Lojas e marcas

Antigo quiosque em Alvalade foi transformado num espaço com “peças únicas e autênticas”

Duas amigas e artistas juntaram-se para criar a Uma Volta. Dos acessórios à decoração, tudo é criado em pequena escala.
Conheceram-se em 2004.

A imprensa em papel está em queda e, a cada dia que passa, os quiosques vendem menos jornais e revistas. Marina Borba cruzava-se com vários diariamente e questionava-se sobre o potencial de reaproveitamento destes espaços — muitos acabavam por fechar e ficar ao abandono, criando ruído visual na cidade.

Um quiosque específico na Avenida da Igreja, em Lisboa, que vendia artigos de arte e decoração, chamou-lhe particularmente a atenção. “Já tinha um público interessado num produto diferente”, explica à NiT.  Após o seu encerramento, Marina e a amiga Amanda Braga, com 42 e 39 anos respetivamente, decidiram dar-lhe uma nova vida.

Ambas designers, conheceram-se em 2004, quando estudaram juntas em Recife, no Brasil, e uniram os seus talentos para criar a Uma Volta.

 A loja em Alvalade, abriu a 16 de novembro e é baseada numa filosofia de design circular. Apresenta artigos de decoração e acessórios em pequena escala, produzidos por artesãos e marcas independentes.

“Estes espaços que não estão a ser utilizados viraram o tema da minha tese de doutoramento”, explica. Dedicou-se a desenvolver uma proposta e o conceito foi aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, que já tinha identificado o mesmo problema.

A banca ganhou uma nova imagem.

Marina Borba mudou-se para Portugal em 2016 apenas para concluir o doutoramento, mas nunca mais regressou ao Brasil. Abandonou a carreira no ensino e, atualmente, trabalha como designer no Instituto Superior Técnico.

Em 2020, surgiu a primeira oportunidade de explorar a remodelação de um quiosque com o marido, o publicitário e artista Manuel Mendonça. Juntos, abriram a Nova Banca Galeria, a primeira galeria de arte de Lisboa a funcionar num quiosque antigo, com o propósito de divulgar o trabalho de artistas variados.

Porém, o espaço estava muito resguardado. “Tinha o objetivo de oferecer uma nova forma de consumir e conhecer arte”, refere. “Se estivermos no meio da rua, na calçada, as pessoas ficam mais desprendidas. Achei que havia uma perspetiva artística que devia ser vista pelas pessoas, então sentia-me deslocada.”

Amanda, que já tinha uma marca de acessórios conhecida no Brasil, a Trocando em Miúdos, foi a parceira ideal. Em 2019, saiu do Brasil em prol de um estilo de vida mais lento, tendo passado pelos EUA, antes de decidir viver entre Madrid e Lisboa, a promover design em pequena escala.

Apesar das limitações do espaço, com apenas seis metros quadrados, aproveitaram a estrutura de metal para criar um projeto novo. A dupla criou prateleiras novas, acrescentou um painel de madeira para expor os produtos, pintou o interior em tons mais vivos e ainda acrescentou uma iluminação diferente.

“Ficou acolhedor”, refere Amanda, que confessa sentir-se acolhida pela vizinhança do bairro. Os transeuntes parecem concordar, já que se tornou comum ver residentes a parar para observar a transformação e elogiar o trabalho que desenvolveram ali.

“Uma referência de produção consciente”

A mostra junta produtos feitos manualmente, que vão desde acessórios até itens de decoração. Há brincos arrojados, colares feitos com matérias-primas como casca de coco, que iam para o lixo, assim como capas de almofada e lenços criados por vários designers.

Seguindo o conceito de design circular, as amigas querem reunir peças que sejam pensadas do início ao fim e desenvolvidas com cuidado. Muitas destas propostas são únicas, já que são trabalhadas com excedentes e não podem repetir-se.

As fundadoras falam com várias marcas parceiras de vários pontos geográficos, várias delas do Porto, de Lisboa e até do Recife. “Aproveitámos a curadoria feita pela Nova Banca para trazer peças de artistas com estilos distintos.”

A próxima coleção, que será lançada perto do Natal, será feita exclusivamente com restos de peças que foram descartáveis. “As pessoas estão habituadas a produtos mais baratos e de massa, mas esquecem-se dos trabalhos autorais. Queremos ser uma referência de produção consciente.”

E começam a sentir que estão a fazer a diferença. Recentemente, emocionaram-se quando uma cliente com cancro parou para experimentar um par de brincos. “Inicialmente disse que não ia comprar, mas sentia-se tão mal que quando os pôs, sentiu que o dia melhorou. Queremos que as pessoas se sintam bem”, confessa.

Embora tenham começado com um stock reduzido, Marina e Amanda querem trabalhar com coleções mais alargadas. Já foram contactadas por vários artistas que querem fazer parcerias e 2025 vai ser dedicado a apostar nessa curadoria, tornando a oferta mais vasta.

“O grande objetivo é fazer com que o trabalho criativo destas pessoas seja reconhecido e consumido de forma justa”, conclui. “Não é preciso uma mudança drástica, mas queremos apelar ao consumo mais frequente de peças únicas e autênticas como estas, criadas pelos próprios artistas.”

Os preços das propostas começam nos 10€, sendo que o valor médio ronda os 25€.

Carregue na galeria para ver mais imagens do espaço da Uma Volta e conhecer melhor o conceito.

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