Nas salas históricas do sagrado Mosteiro de Alcobaça, apenas se ouvia o timbre imponente de Sónia Tavares, vocalista dos The Gift. Por vezes poderoso e noutros momentos mais delicado. Na gravação improvisada do som, acompanhava-se com uma atenção cirúrgica as subidas e a descidas, quase coreografadas, da reverberação.
Em paralelo, nas imagens em vídeo, nascia a renderização tridimensional de um vaso curvilíneo. Enquanto o objeto flutuava, as linhas fluíam e acompanhavam o tempo da cantora, até culminarem numa peça de decoração inspirada nas oitavas que a artista cantava.
Embora experimental, a ideia deu origem à primeira coleção da Claraval, composta por 11 peças de cerâmica, no final de 2021. Seguiram-se mais duas, uma delas em colaboração com a cantora Mia Benita, e outra que transforma o som da foz do rio Douro em obras de arte.
Recorrendo à tecnologia Sound-Made Ceramics, a marca portuguesa, que lançou oficialmente o site em dezembro, é pioneira na criação de cerâmica a partir de frequências sonoras. A conversão destas ondas em formas tridimensionais é feita por um algoritmo.
As peças resultam de uma parceria entre a empresa Perpétua, Pereira e Almeida, produtora e fabricante de cerâmica decorativa, e Skopelab, fundada pelo designer britânico Mark Lloyd, que desenvolve novas técnicas de captação de som.
“No início, não tínhamos a marca Claraval. Tudo foi feito sob a alçada de outra marca que detemos, a S. Bernardo”, afirma à NiT Fábio Caldas, da PP&A. Após a apresentação pública do conceito, na feira Ambiente, em Frankfurt, na Alemanha, decidiram dar outra dimensão ao projeto.
O nome também está associado ao Mosteiro de Alcobaça, já que a região foi um dos pontos de partida para a linha de estreia. Inspiraram-se na figura de São Bernardo de Claraval, uma das personalidades eclesiásticas mais influentes do século XII, cujo primeiro nome já tinha sido utilizado na outra marca.
O primeiro passo é a captação do som. A seguir, através do design computacional, o registo sonoro é transformado em formas 3D. “Não é uma tradução literal, porque há um trabalho de design por trás. A tecnologia é aliada ao know how das técnicas artesanais”, explica.
Quando são geradas essas silhuetas, recorre-se à impressão 3D do modelo e cria-se o molde. O resto da produção, do manuseamento à decoração, passando pelo processo de enchimento, é todo feito à mão na fábrica, em Alcobaça, com base nas técnicas tradicionais.
“Sempre me senti particularmente tocado pelo som”, afirma, por sua vez, Lloyd. “Tem um impacto emocional muito diferente do da visão. Como designer 3D, perguntei-me muitas vezes se seria possível transformar as relações harmónicas e os ritmos do som em geometria 3D.”
O objetivo é transformar todas as frequências, seja a voz humana ou outros sons que encontramos ao nosso redor. Geralmente, o resultado são cerâmicas “fluidas e harmónicas”, continua Fábio. “Os designers não podem surgir com uma peça impossível de fabricar.”
Sónia Tavares foi uma escolha natural para dar os primeiros passos. “Além de ser natural da região, toda a gente conhece as qualidades dela, enquanto artista. Como é uma pessoa que está sempre aberta a este tipo de parcerias, foi uma colaboração que fez sentido para ambos os lados.”
As peças são inspiradas pela proximidade do país com o Oceano Atlântico, assim como as paisagens naturais. Esta ligação é visível não só no compromisso com a sustentabilidade, mas também nos temas costeiros, nos tons terrosos ou nas texturas orgânicas.
“A escolha dos vidrados é feita com todos os designers da empresa. Quando lançamos uma coleção, temos sempre um tema e tentamos selecionar uma paleta de cores que faça sentido. Algumas já são características do projeto e resultam desde o início, como o laranja.”
Apesar de, inicialmente, terem pensado numa gama em tons mais neutros, a gama foi rapidamente expandida para oferecer mais riqueza e versatilidade à oferta. Assim, permitem que as clientes encontrem as cerâmicas que mais correspondem às suas preferências.
“Na coleção da Sónia, por ser uma mulher tão imponente e expressiva, quisemos cor que passem isso”, refere. Já com Mia, uma oportunidade que surgiu a pedido da cantora, destacam-se tonalidades como o verde-lima, que reflete a juventude, a irreverência e a delicadeza da jovem.
A linha mais recente, Foz, nasceu para provar que a voz humana não é o único objetivo de estudo da Claraval. “Tentamos lançar uma coleção anualmente, para apresentar durante a Ambiente, em Frankfurt, e para não estarmos restringidos a um só tema.”
A equipa da Perpétua, Pereira e Almeida chegou a idealizar uma gama com os sons da fábrica, como os fornos, por exemplo, mas acabou por não chegar ao mercado. Na altura, foi imediatamente comprada por um cliente.
Apesar do interesse no conceito, ainda não têm um serviço de criação de peças à medida. “Há sempre um orçamento muito elevado e não estamos preparados. A ideia de fazer a gravação inicial e produzir o molde tem sempre custos que são difíceis de suportar”, justifica.
E, embora o número de peças que conseguem produzir varie, consoante fatores como a complexidade e tamanho, considera-se uma média de 500 peças por dia. A maioria delas é enviada para os Estados Unidos, atualmente o principal mercado da Claraval, e alguns países europeus.
Este ano, a marca quer continuar a marcar presença em várias feiras internacionais, como a Salone del Mobile, em Milão, organizar exposições diferenciadas pelo País, como fizeram no Coletivo 284, em Lisboa, onde usaram painéis LED suspensos, e procurar novos palcos lá fora.
Além das coleções existentes, a Claraval está a desenvolver novos produtos — e pretendem lançar a primeira coleção que não será feita com sons, mas com correntes de campos magnéticos, revela Fábio. “A nossa missão é redefinir a maneira como se faz cerâmica.”
Todas as peças estão disponíveis no site da marca, com preços a partir dos 220€.
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