Lojas e marcas

12 horas de trabalho diário e uma folga por mês: a realidade nas fábricas da Shein

Os trabalhadores recebem menos de 50 cêntimos por peça. A maioria das confeções não cumpre as leis laborais chinesas.
A reportagem da BBC revelou as condições.

O fundador da Shein permanece (quase) anónimo e, até há poucos anos, pouco se conhecia sobre as condições laborais nas suas fábricas. A gigante chinesa de ultrafast fashion, continua a surpreender com o seu crescimento avassalador, sem prescindir do secretismo. Em 2021, a marca foi acusada de disseminar informações falsas sobre a situação nas suas unidades fabris, afirmando que estas estavam certificadas por entidades internacionais.

Apesar de várias controvérsias — que vão desde acusações de plágio a críticas ao consumismo excessivo — a Shein tornou-se um nome conhecido entre milhões de consumidores, superando toda a concorrência. Este sucesso impulsionou várias organizações a denunciar as condições de trabalho nas confeções chinesas onde as peças são produzidas.

A realidade é alarmante: em média, os empregados enfrentam jornadas de 12 horas diárias, ultrapassando, assim, as 44 horas semanais estipuladas pela legislação chinesa. Muitos têm apenas um dia de folga por mês e recebem um salário base de 320€, revela uma reportagem da BBC, que visitou 10 fábricas e entrevistou mais de 20 trabalhadores.

Em Panyu, um bairro de Guangzhou, China, conhecido como “vila Shein”, o som incessante das máquinas de costura evidencia a intensa atividade nas fábricas. Os trabalhadores dedicam-se à produção de peças de vestuário exportadas para mais de 150 países.

Para apresentar preços reduzidos, como T-shirts abaixo dos 5€ ou vestidos a 10€, os empregados podem cumprir até 75 horas semanais, o que representa uma violação das leis laborais chinesas. “Se um mês tiver 31 dias, trabalho esses dias todos”, revelou um dos entrevistados ao canal britânico. Contudo, a maioria opta por uma folga mensal.

O centro industrial de Guangzhou atrai principalmente trabalhadores rurais em busca de melhores rendimentos, o que torna as longas jornadas relativamente comuns. “Aos domingos, trabalhamos menos três horas”, contou uma mulher de 49 anos que prefere manter-se anónima.

O horário habitual nas fábricas é das 8 às 22 horas, e muitos funcionários prolongam o período laboral até à meia-noite para aumentar os seus rendimentos. As pausas para refeições são curtas, com muitos a almoçarem e jantarem em menos de uma hora, muitas vezes na rua, devido à falta de espaço nas cantinas, que estão sempre lotadas. “Trabalho nestas fábricas há mais de 40 anos”, afirmou uma mulher, acrescentando que dispõe apenas de cerca de 20 minutos para comer.

Os salários dependem das peças produzidas. “Ganhamos muito pouco. O custo de vida subiu imenso. Somos remunerados por peça, e isso depende da complexidade do artigo”, explicou outra trabalhadora. “Por exemplo, uma T-shirt simples rende um ou dois yuans [menos de 50 cêntimos], e consigo fazer cerca de uma dúzia numa hora.”

No ano passado, a Shein admitiu ter encontrado menores a trabalhar nas suas fábricas na China. A marca opera em mais de 5 mil confeções, muitas das quais ocupam edifícios transformados, repletos de máquinas de costura e rolos de tecido que chegam incessantemente.

Cada fábrica é contratada para produzir peças sob encomenda — algumas em pequenas quantidades, outras em maior escala. Quando a demanda é elevada, são recrutados trabalhadores temporários para dar resposta a esses pedidos.

Recentemente, a Shein tem enfrentado acusações relacionadas com a aquisição de algodão proveniente da região de Xinjiang, denúncia sobre a qual não se pronunciou. Esta matéria-prima, outrora considerado um dos melhores tecidos do mundo, tem perdido prestígio devido a alegações de que é produzido com trabalho forçado de populações muçulmanas.

“Antes da Shein, tínhamos autonomia na produção e venda das nossas roupas. Podíamos estimar custos, definir preços e calcular lucros. Agora, a Shein controla os preços e precisamos de encontrar formas de reduzir despesas”, explicou o proprietário de três fábricas.

Apesar das denúncias, alguns trabalhadores expressaram opiniões positivas sobre a gigante da ultrafast fashion. “Comecei a trabalhar aqui no início da marca. Testemunhei a sua ascensão. Para ser sincera, é uma empresa incrível na China. Acredito que vai tornar-se ainda mais forte, porque efetua os pagamentos pontualmente. É a mais confiável”, destacou uma trabalhadora. “Se o pagamento é dia 15, não importa se são milhões ou dezenas de milhões, será feito nessa data.”

Embora tenha recusado os pedidos de entrevista da BBC, a Shein defendeu-se, afirmando estar “comprometida em garantir um tratamento justo e digno a todos os trabalhadores da sua cadeia de fornecimento”, razão pela qual investe dezenas de milhões de euros no “fortalecimento da governança e conformidade” das empresas subcontratadas.

A marca surgiu em 2008, inicialmente conhecida como SheInside, e focava-se na venda de vestidos de noiva produzidos na China. O responsável por esta máquina de fazer dinheiro é Chris Xu, que alterou o nome para Shein em 2015, ano em que estabeleceu um escritório nos EUA e contratou vários jovens recém-formados naquele país.

Em abril de 2022, a Shein anunciou que havia conseguido captar cerca de dois mil milhões de euros em financiamento privado. Avaliada em aproximadamente 100 mil milhões de euros, a empresa tornou-se maior do que qualquer outra empresa privada no mundo, valendo sozinha mais do que a Zara e a H&M juntas.

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