Durante anos, o dia a dia de Raquel Poço era passado entre as paredes de um hospital. A antiga fisioterapeuta, 35, trabalhava numa unidade onde usava a força para ajudar vítimas de AVCs ou de traumatismos cranianos. Apesar da exigência do ofício, sentia-se feliz a ver a evolução dos doentes.
Um dia, a paixão foi travada bruscamente por dores de costas intensas que chegaram sem aviso. O seu corpo começou a ressentir-se até que já não se conseguia mexer. Após uma visita ao médico, descobriu que tinha duas hérnias: “Fiquei dois meses de baixa e nem conseguia andar”, recorda à NiT.
O susto fez a artista perceber que precisava de se dedicar a outra área. Ainda estava a fazer reabilitação quando descobriu o Pilates com aparelhos. O timming não poderia ter sido ser melhor: estava prestes a abrir um curso e a professora sugeriu-lhe fazer a formação. “Posso não ajudar na doença, mas ajudar na saúde”, pensou.
Raquel acabou por se despedir da fisioterapia e passou a ensinar este método a tempo inteiro. Como tinha um horário muito flexível, aproveitava o tempo livre para explorar outros hobbies. “Sempre fiz muitos workshops. Experimentei técnicas como a tecelagem e aprendi a fazer colheres de madeira, por exemplo.”
Tudo mudou em 2017, quando decidiu inscrever-se num curso de joalharia. Era apenas um passatempo, mas as peças que fazia — e que gostava de usar — chamavam à atenção das suas alunas. Nesse Natal, recorda, recebeu imensas encomendas de mulheres que a incentivaram a criar um Instagram.

A criativa começou por produzir peças para os amigos e família, mas a vontade de lançar uma marca ganhou raízes. A Raquel Poço Jewellery acabou por se materializar três anos mais tarde, em 2020, durante a licença de maternidade. Criou o logótipo que se mantém até hoje, lançou o site e nunca mais parou.
“Não tinha a certeza se ia resultar, mas nunca tive receio”, acrescenta, sobre ter deixado o Authentic Pilates para trás. “O percurso continua muito incerto, mas como tinha sempre um backup, arrisquei. Segui a minha intuição.”
“Dá para ver que as peças são minhas?”
Imperfeitas, simples e com um aspeto inacabado. Na árdua missão de definir o seu trabalho, estes são alguns dos adjetivos que Raquel usa para definir as suas criações. Admite que não pensa muito nisso, para explorar estéticas diferentes, mas o ADN do negócio foi surgindo naturalmente.
Em cada coleção, trabalha com prata 925 e com prata 925 com banho a ouro, sendo que é comum reutilizar o metal precioso de coleções anteriores para não haver desperdício. Noutros casos, usa o outro dos clientes e, a partir daí, o material é transformado numa peça totalmente personalizada.
“Dá para ver que as peças são muitas?”, pergunta muitas vezes às clientes. A resposta é, por norma, afirmativa. “Às vezes, mudo imenso o estilo, mas dizem-me que as peças têm sempre um pouco de mim. Gostam do facto de serem mais orgânicas e terem um aspeto tosco e escovado.”

O processo criativo é simples. “Tento fazer sempre algo que usaria, mas há dias em que tenho vontade de arriscar. Ocasionalmente, é importante lançar uma peça que chama à atenção — mesmo que não seja para vender”, diz.
Muitas vezes, regressa a lançamentos anteriores para criar propostas novas com outros pormenores. Outras, inspiram-se em elementos mais abstratos, como formas e cores, ou até nas vertentes do trabalho manual que mais a apaixonam, como a cerâmica ou a tecelagem.
Uma nova casa à portuguesa
A designer de joias abriu o primeiro espaço em nome próprio a 1 de fevereiro. Situado na Rua do Sacramento a Alcântara, em Lisboa, o ponto de venda divide-se em três espaços abertos: uma zona de exposição das peças, o atelier onde trabalha e uma pequena área para realizar workshops ligados ao artesanato.
Raquel já tinha uma pequena loja de 30 metros em Lisboa, que abriu em conjunto com a marca de roupa Byou, em junho de 2021. No entanto, entre ameaças do senhorio e o facto do edifício ter sido posto à venda, a artista foi obrigada a procurar um novo local de trabalho. “Não podia instalar a minha mesa de joalharia em casa.”
Apesar das dificuldades, acabou por encontrar um espaço que a convenceu. No interior, destacam-se os elementos naturais, como a madeira crua, que combinam com as formas e as texturas orgânicas das propostas expostas.

Admiradora confessa do know-how nacional, a fundadora decidiu decorar a loja com trabalhos de colegas e amigos. Todas as mesas foram personalizadas pela marca Tosco, há um candeeiro do artista Silva Sancho e, na montra, são os arranjos florais da Bosque Concepts que saltam à vista.
Raquel também decidiu aproveitar o espaço amplo para vender flores secas, que fazem parte do seu dia a dia. “Quero inserir outras ideias minhas de forma natural”, reforça, mencionando um saco em linho com bordados à mão que chegou à loja no dia da inauguração.
O rumo está traçado, mas os obstáculos no caminho de uma marca pequena surgem diariamente. “O desafio passa pela dificuldade em querer chegar a todo o lado e não conseguir”, conclui. No entanto, quer contrariar a tendência e crescer não só dentro do País, mas internacionalizar a marca. O motor? “Vou apostar tudo o que tenho no digital.”
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