Após a morte do pai, Francisco Soares foi incentivado pela mãe a fazer terapia. Apesar da persistência da progenitora, o jovem de 26 anos descartou logo a ideia. “Assumi que não precisava, porque era um sinal de fraqueza. Tinha de ser forte”, conta à NiT, destacando a pressão que sentiu por ser o mais velho de três irmãos.
Em 2018, deu por si a entrar numa espiral de ansiedade. Nesse ano deixou de conseguir dormir, só concluiu uma unidade curricular da licenciatura — estudava gestão de informação, na NOVA IMS — e o problema foi-se arrastando até entrar em depressão. “Não tinha coragem de dizer que precisava de ajuda.”
Só no ano seguinte é que, por fim, cedeu ao pedido da mãe. Aos poucos, começou a melhorar. “Lembro-me de estar numa sessão e sentir-me tão apaixonado pelo processo que pensei: um dia quero ter um impacto positivo nesta área”, recorda. “Olhava para os números assustadores de suicídios e ninguém abordava o tema.”
A porta para falar sobre o assunto abriu-se 2020, com os primeiros alertas da COVID-19, que desesperou os portugueses. Numa altura de aflição para muitos, a Ivory nasceu para alertar para os problemas de saúde mental, recorrendo a peças de roupa e acessórios. Tratam-se de pequenos lembretes estampados que abordam o bem-estar, a empatia e o amor-próprio entre outros temas.
Francisco começou sozinho, mas o irmão Afonso juntou-se rapidamente ao projeto. Na primeira linha, #FlattenTheCuve, doavam 100 por cento dos lucros para instituições. O objetivo era apoiar causas importantes através das cores nas peças: o mostarda, por exemplo, protegia o elefante asiático que deu nome ao projeto — estavam ameaçados devido ao comércio do marfim (“Ivory”, em inglês).
No entanto, o foco manteve-se na saúde-mental. “O que gostaria de ter visto ou sentido na pior fase da minha vida?”, questionou-se Francisco. E começou a pensar numa série de mensagens que podiam tocar as pessoas. Para o jovem, era a forma mais fácil de gerar receitas para sustentar a linha de apoio que ambicionava criar.
“Quero que o que comunicamos seja o mais humano possível. Se sinto algo, sei que há muitas pessoas que se vão identificar comigo”, diz. “O que comunicamos é muito real. Os seres humanos são todos diferentes, mas muito iguais ao mesmo tempo.”
A prova mais recente é a camisola na qual se lê, em tradução livre, “pensamos demasiado porque nos preocupamos com tudo”. Quando a peça foi lançada, o cofundador atravessava uma fase em que lidava com pensamentos intrusivos — ficava sentado à frente do computador, até de madrugada, a duvidar das suas capacidades. E foi importante exprimir aquilo.
“Todos os que conheces estão a travar uma batalha que desconheces. Sê bondoso. Sempre”, pode ler-se num dos bestsellers, numa imagem partilhada por Madalena Abecasis no Instagram a 9 de fevereiro. A expressão, à semelhança dos demais apelos sensíveis, estão gravadas em T-shirts, sweatshirts, tote bags, bonés e capas para telemóvel.
Uma peça, uma sessão de terapia
Na compra de uma das peças da marca, é oferecida aos clientes uma consulta de terapia online. “Quando chegámos a uma fase em que já tínhamos criado uma comunidade, faltava a segunda fase. As pessoas sabem que precisam de ajuda, mas vão onde? É difícil sentarem-se ao computador a pesquisarem psicólogos para tratarem um problema específico.”
A iniciativa da Ivory surgiu para dar oportunidade aos clientes — ou flowers, como são carinhosamente apelidados — de iniciar o processo terapêutico “de forma fluida e natural”. Após a encomenda, cada pessoa recebe o convite por e-mail para a sessão com um dos profissionais que colaboram com a marca.
Neste momento, podem ser atendidos pelos psicólogos clínicos Raquel Martins, Sara Moniz e Tiago Moderno, que podem continuar a atendê-los após da primeira consulta. Se existir esse interesse, o acompanhamento online pode continuar por 40€ por cada sessão, um valor que visa democratizar o acesso à terapia.
“O número de sessões tem crescido tanto nos últimos meses que, neste momento, estamos à procura de um quarto profissional”, refere. O programa começou no final do ano passado, com um psicólogo que acreditou no projeto. A partir daí, graças à estabilidade do negócio, começaram a recrutar outros especialistas que candidataram entretanto.
O impacto da marca reflete-se nas centenas de comentários que Francisco recebe diariamente. Quando os clientes fazem uma encomenda, podem deixar uma nota. Apesar do limite de caracteres, muitas aproveitam a oportunidade para partilharem as suas histórias — e o fundador guarda as que mais o sensibilizaram.
É o caso de Sofia [nome fictício], que foi diagnosticada com uma doença nos rins. A jovem passou a depender da diálise e precisou de ser transplantada. Apesar da roupa esconder o cateter, admite na nota que a solidão que sentiu durante o processo não foi fácil de enfrentar.
“Tive duas consultas de psicologia obrigatórias de psicologia que faziam parte do processo e nada mais”, pode ler-se na mensagem à qual a NiT teve acesso. “Quando vi estas sweats, chorei e senti-me menos sozinha. Realmente cada pessoa tem os seus problemas e ninguém sabe.”
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A luta pela saúde mental nas empresas
Para todos os que querem ver as peças da Ivory pessoalmente, a marca arrancou 2024 com diversos mercados pela capital. Do LX Factory todos os domingos, à Avenida da Liberdade, passando pela Graça, são mais do que um ponto de venda. “Os estrangeiros que nos encontram levam esta mensagem para os seus países. Às vezes até perdemos dinheiro, mas são formas de nos dar a conhecer.”
Recentemente, uma empresa norte-americana iniciou o processo de fornecer o acompanhamento terapêutico da etiqueta nacional aos seus colaboradores. A oportunidade surgiu por meio de uma cliente que se cruzou com um destes eventos e levou o conceito do projeto para os Estados Unidos.
Este é um dos motivos para terem colocado a procura por um ponto de venda físico em stand-by. Com a abordagem de empresas que querem implementar este serviço de terapia, os fundadores estão focados em criar um high business program, que “ainda é um mercado a explorar” dentro e fora de Portugal.
Porém, ainda há um objetivo mais ambicioso a cumprir. “Queremos abrir um hub de saúde mental em Lisboa, com uma loja, museu e um espaço para as sessões [de terapia]”, conclui. É a fase final — pelo menos, por enquanto — do sonho que Francisco esboçou numa folha A4: unir todas as componentes da sensibilização e do acompanhamento num espaço seguro para todos.
Todas as peças da Ivory estão disponíveis no site da marca com preços entre os 9€ e os 89€.
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