Quando Jéssica João foi desafiada, pela primeira vez, a criar um fato masculino, em 2024, não imaginava as dificuldades que a esperavam. Até então habituada a fazer apenas vestidos, sentiu-se desiludida com o resultado final e decidiu trabalhar até conseguir dar resposta a este pedido.
Nos meses seguintes, o Voil Gallery, em Leiria, encheu-se de esboços de blazers, calças e coletes. “Percebemos que precisava de um alfaiate que nos conseguisse transmitir todo o conhecimento necessário”, explica à NiT a designer, que se começou a apaixonar pelo mundo da alfaiataria.
A partir daí, começou a mudar o foco do atelier, que Jéssica e as sócias, a costureira Anabela Jordão e a designer Vanessa Neves, fundaram em 2023. “Aliámos a nossa experiência para criar este espaço do zero, sem nenhum tipo de investimento”, acrescenta a jovem, que se formou em design de moda, em Castelo Branco. “A nossa formação era mais conceptual e faltava-nos um certo know how.”
A procura por um alfaiate revelou-se desafiante, afinal, há cada vez menos procura por este ofício — e são escassas as escolas de alfaiataria. As criativas levaram alguns meses até se cruzarem com Jorge Cardoso, o mestre que lhes ensinou tudo e que se juntou à equipa, juntamente com a costureira do atelier.
Convictas de que “um fato é muito mais do que parece”, Jéssica, Vanessa e Anabela transformaram o Voil Gallery num atelier de alfaiataria feita à medida. Após os fatos masculinos, surgiu uma nova missão: “mostrar que Portugal pode liderar este segmento no mercado do luxo mundial”, afirma Jéssica.
“Quando criámos os nossos primeiros coordenados para homens, decidi criar também um fato para mim. Era algo super simples, não tinha um estilo muito específico mas identifiquei-me logo”, continua a fundadora. “Fui percebendo que havia um público muito interessado nesta oferta e que devíamos continuar.”
Desde então, o Voil Gallery tem vindo a captar a atenção de várias mulheres “que ocupam cargos de importância”, desde o setor bancário a advogadas. Foi através do desafio de uma destas clientes habituais, que queria “algo especial para o seu aniversário”, que Jéssica criou “a peça feminina mais exclusiva já feita no País”.
“Um ícone raro na alfaiataria”
“Disse que queria algo em grande, então fomos buscar uma das melhores marcas mundiais”, refere. No caso, usaram um dos tecidos mais exclusivos da famosa Scabal, composto por uma mistura nobre de seda e lã em tom verde com fios metalizados “que captam a luz de forma sublime”.
Segundo a designer, um tecido da empresa têxtil belga pode atingir os 10 mil euros por metro. Para este “ícone raro na alfaiataria”, utilizaram um metro e meio de um têxtil que ronda os 700€ por metro apenas para fazer o blazer.
O interior foi todo personalizado com fio dourado e foi usado um kit de botões da britânica Holland & Sherry que podem rondar os 300€, visto que são feitos à mão.“Há sempre um grande trabalho manual na parte de dentro, muitas vezes com crinas que são aplicadas manualmente seguindo as regras da alfaiataria.”
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O atelier colabora com várias marcas que se complementam entre si, juntando as melhores matérias-primas europeias. Destacam-se referências como, por exemplo, a Drapers, a Sidogras ou a Vitale Barberis. “São marcas que precisam de ver o atelier para avaliar a nossa capacidade de trabalhar com elas.”
À primeira vista, parece formal, associamos a certas profissões, mas não. Um fato é uma peça que transmite uma mensagem — respeito, autoridade e confiança — e muitas pessoas não têm noção disso. Uma mulher a vestir fato alia características femininas muitas vezes associadas a algo mais masculino, uma atitude de poder.
O atelier segue rigorosamente as tradições da alfaiataria Bespoke, ou seja, o trabalho feito 100 por cento à medida. Assim que o cliente chega, são logo tiradas as medidas e, da modelagem à confeção, tudo é criado à mão para criar uma silhueta “que encaixa perfeitamente no corpo da pessoa”, refere. Normalmente, o processo pode durar até quatro semanas.
“Em Portugal, sobretudo no mercado feminino, não há muita gente a trabalhar e a valorizar esta arte”, sublinha Jéssica, que acrescenta que um casaco pode atingir os 1.500€. “Mas também produzimos camisas com tecidos que permitem fazer um valor mais acessível.”
O futuro da Voil, cujo nome faz referência a um tecido leve, passa também pelo estrangeiro. Em janeiro, a equipa foi à Pitti Uomo, uma das maiores feiras têxteis italianas, para mostrar o trabalho que tem vindo a ser feito. “Foi a maior loucura da nossa vida.”
Agora, conclui Jéssica, o objetivo passa não apenas por dar mais visibilidade a este segmento, mas conseguir alargar a equipa. “Queremos aumentar a nossa capacidade de resposta a um cliente que continua a crescer, dentro e fora do País. E queremos fazê-lo com gente que tem paixão pela alfaiataria.”
O Voil Gallery funciona sob marcação e os agendamentos podem ser feitos através da página de Instagram da marca.
Carregue na galeria para ver alguns exemplos dos fatos criados pelo atelier.
