Apesar da valentia que sempre demonstrou, Harry Potter era um miúdo magricela, míope e pouco integrado. A sua vida mudou quando entrou numa escola de feiticeiros — falamos de Hogwarts, claro —, mas é o seu lado desajustado que faz dele um herói improvável. Aquele tipo de protagonista que, mesmo com uma dose magia à mistura, parece tão real como qualquer outro miúdo.
Rita Valente, de 34 anos, era uma dos milhões de adolescentes que se identificavam com a personagem. “Como não era uma pessoa muito sociável, refugiava-me nos livros. Aos poucos, percebi que ser vista como diferente ou estranha não é mau”, começa por contar à NiT. Harry Potter e companhia acabaram por se tornar companheiros de vida para Rita.
A saga do famoso feiticeiro é a inspiração para o Crucio, o novo estúdio de tatuagens em Lisboa. Situado no Chiado, foi inaugurado a 25 de novembro e tem como tema a casa de Gryffindor. Quem passa pela receção, que recria a sala comum da equipa da escola de feitiçaria, sente que está no cenário dos filmes.
O espaço é o irmão mais novo da primeira loja que a artista abriu, ainda em 2019, em homenagem aos Slytherin. Na altura, já sabia que queria expandir o negócio: “Estava há meses à procura de um local vago, mas o valor das rendas complicou o processo. Com alguma sorte e perseverança, encontrei esta e meti mãos à obra”.
São apenas cerca de 60 metros quadrados, mas que estão divididos em quatro salas temáticas — incluindo a receção. Duas delas são inspiradas nas aulas de Herbologia e Poções, lecionadas por Sprout e Snape. Por fim, há outra inspirada na mística torre de astronomia onde Dumbledore morre.
A loja é uma experiência imersiva através dos cinco sentidos. Cada canto tem um cheiro particular ligado à decoração, assim como o som da banda sonora dos filmes. Pelo meio, os clientes recebem chá e café com sabores descritos nos livros ou doces típicos da história, como os sapos de chocolate ou os famosos feijões de Bertie Bott.
Contudo, é o teto imponente que se torna o grande statement do estúdio. Imita o salão nobre de Hogwarts, com nuvens, trovões, velas flutuantes e o som da chuva à mistura. Da janela, os visitantes têm ainda vista para o Elevador de Santa Justa, um dos mais icónicos da capital.
“Queria marcar pela diferença. Há muitas opções à volta e assim, por mais que mude de tatuadores, o ambiente fica sempre marcante”, acrescenta. “Fiz algo mais impactante para esta porque havia um orçamento maior. Quando me lancei, tinha menos possibilidades.”
A autodidata que já tatua pela Europa
Apaixonada por desenho desde cedo, Rita começou a conhecer amigos tatuadores durante a adolescência. Sentia-se atraída pelo realismo e pelos retratos, mas demorou algum tempo até arriscar fazê-los com tinta e agulha na pele de alguém.
“Quando era mais nova, queria ser tudo: atriz, bailarina, escritora. Todas as semanas tinha um projeto novo, então não era levada a sério. No início, tinha vergonha de dizer que queria experimentar tatuagem e rirem-se de mim”, recorda.
Após nascer a filha, trabalhava na receção de uma loja de tatuagens e decidiu que ia disciplinar-se. “Não tive o apoio de ninguém e muitos dos meus amigos viraram-me as costas. Como não tinha sitio para trabalhar, decidi que tinha de abrir o meu próprio espaço sem experiência.”
No início, fez perguntas a muitos tatuadores — sobretudo estrangeiros — sobre técnicas, viu muitos vídeos e comprou alguns livros. Começou como autodidata e acabou por se especializar em tatuagens que se destacam pelo realismo, graças aos workshops que frequentou, ministrados por artistas conhecidos mundialmente (como Nelson Sacramento).
Aos poucos, começou ainda a usar algumas amigas como cobaias para treinar. Numa delas, fez o desenho de uma flor de lótus no braço, um trabalho que ainda recorda como a sua primeira tatuagem de sempre.
Só quando se sentia confortável é que criou o primeiro Crucio, há quatro anos. O nome é uma referência a uma das maldições imperdoáveis (ou seja, as mais poderosas do mundo bruxo) e provoca dor insuportável na vítima. “Ficou engraçado brincar com a dor da tortura e o desconforto das agulhas”, acrescenta a fundadora, também conhecida como Miss Crucio.
Na primeira morada, inspirou-se nos Slytherin por ser “a mais incompreendida de todas as casas” da saga. Tem a pior fama, “mas largas qualidades”, sublinha. Na altura, já tinha a ideia de abrir outros estúdios semelhantes, mas faltavam-lhe recursos. Aguardou até ao momento certo.
Para a decoração, aproveitou muito artesanato que já tinha ou comprou em segunda mão. Apesar da dificuldade de encontrar o que queria ou comprar merchandising oficial, que ficava mais caro, improvisou. O sinal de entrada da receção, por exemplo, foi feito por um amigo com materiais reciclados.
No novo Crucio, Rita vai ter uma equipa rotativa de 10 pessoas, onde junta artistas residentes e convidados pontuais. Alguns deles são tatuadores, que conheceu quando começou a trabalhar no estrangeiro, e com quem desenvolveu uma ligação.
“Achava que só os nomes mais conhecidos é que tinham oportunidade de ir para fora”, explica. No entanto, percebeu que, se o artista tiver qualidade e coragem para mandar uma proposta, pode encontrar vagas. Em 2021, começou a ir para o estrangeiro, tendo já passando pela França, Bélgica, Inglaterra e Espanha.
“Gostava de continuar, mas não sei se é possível devido à gestão das duas lojas”, conclui Rita, que vai passar uma semana em cada espaço. Pela frente, tem ainda mais dois estúdios que quer conceptualizar, para as casas de Hogwarts que faltam: Hufflepuff e Ravenclaw não vão ficar de fora.
Os preços das tatuagens no Crucio começam a partir dos 60€. No caso de desenhos que demorem um dia inteiro, os valores rondam os 600€. A reserva pode ser feita online e, no final, todos os clientes recebem um envelope de agradecimento com brindes temáticos.
Carregue também na galeria para ver mais imagens do estúdio e ficar a conhecer melhor o conceito do espaço.