Ao cantar a música “Estou Além”, António Variações não fazia ideia da forma como viria influenciar gerações de criativos a ir sempre mais longe do que o expectável. No Além, um atelier de cabeleireiro que abriu no dia 1 de junho, no número 132 da Rua da Alegria, em Lisboa, cada canto é uma ode à audácia do artista português. Afinal, antes do sucesso musical, foi como barbeiro que se iniciou a história do ícone.
Pedro Ribeiro, de 33 anos, começou a trabalhar na área do hairstyling muito cedo, com apenas 14 anos. Mais tarde, quando atingiu a maioridade, apostou no mundo da arte e do espetáculo. Dedicou-se à caracterização em televisão e, mais recentemente, começou a trabalhar com pacientes oncológicas e doentes com problemas capilares.
“Não há muita gente que faça em Portugal, este trabalho de desenvolvimento de imagem. Durante muitos anos, o meu trabalho não foi entendido”, conta à NiT. “Com a evolução do mercado, começou a haver espaço para o profissional que trabalha como um conselheiro e que coloca as ferramentas utilizadas em televisão à disposição do público.”
A abertura do espaço, Além, revelou-se uma necessidade. O ofício de Pedro nem sempre foi encarado como uma arte devido à plataforma em que era executada. Quis quebrar este paradigma, ao mesmo tempo que sentiu necessidade de proporcionar às clientes um “atendimento reservado, resguardado e com uma sensação de casa” numa loja à porta fechada.
Esta vertente de ser um espaço de cabeleireiro é elevada a um conceito mais artístico, que o hairstylist não consegue dispensar. “Se uma cliente minha deseja fazer uma sessão fotográfica e eu tenho o profissional para ela, pode desenvolver neste espaço. É um hub criativo porque se transforma à necessidade da cliente”, explica. E as necessidades são compreendidas através de uma consulta para perceber o lifestyle e os gostos.
Trabalhando sobretudo com as mudanças de visual, o serviço mais procurado continua a ser as extensões. Nota, porém, um crescimento em consultas de perucas para cancro. Apesar da especificidade, como se foi movendo entre mundos diversos, considera que tem “tudo muito bem doseado”.
Uma celebração da criatividade
O espaço é uma clara homenagem a António Variações. No entanto, Pedro esclarece que a relação não se prende com a sua imagem enquanto cantor, “que se transformou num produto”. Antes de chegar aos palcos, o fenómeno destacou-se enquanto cabeleireiro, cuja identidade criativa o levou a abrir a primeira barbearia unissexo em Lisboa.
“É uma homenagem à identidade incompreendida do artista”, explica o responsável, que sublinha que o seu próprio trabalho, relacionado às perucas e à passagem do espetáculo para a vida real, não era bem-recebido. Não é coincidência que o nome do espaço seja “Além”, termo incluído no título de uma das suas músicas mais conhecidas.
Todo a decoração do espaço foi desenhada através de referências com base em biografias e memórias fotográficas de um dos maiores génios nacionais. O objetivo é recriar um ambiente entre a casa e a barbearia, uma experiência que não se resume aos serviços.
“As cores que temos são exatamente as cores que [o Variações] tinha na barbearia: o azul e o amarelo. Dentro das poucas fotos que há, fomos descobrindo vários pormenores que decidimos replicar, como a cadeira de barbeiro ou uma cabeça de boneca igual à que ele tinha na zona do atendimento.”
Dentro de quatro paredes, com uma essência retro, reinterpreta-se a energia emanada pelos anos 70 e 80. Mistura-se o atual e o antigo, com outros pormenores como o vestido que o artista tinha encostado à parede, numa foto da sua casa, e que foi replicado no Além. Ainda sobra uma parede que será preenchida com artwork desenvolvido por vários artistas — e dedicado à figura que molda o espaço.
A decoração do espaço é pensada ao pormenor.
“Não há uma única pessoa que se sente na cadeira e que eu não conte a história de vida do Variações”, continua Pedro. “Não há qualquer referência ao meu trabalho aqui dentro. Acaba por ser uma plataforma em que várias vezes ao dia posso contar aquilo que eu sei e é muito bonito.”
Quanto à zona que acolheu a loja, a Avenida da Liberdade, foi um mero acaso que se revelou boa sorte. Por se tratar de um centro urbano com uma forte recetividade artística, permite que a marca passe a sua mensagem do ponto de vista comercial e conceptual.
“Passadas duas semanas, entendo que a localização é muito importante para a vertente artística e para a linguagem profissional que eu quero desenvolver”, conclui. “Os vizinhos ficaram logo fascinados e tive pessoas a a baterem-me à porta para perguntar se sou sobrinho do Variações. Ainda no outro dia, recebi um senhor que trabalhou com o António no Ayer.”
Carregue na galeria para conhecer alguns dos trabalhos feitos por Pedro Ribeiro.