX, o corpo “longilíneo, extenso e estreito” definiu a forma do edificado, caracterizado pelos blocos geométricos.
Aparecem mais dois blocos, em cada um dos topos do antigo edifício, onde se concentram todos os serviços municipais. Já os quarto e quinto paralelepípedos têm como função relacionar as diferentes partes da Câmara e acolher os espaços sociais e de receção dos cidadãos. No interior não há nada.
No piso intermédio, “entre a entrada e o último piso”, destaca-se ainda o pé-direito livre, duplo ou triplo. “Acabámos por lhe dar apenas duas salas suspensas, que seriam as duas grandes divisões para os chefes de departamento.”
Existe ainda um sexto volume, mas não é visível. Como está por baixo de todos os volumes, no subsolo, foi construído para utilizações como estacionamento, serviços técnicos e armazenamento.
A analogia à política
Tratando-se de uma “casa da comunidade”, o edifício conta com um grande átrio para que os cidadãos se sintam acolhidos. A partir daí são visíveis os gabinetes, divididos em vidro e “altamente transparentes”, para que a transparência, muitas vezes mencionada na política, passe de um valor ideológico a arquitetónico.
“É uma quebra de paradigma. Não sabemos o que as pessoas fazem no seu trabalho diário nas instituições portuguesas”, afirma o arquiteto, que destaca o valor eminentemente construtivo do projeto, em que só o necessário e sustentável é que se justificou.
O gabinete apostou no betão à vista para o interior, tanto nos pavimentos como nas paredes, por ser um material resistente e que não risca. No exterior, optou-se por uma parede em tijolo maciço que funciona “como uma capa construtiva”, uma escolha tradicional.
“As cores não foram importantes para nós. Na arquitetura, o que nos importa são os processos construtivos e os materiais que validam a obra”, acrescenta.“Nas nossas casas, tomamos a decisão de fazer uma manutenção regular. Até podemos viver numa casa com mazelas, mas num edifício público não pode acontecer.”
Concluída no início de 2023, a obra demorou cerca de dois anos e meio. No início previa-se um orçamento de 8,5 milhões de euros, porém, os imprevistos durante a obra e outras necessidades nos interiores, levaram a que o investimento rondasse os 9,5 milhões de euros.
Quanto ao reconhecimento em Nova Iorque, o arquiteto sublinha que não são os prémios que validam a arquitetura. Ainda assim, não nega que é sempre um motivo de satisfação. “Não podemos ficar fragilizados se não recebermos, mas todas as distinções são importantes.”
“Fico a olhar para a nossa produção e preocupo-me em saber como será utilizada. É isso que me motiva”, conclui. “Quero deixar edifícios na paisagem que a melhorem, seja dentro ou fora de Portugal. Quero, acima de tudo, que se possam perpetuar.”
Carregue na galeria para ver mais imagens da nova sede da Câmara Municipal da Trofa, captadas pelo fotógrafo Duccio Malagamba.