Quando os artistas Michael Elmgreen e Ingar Dragset ergueram uma réplica escultural de uma boutique de luxo Prada, à beira de uma estrada solitária e remota, no estado do Texas (EUA), imaginavam que a obra, a dada altura, desapareceria. “Existiria mais como uma documentação e um rumor”, explica a dupla ao jornal britânico “The Guardian”.
Em vez de ser esquecida, a criação acabou por desafiar as expetativas dos artistas escandinavos. Ao longo dos anos, tornou-se uma atração cultural que apareceu num episódio de “Os Simpsons”, nas redes sociais de Beyoncé e levou centenas de influenciadores até ao deserto.
Todos os dias, inúmeros turistas perguntam quando é que abre. A resposta é simples: não abre. Construída em 2005, a Prada Marfa não é uma loja verdadeira, mas uma escultura que simula um ponto de venda da marca de luxo italiana. Isso não impediu que se tornasse uma das boutiques mais visitadas do mundo.
Michael Elmgreen e Ingar Dragset começaram a analisar as interconexões entre arte, arquitetura e design em 1995. Em 2001, montaram uma exposição na Galeria Tanya Bonakdar, em Nova Iorque (EUA), que incluía um cartaz onde se lia: “Opening Soon: PRADA”, na fachada. Várias pessoas telefonaram à galeria para lamentar o anúncio.
A provocação foi o ponto de partida para a criação de uma obra arquitetónica que criticaria o consumismo e a moda de luxo, algo realçado pelo contexto absurdo de ter nascido num cenário isolado. Com o passar do tempo, tornou-se mais um Santo Graal dos destinos artísticos.

No interior, inclui roupas, sapatos e acessórios da Prada, escolhidos por Miuccia Prada, atual diretora criativa da marca, a partir da coleção de outono-inverno desse ano. Embora a insígnia não esteja relacionada com o projeto, não só participou na seleção das peças como autorizou o uso do logótipo, que já tinham utilizado no primeiro anúncio.
“Ela foi muito inteligente na seleção, pegando tons terra porque estamos no meio do deserto do Texas, onde tudo tem estas tonalidades empoeiradas e areosas”, revelaram numa entrevista à “Dazed”.
Para concretizar a ideia, Elmgreen e Dragset fizeram uma parceria com os arquitetos Ronald Rael e Virginia San Fratello, que construíram a boutique a partir de adobe biodegradável [técnica de construção em terra crua] gesso, vidro, molduras de alumínio e MDF.
A ideia é que o espaço nunca fosse restaurado, desintegrando-se lentamente. A dupla queria que a obra funcionasse como um “projeto de land art de arquitetura pop”, tendo como referências artistas de land art como Nancy Holt, Robert Smithson e Ricard Serra, nos anos 70, que também trabalharam em projetos que se dissolviam numa paisagem desértica.
Numa época pré-redes sociais, a inauguração não teve visitantes, com exceção dos dois artistas, cinco amigos dos fundadores e um ou dois curiosos que moravam na zona. Finalizado o trabalho, regressaram para Nova Iorque sem imaginar que aquela instalação ganharia uma popularidade astronómica.
Na noite seguinte à inauguração da Prada Marfa, que custou cerca de 120 mil euros, financiados pelo Art Production Fund e pelo centro de arte contemporânea Ballroom Marfa, foi logo assaltada por ladrões que levaram seis carteiras e o pé direito de 14 pares de sapatos. Desde então, os responsáveis instalaram janelas mais resistentes e colocaram alarmes no inventário.
A boutique foi vandalizada mais vezes, com o graffiti a tornar-se um elemento recorrente da fachada. Em 2014, por exemplo, foi pintada de azul-claro e com logótipo da marca Toms Shoes. O artista do Texas Joe Magnano foi detido e processado em quase 10 mil euros.

Os ataques não impediram que a escultura se tornasse um fenómeno. Beyoncé foi um dos nomes que mais contribuíram para a fama da instalação quando, em 2014, publicou uma fotografia na sua página de Instagram onde aparece à frente da fachada. A fotografia viralizou rapidamente, atraindo a atenção de milhões de pessoas que ainda desconheciam este trabalho.
À medida que ganhou destaque cultural, a escultura foi mencionada em “Gossip Girl” e apareceu num episódio de “The Simpsons”, intitulado “The Fool Monty”. A famosa loja é mencionada como parte de uma piada sobre a arte contemporânea e as extravagantes instalações de luxo.
“Nunca imaginámos que a instalação receberia tanta atenção”, acrescentou Elmgreen, à “Dazed”. “A partir daí, o projeto tomou outras proporções e virou um lugar para onde as pessoas viajam especialmente para ir lá ver.”
Neste momento, a obra funciona, ironicamente, como se fosse um anúncio da marca. Após o lançamento do Instagram em 2010, a Prada Marfa tornou-se um dos pontos de selfie de elite das redes sociais. “É quase como ser um pai que viu os filhos crescerem e seguirem uma direção que nunca pretenderam”, afirmou o artista, em 2019, após regressar ao local onde está instalada a obra.
Por mais que o significado de Prada Marfa tenha mudado, no entanto, a aparência permanece igual. “Quando se chega aqui, a paisagem, a coleção, a forma como os sacos estão colocados, é exatamente a mesma”, acrescentou Dragset nessa visita. “Não há mais nada assim.”
