Lojas e marcas

A ilusão da Black Friday. Lojas fazem “promoções à margem da lei”, diz a DECO

Associação avaliou mais de quatro mil produtos e encontrou muitas infrações. Vários estavam mais baratos um mês antes da campanha.
Começa a loucura.

Saldos, Black Friday ou Cyber Monday são termos que aprendemos a associar a oportunidades únicas. Apesar do entusiasmo, cerca de 80 por cento dos consumidores portugueses estão conscientes de que nestes dias, são alvos de práticas comerciais menos transparentes, revela um estudo recente da DECO PROteste, realizado em Portugal e outros países da União Europeia.

Ano após ano, várias marcas aproveitam a euforia para criar autênticos “negócios à margem da lei”, afirma a DECO. Isto significa que, muitas vezes, a redução de preços nas etiquetas não corresponde à realidade. Apenas uma pequena percentagem dos produtos baixam efetivamente de preço.

Para provar isso mesmo, a 1 de novembro, a DECO arrancou com a primeira de duas fases de pesquisa no mercado de produtos para fazer a comparação entre o preço de saldo e os valores anteriores. Durante o mês que culminou com a Black Friday, a 26 de novembro, foram analisados mais de quatro mil produtos de várias categorias.

“Dessa avaliação, encontrámos vários negócios ou promoções completamente à margem da lei, especialmente na área da eletrónica e dos pequenos eletrodomésticos, como televisões, tablets ou smartphones”, revela um porta-voz da associação à NiT. Muitos desses produtos encontravam-se, um mês antes, à venda a preços mais baratos do que o da Black Friday.

“Normalmente, é sobre esses artigos que não temos respostas. As queixas vão-se acumulando ao longo dos dias de campanhas promocionais e o número de reclamações é muito grande”, acrescenta, sublinhando que “ainda é cedo” para ter um número definitivo face a 2024.

O decreto-lei 109-G/2021, promulgado em maio de 2022, determina que as promoções e os saldos devem ser aplicados ao preço mais baixo dos últimos 30 dias. Porém, não é isso que se regista nos espaços onde se são feitas comparações com o preço de venda ao público recomendado.

Antes de 2019, a lei estabelecia apenas que a redução de preço anunciada pelos comerciantes devia ser real e ter como referência o preço anteriormente praticado para o mesmo produto, sem definir o conceito de “preço anteriormente praticado”. A indefinição permitia práticas mais abusivas.

Esta investigação teve início porque a associação de defesa do consumidor recebia, anualmente, centenas de queixas de clientes que reclamavam da subida dos preços dos produtos nos dias anteriores ao período de saldos.

Os resultados da análise da DECO

Como exemplo, a DECO destaca o aspirador-robô da Rowenta RR9077WH, que fez parte de uma promoção que esteve em vigor entre 14 e 18 de novembro. Estava à venda por 359,99 euros, com um preço riscado de 484,99 euros e um suposto desconto de 26 por cento.

No entanto, o valor a que este artigo estava a ser vendido neste dia era 13 euros mais caro face aos 346,99 euros a que tinha estado à venda, também na loja online da Worten, apenas alguns dias antes, a 7 de novembro.

O aspirador tinha um preço riscado de 484,99€.

Outro dos maus negócios encontrados na investigação é o televisor Hisense 75″ Mini-LED 4K 75U8NQ, da campanha “Black Friday FNAC Mais Oportunidades Imperdíveis”, da FNAC, que decorreu entre 11 e 21 de novembro, vendido por 1599,99€.

Ao lado do artigo, o valor anterior apresentado era de 2199,99€. Contudo, a análise revelou que, a 19 de novembro, que nos 21 dias anteriores à promoção, o mesmo objetivo tinha sido vendido por um preço 100 euros inferior ao da campanha, neste caso, esteve a 1499,99€.

Para proteger os consumidores neste tipo de situações, a Deco Proteste tem uma ferramenta de comparação de preços, que também existe em versão mobile, um dos métodos usados nesta pesquisa. A entidade diz-lhe o histórico do valor do produto nos últimos 30 dias e pode ser usada enquanto está a fazer compras.

Há mais de 90 categorias de produtos e 5000 modelos testados. Todos os dias, a DECO PROteste publica mais de 210 mil preços de lojas físicas e 36 mil de plataformas online. Ao selecionar um produto, pode ver qual a loja (física e online) onde poderá adquiri-lo ao melhor preço. 

“Este ano, teve um fluxo muito grande durante o período entre quarta-feira [27 de novembro] e até esta segunda-feira [2 de dezembro]. Está a ter um número muito elevado de visitas, o que é sinal de que os consumidores estão a ir ao encontro das nossas recomendações.”

“Estão praticamente todos à margem da lei”

Embora as infrações sejam transversais a várias categorias, são muito menores em setores como o da moda ou beleza “comparado com a parte tecnológica, que é mais dispendiosa e tem os exemplos mais flagrantes”, sublinha. “É onde estão praticamente todos à margem da lei.”

A DECO afirma ainda que exemplos práticos destas ocorrências, muitas vezes dos folhetos das próprias lojas, foram reunidos num documento e que serão denunciadas à ASAE e à Direção Geral do Consumidor, podendo dar origem a sanções. No final, cabe à autoridade agir se considerar que existe razão para isso.

Nas vendas digitais, embora menos comum do que nos pontos de venda físicos, também surgem algumas infrações. “À partida, será mais barato porque não há tantas despesas com funcionários, mas também há mais riscos porque não estamos a ver o que vamos comprar.”

A associação frisa ainda que as pessoas devem fazer o trabalho de casa antes de uma Black Friday. “Se as pessoas querem uma televisão e não compram porque é muito cara, quando começam os saldos já sabem quanto é que ela custava. É sempre estranho se a promoção é demasiado alta.”

Há quem fale, por exemplo, na regra dos 10 segundos. É simples: estamos perante um produto que queremos comprar, refletimos durante um curto espaço de tempo e evitamos compras impulsivas.

“A Black Friday pode ser uma boa oportunidade e fazem-se ótimos negócios, mas as marcas aproveitam-se da onda”, conclui. “O objetivo é que os consumidores acabem por agir por impulso e acabam por comprar apenas por se mencionar um desconto, independentemente de qual é.”

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