Lojas e marcas

Diziam-lhes que “iam fracassar”. Hoje fazem 4 milhões de pares de sapatilhas por ano

A cobiçada marca francesa VEJA também já produz modelos em Portugal. A NiT esteve à conversa com os fundadores.
A VEJA já chegou a Portugal.

Em 2003, quando os dois jovens franceses Sébastien Kopp and François-Ghislain Morillion visitaram uma fábrica na China, ficaram chocados com as más condições dos operários. Se várias empresas já erguiam bandeiras ligadas à sustentabilidade, eram poucas passavam do discurso para a ação, notam os empreendedores. Nesse dia, perceberam que queriam encabeçar uma mudança no mercado.

Os amigos olharam para um dos objetos mais simbólicos das gerações atuais, as sapatilhas, e decidiram reconstruí-los em 2005. Assim surgia a VEJA, à medida que começaram a trabalhar com as comunidades amazónicas que cuidam da floresta, para colher a borracha para as solas, e com uma cooperativa de produtores de algodão orgânico. Foi um início lento e no qual produziam apenas o que vendiam.

Atualmente, a marca é uma das favoritas das celebridades e influencers — Kate Middleton e Meghan Markle são duas fãs assumidas —, aparecendo em quase todos os feeds do Instagram. É provável que já tenha visto nomes como Emma Watson ou Emily Ratajkowski com alguns destes desenhos que misturam um estilo retro com apontamentos modernos.

Desde o lançamento da insígnia francesa, em 2004, o fabrico tem sido feito no Brasil. Porém, no final de 2023, a etiqueta iniciou a produção exclusiva do modelo V-90 Aegean em Portugal, numa fábrica do norte do País. Até ao momento já produziu mais de 80 mil pares fabricados com couro de origem europeia, suave e fino, e com uma textura subtil. 

Em todos os modelos, o logótipo é simples, apenas com uma tira em forma de V, que em português se lê “vê”. A escolha não foi ocasional e deu origem ao nome. Afinal, reflete a mensagem que os amigos de infância que criaram a marca pretendem passar: “Olhe além das sapatilhas e veja como são feitas”.

Em entrevista à NiT, um dos fundadores, Sebastien Kopp, falou sobre a origem (e os principais desafios) da marca, o crescimento do negócio até se tornar um fenómeno e a aposta na produção nacional.  

O que é que vos inspirou a lançar a VEJA em 2005?
Conheci o François-Ghislain [Morillion] quando tínhamos 14 anos. Licenciámo-nos em economia e começámos a trabalhar em Nova Iorque após as nossas formações. Após alguns meses a trabalhar em bancos, decidimos que não era a vida que queríamos. Criámos uma ONG e viajámos juntos por todo o mundo, durante um ano. Fomos à China, Brasil, Índia, Bolívia, Vietname ou Austrália a analisar projetos e vimos, no terreno, que as empresas não estavam dispostas a agir para melhorar as condições sociais da população local. Então, aos 25 anos, decidimos criar um projeto que se baseasse na ação sustentável e não no discurso.

De que forma?
Fizemos a diferença através das condições de produção e a rastreabilidade ecológica dos materiais. Adquirimos e controlamos todas as matérias-primas e os processos da nossa cadeia de produção, o que leva tempo. No que diz respeito às outras marcas, tenho a sensação de que se falou muito, mas não se mudou muito.

O mercado era muito diferente na altura. O que é que trouxeram de diferente?
Tal como hoje, o mercado assemelhava-se a um mundo impenetrável com etiquetas já estabelecidas. O que mudou foi o facto das sapatilhas se terem tornado mais nobres. Quando lançámos a VEJA e começámos a ter resultados, os jornalistas de moda da altura diziam-nos que o fazíamos não era moda. Diziam que eram sneakers, que era desporto. Hoje, tornaram-se um acessório tão importante como as carteiras e as roupas. A visão do público e a perceção dos profissionais mudou.

Os fundadores Sébastien Kopp and François-Ghislain Morillion.

Quando é que começaram a notar que se estavam a tornar numa marca de culto?
A nossa primeira produção foi de 5 mil pares para todo o mundo. No início, era mais uma aventura do que um negócio. Toda a gente nos disse que não iria funcionar e, na altura, nem havia a Internet. A verdade é que quando vendemos esses modelos, as lojas ficaram sem stock em três dias e queriam reabastecer. Nós recusamos e dissemos que só o faríamos passados seis meses. Fomos crescendo aos poucos, com materiais limitados e duplicamos a nossa produção de algodão orgânico. Não podíamos multiplicar por 5 ou 10, pelo que ficámos aquém da procura e isso permitiu-nos progredir ao nosso próprio ritmo. Sem investidores, publicidade ou vendas. Produzimos a pedido e, por isso, não temos stock.

Têm tido um crescimento exponencial. Qual foi o aumento dos lucros em 2023, por exemplo?
Já existimos há 19 anos e, desde o início, foram vendidos 12 milhões de pares. Produzidos cerca de quatro milhões só em 2023, vendidos em 112 países. Isto traduz-se em 280 milhões de euros de volume de negócios em 2023, lá está, sem publicidade. Estamos em mais de três mil retalhistas em todo o mundo, reparamos dezenas de milhares de sneakers nas nossas sapatarias e centenas de pessoas encontraram um emprego graças à empresa de inclusão que gere parte da logística da VEJA.

Aproveitam vários tipos de desperdício para fabricar os modelos. Como é que decidem os materiais utilizados, como o milho?
Em 2023, fizemos uma parceria com os Catadores no sul de Minas Gerais, Brasil, um grupo de 13 cooperativas com cerca de 200 pessoas, que desempenham um papel crucial na reciclagem lá. Juntos, construímos uma cadeia de fornecimento de poliéster reciclado e usamos exclusivamente garrafas plásticas de cooperativas de reciclagem. Quanto ao milho, criámos um material vegan e de origem biológica que oferece uma alternativa ao couro, tanto em termos de aparência como de impacto ecológico. É feito de lona de algodão revestida com óleo de milho e oferece uma nova perspetiva para a VEJA: ir além do couro.

Qual é a robustez destes materiais em comparação com o couro?
Durante muitos anos, utilizámos algodão orgânico e plástico reciclado, mas há muito que procuramos alternativas inteligentes. Iniciámos um programa de investigação, visitámos dezenas de fornecedores inovadores, participámos em conferências, contratámos um biológico e chegámos a opções que têm um ótimo toque e grande resistência. O nosso objetivo era encontrar uma alternativa duradoura, mas sem utilizar plástico, como já fazem a maioria das peles vegan no mercado.

Quais são os bestsellers da marca? Há algum modelo que tenha mantido o êxito ao longo dos anos?
O Campo era o mais vendido, mas desde que relançámos o Volley, o nosso primeiro modelo de sempre, está no topo das vendas.

O que é que vos motivou a trazê-lo de volta?
Foi o par que abriu o caminho. É uma sapatilha plana de couro com sola fina, inspirada nos anos 70, que nos acompanha desde 2005. É icónico porque foi o nosso primeiro par e, durante três anos, foi o nosso único modelo, por isso todos lhe chamavam ‘os Veja’. Apresentámo-lo no Palais de Tokyo, em Paris, e vendemos cinco mil modelos. Quisemos trazer de volta para agradar os nostálgicos e dar uma lição de estilo aos mais novos.

O bestseller Volley está de volta.

Dizem que a VEJA assenta na simplificação do desenho. Estão a planear lançar novos designs com ideias diferentes?
Temos muita coisa em cima da mesa, muitos projetos novos a surgir. Mas nunca falamos do que ainda não está no mercado — faz parte da nossa filosofia mantermo-nos fiéis à realidade.

Iniciaram um novo capítulo com a produção de sneakers em Portugal, com o modelo V-90. Qual foi o motivo dessa decisão?
Há mais de um ano que produzimos os V-90 na fábrica da SAMBA Footwear, uma empresa sediada no Porto, reconhecida pela sua experiência no fabrico de calçado. Fizemos muitas visitas guiadas. É simples: o coração da VEJA é o campo. Foi muito natural para nós virmos a Portugal, dadas as condições de trabalho, o respeito pelos direitos dos trabalhadores, os salários e o poder de compra. O facto de as nossas equipas serem bilingues em português também facilita as coisas.

Como é que correu esta experiência fora do Brasil?
Produzimos lá 100 mil sapatos num ano, sem dizer a ninguém, apenas para testar. E agora estamos a lançar uma gama especial produzida na Europa e vendida apenas na Europa.

Tencionam continuar a concentrar a vossa produção na Europa, mais precisamente em Portugal?
Este é um primeiro passo que representa entre três a cinco por cento da nossa produção, por isso não estamos a dizer que a VEJA está a deslocar-se para a Europa. É um projeto que vai crescer e que veremos a longo prazo. Mas há muito tempo que queríamos produzir em Portugal. Também tínhamos a preocupação de que as fábricas brasileiras pudessem atingir um ponto de saturação com o crescimento da marca.

A produção dos V-90 numa fábrica em Portugal.

Desde o início da produção em Portugal, quantos pares já foram produzidos? Têm previsões de quantos mais irão criar?
Já foram feitos mais de 80 mil pares para venda nesta fábrica. Ainda não conseguimos projetar quantos é que irão ser produzidos no futuro.

Quais são os vossos principais mercados internacionais?
Atualmente, estamos muito concentrados nos Estados Unidos, no Brasil, no Reino Unido, em Itália, na França e na Alemanha.

Estão a pensar abrir uma loja VEJA em Portugal? Já tentaram iniciar negociações?
Fazemos 19 anos este ano e só temos seis lojas. Abrimos uma ou duas por ano e está tudo bem. Nunca estabelecemos metas ou objetivos, fazemos o melhor que podemos e vemos se funciona. Como já dissemos, nunca falamos do que ainda não está feito. Dedicamos muito amor a cada projeto que lançamos e é disso que gostamos, de avançar ao nosso próprio ritmo.

Todas as sapatilhas da marca estão disponíveis online. Carregue na galeria para ver os novos modelos V-90 produzidos em Portugal.

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