Lojas e marcas

A marca que leva a lã da Serra da Estrela ao mundo inteiro há 100 anos

Dos guias da Louis Vuitton à televisão, a Ecolã tem colocado o burel no mapa da moda. A fábrica em Manteigas é um postal da região.
Um século de história.

Em 1995, a morte inesperada do pai trouxe um dilema a João Clara de Assunção, que iniciava a carreira como gestor em Lisboa. Como representante da terceira geração de uma família dedicada à produção de burel, o tecido artesanal português feito com lã da Serra da Estrela, teve de decidir entre continuar o negócio familiar ou deixá-lo encerrar.

Nos meses seguintes, refletiu sobre as memórias da sua infância, passadas entre os teares herdados pelo progenitor, muitos dos quais permanecem nas instalações da Ecolã, em Manteigas, e revisitou a receita deixada pelo avô, que começou a dedicar-se a esta arte em 1910.

Quando regressou à sua pequena vila na Guarda, ficou convicto de que esta herança poderia competir no mercado global da indústria têxtil. Apesar de não ter conhecimentos técnicos na área, encontrou vários mestres em lanifícios, como António Carvalho, que o orientaram pelos teares.

“Há duas décadas, a maioria das pessoas desconhecia este tecido, exceto os habitantes da região. Houve um trabalho de dignificação destes produtos para ir além desta lógica regional”, explica à NiT António, que faz parte da empresa há 23 anos. “É como se pertencesse à família.”

No ano em que assinala 100 anos, a Ecolã, nascida em 1925, continua a levar os produtos de burel a cidades um pouco por todo o mundo. Da confeção em Manteigas, no sopé dos Montes Hermínios, onde se contam cerca de três mil habitantes, até às montras internacionais, foi um passo.

Em janeiro, a marca foi destacada no programa irlandês “Food Trails”, do chef Neven Maguire. O negócio nacional foi protagonista num dos episódios da quarta temporada para promover não só a gastronomia, mas os produtores artesanais da região, incluindo a confeção onde a lã é transformada em peças de vestuário ou artigos de decoração.

“No ano passado, recebemos um pedido para organizar um almoço na fábrica. Fizemos um com cinco pratos, rodeados pelos teares”, recorda António. “Foi quando os produtores, que já conheciam o projeto, porque temos alguns clientes irlandeses, nos lançaram o desafio.”

Tudo acontece em Manteigas. Fotografia: @azevedo_e_castro

Ao longo dos anos, t empresa tem explorado diversas plataformas que reconhecem a mestria da tecelagem. Em 2017, receberam a visita de uma representante da Louis Vuitton, que desejava incluir a Ecolã num dos guias da marca de luxo francesa, destacando a sua oferta.

“Descobriu-nos através da EmbaiXada, no Príncipe Real, onde temos presença em Lisboa. Assim que soube da nossa existência, ficou imediatamente interessada”, revela António. “Pouco depois, começámos a receber imensas chamadas, de pessoas interessadas em conhecer alguns dos modelos que foram partilhados pela jornalista.”

Há cerca de oito anos, a Louis Vuitton previu uma tendência e, volvida quase uma década, não parecia estar enganada. Se, em tempos, o burel era usado apenas para proteger os pastores da Serra da Estrela ou vestir membros das ordens religiosas, o tecido continua vivo e é hoje um marco no mundo da moda.

“O burel urbanizou-se “

Existem poucos “registos detalhados” sobre o início do percurso da marca. Em Manteigas, conhecida como a “Manchester portuguesa” pelas várias fábricas têxteis que laboravam na região, os avós de João Clara começaram a desenvolver esta atividade de forma exclusiva.

“Na altura, as pessoas tinham cerca de três ou quatro teares no interior das casas de habitação”, recorda António. O serviço “fazia parte de desta mancha da Serra da Estrela.”

Apesar do início lento, a segunda geração surge no final dos anos 40, com os pais do atual dono da empresa, e deixou de dar resposta apenas à procura local. “O mercado não era igual ao dos anos 20 e, aos poucos, urbanizou-se o burel”, acrescenta.

A oferta começou pelas mantas, inicialmente consumidas localmente. Mesmo que “ainda não houvesse forma de chegar às outras cidades”, a Ecolã diversificou os padrões, recuperou alguns modelos antigos e chegaram mesmo ao vestuário ou aos acessórios, como mochilas, nécessaires ou chinelos feitos com materiais reciclados.

O burel é produzido a partir de 16 raças de ovelhas autóctones e, enquanto inicialmente apresentava três cores naturais, sendo o castanho a mais comum, a marca começou a introduzir novas cores como parte do seu processo de inovação. “Os italianos preferem cores vibrantes, enquanto os japoneses optam pelos tons tradicionais.”

A oferta expandiu-se.

Outra das estratégias, sobretudo a partir da terceira geração, passou pela ampliação da gama para a decoração ou a acústica. Há clientes que compram o tecido a metro para fazer sapatos desportivos, por exemplo. “Estamos a competir com produtos semelhantes na Europa ou América Latina.”

O catálogo da Ecolã mantém modelos clássicos há cerca de 60 anos. António destaca, por exemplo, um colete masculino, os chapéus tradicionais e uma capa “que se mantém atemporal”. “Recuperámos a jaqueta de trabalho com bolso atrás”, sublinha, enfatizando a valorização de uma linguagem tradicional e da qualidade da matéria-prima.

A lã usada pela empresa tem certificação ecológica. Esta preocupação começa na seleção das ovelhas a tosquiar, alimentadas em pastagens naturais, e estende-se aos processos de tecelagem, que são sempre artesanais. A matéria-prima é cuidadosamente moldada.

Os mercados espalhados pelo mundo

O interesse de clientes estrangeiros é evidente nas duas lojas da Ecolã, na Embaixada do Príncipe Real, em Lisboa, ou na rua Mouzinho da Silveira, no Porto. “Os novos clientes recebem sempre uma breve apresentação para poderem obter um conjunto de informações”, explica António.

No espaço da capital, a Ecolã está presente desde o início da galeria comercial no Palácio Ribeiro da Cunha, em 2013. “Há anos que desejávamos ter uma presença física na cidade. No início, estávamos receosos, mas a localização é excelente e temos uma sólida base de clientes.”

Ao longo destes 12 anos, o espaço tem desempenhado um papel importante na satisfação das necessidades dos clientes, incluindo “produtos personalizados de alfaiataria”. As mantas e as roupas feitas de burel continuam a ser os artigos mais procurados em ambas as lojas.

A preocupação com a transmissão do conhecimento não se limita apenas aos pontos de venda; muitos têm a oportunidade de visitar a fábrica em Manteigas. Desde a tosquia até aos acabamentos, os visitantes podem observar os teares e compreender “como se realiza este processo lento de transformação”, que, em média, leva cinco meses. “É raro o cliente que não faz a visita.”

A loja na EmbaiXada, no Príncipe Real.

Com uma equipa de 24 pessoas, a confeção abrange áreas que vão da tecelagem ao corte. A maioria dos funcionários está na empresa há vários anos, embora a faixa etária tenha diminuído e a mão de obra se tenha tornado cada vez mais estrangeira, devido à dificuldade de fixar trabalhadores na região.

O mesmo se aplica ao público-alvo dos produtos. “Sem exportar, não faz sentido”, afirma António. A internacionalização começou em 1995, na Dinamarca, e atualmente a Ecolã está presente em 16 países, sendo a Alemanha e o Japão os principais mercados. “Em algumas localizações, a lã é posicionada como um produto de luxo, pois é difícil encontrar algo 100 por cento natural.”

O desejo de atrair “clientes mais jovens e conscientes” tem contribuído para a expansão da marca, especialmente no mercado externo. “Temos assistido a uma tendência de crescimento e acredito que continuará nos próximos anos.”

A Ecolã conta ainda com diversos clientes, especialmente na área da decoração, que incorporam o burel em diferentes tipos de produtos. Em Portugal, Lidija Kolovrat é uma das designers que também utiliza este tecido na moda.

Além de clientes particulares, a marca já realizou diversas obras para empresas, incluindo painéis para o Cineteatro da Covilhã e para estúdios de música, e colabora com hotéis, principalmente na produção de mantas e cobertores. “Já recebemos fotografias de peças nossas na Cidade do Cabo, na África do Sul.”

Atualmente, a Ecolã tem quatro unidades hoteleiras, sendo uma das mais conhecidas o Hotel da Fábrica, que resultou da reconversão de uma antiga fábrica de burel, a histórica unidade de produção da Ecolã. O edifício em ruínas foi transformado para homenagear a lã com objetos reais, como lançadeiras.

No ano em que celebra o seu centenário, a marca tem vários planos, incluindo o lançamento de uma coleção com reedições especiais de objetos que fazem parte da história da empresa, bem como novos padrões para mantas e a continuação da sua internacionalização.

“A quarta geração já está a trabalhar”, conclui António, referindo-se a duas mulheres — uma em Lisboa e outra em Manteigas — que “estão atentas ao futuro do mercado.” “A máquina continua a funcionar bem no mercado nacional”, e o futuro da marca continua a ser tecido com fios de lã.

Além dos espaços físicos, as peças da Ecolã estão disponíveis no site. Há propostas a partir dos 30€.

Carregue na galeria para conhecer alguns dos designs.

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