“A rua adora-me e eu gosto muito de todos”. Filipe Viegas é um velho conhecido dos vizinhos da Rua dos Lagares, onde acabou de inaugurar a Mille Fleurs. O espaço, que nos anos 40 funcionava como armazém de bananas na Mouraria, é agora o lar de várias espécies de plantas e flores. O negócio abriu as portas a 5 de novembro e baseia-se num conceito que pode soar estranho a alguns: é uma florista sustentável.
A rua não é um local de passagem habitual de turistas, “mas a partir de janeiro irão ser mais”. Ainda assim, quem passa à frente da nova florista do típico bairro lisboeta não fica indiferente. Quem o garante é Filipe Viegas, o proprietário de 48 anos. “Uns param, olham, cheiram e até há quem tire algumas fotos”. Por fora, o espaço parece estar em ruínas, mas quem entra depara-se com um cenário bem diferente: “é um pós-apocalíptico, onde a natureza invadiu a arquitetura”, confirma à NiT.
O processo de alteração do espaço, que Filipe ainda considera incompleto, não foi, contudo, assim tão fantasioso. Desde um desodorizante dos anos 80, a móveis e tralha de antigas drogarias, o armazém guardava todo o tipo de tralha. “Foi um mês inteiro a descarregar entulho”. O trabalho árduo provocou muitas dores nas mãos ao empreendedor, que ainda não as esqueceu.
Porém, não se deixou intimidar e em “tempo record” abriu a Mille Fleurs. “Tinha de ser, não podia esperar”, assegura. A partir de um dos móveis que lá ficou, construiu uma estrutura para as orquídeas, e deu novo uso a vidros e gavetas abandonados. Aberto há duas semanas, o espaço vai continuar a evoluir — “falta a pedra na bancada, por exemplo”. Nada que preocupe Filipe, uma vez que não procura a conclusão definitiva do processo. “O melhoramento é eterno”, diz-nos.
Engana-se, contudo, quem pensa que se trata de mais uma história de realização de um sonho de miúdo. É o concretizar de um desejo, sim, mas que surgiu recentemente. “Sempre gostei de comprar flores para ter em casa, apenas isso.” Só com a pandemia, conta à NiT, é que Filipe quis “mudar de vida”.
Estudou arquitetura — onde conheceu e se tornou amigo do ator Vítor Gonçalves —, trabalhou no mundo performativo, da dança contemporânea e da produção e passou até por Roma. No cenário pandémico, viu os espetáculos a serem cancelados e pensou ser “uma boa altura para desenvolver um plano B”. Afinal, “trabalhar nesta área pode tornar-se desgastante e é pouco remuneratório”. Com “pouco a perder” decidiu, em 2020, participar num curso de técnicas base na Florista Isis na Avenida Almirante Reis, em Lisboa.
O processo de aprendizagem foi quase como aprender uma dança. “Repete-se e repete-se até que a técnica entra no corpo”. O início, confessa, “foi difícil e desafiante”, mas bastante gratificante. “Quem pensa que é fácil só de olhar para as floristas que se mexem com destreza está bastante enganado. Essas são as pessoas que conhecem a arte desde sempre e que já é natural para elas”.
O gosto ficou e voou até Nova Iorque para fazer um curso intensivo de um mês de design floral e instalações aéreas. Diz que a experiência foi completamente diferente, mas nem por isso menos enriquecedora. “Ali, ao contrário do que aconteceu em Lisboa, houve pouco espaço para a repetição.” Quando regressou a Portugal, a vontade de contribuir para a sociedade surgiu noutra forma: “percebi que queria mesmo abrir uma florista”.
Na altura, já tinha criado a marca e utilizava o Instagram para a divulgar entre os amigos e conhecidos. Também já utilizava uma parte do piso térreo do prédio número 10 da Rua dos Lagares para fazer alguns trabalhos. “Só mesmo a entrada, porque o resto estava cheio e faltava-me o dinheiro necessário para avançar com outra coisa.”
Uma conversa com o amigo Vítor (de 50 anos) tornou esta ideia que não passava ainda de um desenho da sua mente num negócio com alicerces. “Metemos mãos à obra e passado um mês é este o resultado: uma casa muito bonita”, afirma, desculpando-se pela pouca modéstia.
Quem lá entra valida a sua opinião. De janelas e porta abertas, o chão é de pedra e as paredes e o teto foram deixados em bruto. As plantas são escolhidas a dedo e as flores são de grande qualidade. O espaço é fora do comum, mas o que deixa os clientes impressionados são os bouquets (a partir dos 25€) que aguentam duas semanas. Um motivo que leva muitos a regressarem à Mille Fleurs.
“Por ser a única florista da zona”, os vizinhos já o conhecem e Filipe faz questão de ter plantas ao estilo dos moradores da mouraria: “espécies mais clássicas”, que contrastam com as eleitas pelo empreendedor.
Através de rosas, orquídeas, frésias, eufórbias, gipsófilas ou plantas envasadas — o criativo “busca a beleza” e o importante é que o público a aprecie. “São tantas, tão diferentes, bonitas e especiais à sua maneira”, explica. E continua: “É este lado diferente e único que torna a Mille Fleurs um espaço mágico, que as pessoas não estão à espera de encontrar na Mouraria”.
Aqui, a sustentabilidade é um ponto que importa. Em vez da tradicional e poluente espuma de suporte dos caules, que já estamos habituado a ver nas bases dos arranjos florais, Filipe privilegia uma alternativa biodegradável, feita num material de origem vulcânica nos Países Baixos.
Os inevitáveis plásticos que embalam as flores que chegam vão parar à reciclagem e as criações da Mille Fleurs saem com substitutos amigos do ambiente. “Sei que pode ser uma gota de água num oceano, mas tento sempre sensibilizar os visitantes para que adotem práticas mais sustentáveis.”
No espaço aberto de segunda a sábado, além de “joias da natureza”, ainda se podem encontrar peças de artesanato contemporâneo português. Alexandra Ferreira, Ocactuu, Projecto Tasa, Heir Ceramics, Projecto Vicara e Maria Caetano — são os artesãos que têm peças expostas ao fundo do atelier. Foram escolhidas pelo dono para conquistarem os turistas que estão de passagem e “perdidos por Lisboa”.
Por enquanto, Filipe Viegas também aceita encomendas online e faz entregas, mas continua a reforçar a importância dos futuros clientes visitarem o espaço para que admirem a sua beleza. O seu principal objetivo é receber cada vez mais pessoas na Mille Fleurs.
Carregue na galeria para ficar a conhecer melhor este tesouro escondido num dos bairros mais icónicos da capital.