De um momento para o outro, estava por todo o lado. As peças começaram a saltitar pelos anúncios nas redes sociais, explodiram no TikTok e acabaram nas ágeis mãos dos influencers, hábeis em transformar algo num verdadeiro fenómeno.
Giras, baratas e com uma torrente de variedade absolutamente avassaladora, as peças da Shein atiraram para um canto o encanto das fast fashion do costume. Para quê comprar na Zara quando há peças iguais a preços ainda mais baixos? O apelo cativou portugueses e clientes em 220 países para os quais a marca envia — ela que abdica do modelo tradicional de lojas físicas — e a euforia bateu recordes.
Em maio, a aplicação da Shein destruiu o recorde da Amazon no top de 152 dias seguidos como a aplicação mais procurada. Conquistou o topo em mais de 50 países.
Chamam-lhe a estrela do fast fashion 2-0, uma espécie de ultra fast fashion que debita looks e peças a uma velocidade inigualável. Num dia, revela a “Bloomberg”, a aplicação da Shein chegou a lançar mais de seis mil novas peças. Uma oferta que vai de encontro à procura desenfreada dos millenials mais jovens e da geração Z.
Isto é o que se sabe. O que não se sabe sobre a Shein é ainda mais fascinante. Números há poucos e têm origem em fontes não oficiais. A confirmarem-se, serão verdadeiramente impressionantes.
Segundo a “BuisnessofFashion”, a empresa chinesa registou mais de oito mil milhões de receitas em 2020, o sétimo ano consecutivo com crescimentos acima dos 100 por cento, isto desde a sua reformulação em 2014. Mais: segundo o SimilarWeb, é a página de moda mais visitada em toda a Internet.
A verdade é que uma marca tão jovem conseguiu, em pouco tempo, dar luta às gigantes que inventaram todo o negócio da fast fashion. Os alertas vermelhos começaram a apitar na sede da Zara e das suas parceiras. E o mais misterioso: ainda ninguém conseguiu perceber muito bem qual é o segredo do sucesso da Shein.
A fórmula Shein
Faça o seguinte exercício mental: um anúncio na web alicia-o com peças de roupa a preços ridiculamente baixos; o site oficial não tem email, telefone, morada de sede ou qualquer informação que não possa ser replicada de outra loja qualquer; e não tem a segurança de poder deslocar-se a uma qualquer loja de rua. Confiava e fazia a compra ou fugia sem olhar para trás?
Por outro lado, é difícil contornar o facto de que a marca de roupa chinesa garante a sua credibilidade ao lado não só de influenciadores mas de celebridades como Katy Perry e Nick Jonas, com quem lançaram várias colaborações. Aos poucos, a Shein estabeleceu-se.
Passou por vários eventos de moda — incluindo a Semana de Moda de Paris — e até tem lançado pequenas lojas pop-up. Há até um plano para que uma delas chegue ao Porto, já em 2022.
Pouco se sabe sobre o modo de fabrico das peças, quem comanda o leme da empresa ou como conseguem preços tão baixos. Mas para o seu público, isso é o menos importante. Nada bate a possibilidade de criar combinações rápidas, giras e baratas entre os quase mil looks lançados por semana. Looks completos que, muitas vezes, não ultrapassam os 100€.
Entre tantas facetas desconhecidas e obscuras, há pelo menos uma na qual a Shein não se preocupa em ser totalmente transparente. O uso de parcerias com influenciadores é constantemente promovido, com promessas de ofertas a quem publicitasse as suas peças.
No seu site oficial pede-se até que todos os interessados no seu “programa de influencers” enviem emails de forma a que recebam e promovam os looks Shein nas suas redes sociais. É uma espécie de máquina de fast fashion em esteroides, potenciada pela loucura consumista do mundo dos influenciadores.
O segredo da Shein é, contudo, menos glamoroso — e envolve uma complexa máquina de logística dirigida por um homem até aqui desconhecido.
O CEO desconhecido
O sucesso não foi tão meteórico quanto poderia parecer à partida. Os primórdios da Shein remontam a 2008, altura em que vendia vestidos de casamento produzidos na China e enviados diretamente para os Estados Unidos. Apresentava-se sob a marca SheInside, reformulada em 2014 para a mais simples Shein.
Durante vários anos, o criador manteve-se nas sombras, até que o crescimento explosivo tornou impossível o anonimato. O empresário chinês Xu Yangtian, também conhecido por Chris Xu, acabaria por dar a cara mas poucas ou nenhumas entrevistas ou esclarecimentos.
Longe de ser um especialista em moda ou retalho, Xu é, segundo a “Vox”, um hábil marketeer com um dedo para manobrar os motores de busca. Terá sido esse conhecimento que lhe permitiu criar uma fórmula vencedora para o seu negócio online, já desde os tempos da SheInside.
Se então a marca se limitava a revender produtos fabricados em Guangzhou, a transformação em Shein trouxe toda uma nova abordagem. Xu terá começado a montar a sua própria máquina de produção e distribuição.
A política de aposta nas redes sociais e nos influenciadores já estava em marcha. Rapidamente a Shein começou também a criar os seus próprios modelos e, em 2010, expandiu o seu mercado para lá dos Estados Unidos, agé chegar a Espanha, França, Itália e Alemanha, onde vendia roupa, cosméticos e joalharia.
O mercado ocidental foi e continua a ser o seu mercado alvo, ao contrário de muitas marcas chinesas que, depois do sucesso nacional, procuraram a expansão internacional. A Shein vende-se como uma marca internacional, ocidentalizada, e não como uma marca chinesa. Esse é também um dos segredos do negócio.
“As marcas chinesas ainda não têm competitividade ou capacidade para criar uma marca”, explica o fundador da Meetsocial, que trabalha o marketing das redes sociais da Shein, em declarações à “Bloomberg”.
Entre 2016 e 2016, a marca avançou para a derradeira transformação. Com uma equipa de mais de 800 designers, a Shein conseguia finalmente produzir peças a um ritmo elevado, à medida que ia escolhendo os melhores fornecedores. A campanha de publicidade atacou em força o mercado norte-americano, da televisão às redes sociais. O resultado não tardou em chegar.
A máquina bem oleada
O mundo da Shein é uma espécie de casa de apostas de moda em tempo real. Pelo menos é dessa forma que o analista de tecnologia chinesa Matthew Brennan a descreve à “Vox”. “Cada nova peça é uma aposta, porque a Shein consegue avaliar a performance de um produto, mas só tem a certeza quando ele vende”, explica.
É um pouco assim que funcionam também as suas concorrentes, as mais tradicionais como a Zara, mas também as mais novas como a Asos. O truque passa por ter a capacidade de fazer mais apostas do que elas, mas com riscos reduzidos.
Por exemplo, contrariamente às concorrentes, a Shein faz lotes iniciais com muito poucas unidades, por vezes menos de 100. Se não venderem, a sua vida termina. Se as vendas dispararem, a Shein tem a capacidade de acelerar a produção como ninguém, para ir de encontro à procura.
Porque nasceu e cresceu entre as gigantescas cidades de produção chinesas, a Shein mexe-se como ninguém. De acordo com a “Bloomberg”, que cita documentos oficiais da empresa, uma das exigências é que nenhum dos fornecedores esteja a mais de cinco horas de distância de carro do seu centro logístico.
Mais: os fornecedores têm que ser capazes de completar o desenho e a produção das unidades em 10 dias. Um tempo que bate as famosas três semanas da Zara, já por si impressionantes.
A outra faceta desta máquina está no mundo digital, onde a Shein compila todos os dados que possam indicar para onde ser irão mover os interesses do seu mercado, que peças, tecidos ou tendências vão disparar. Depois, basta ter confiança na eficiência e rapidez da máquina para colocar as peças o mais depressa possível na montra digital.
Os dados, esses são processados por tecnologia própria da Shein, que depois entrega aos fornecedores que tecidos ou que peças são mais procuradas pelos utilizadores da aplicação.
A velocidade sem igual já valeu à Shein o título de criadora da “moda em tempo real. “Se algo funciona, eles descobrem-no rapidamente. Se algo falha, só gastaram dinheiro num par de centenas de unidades”, explica à “Bloomberg” Michael Horowitz, especialista em logística.
Para lá da destreza logística, houve um pequeno fator fortuito que contribuiu e muito para o sucesso da Shein: a guerra comercial entre EUA e China. Contas à parte, enquanto as grandes marcas viam as suas enormes encomendas vindas da China para os Estados Unidos pagarem taxas penalizadoras, a Shein aproveitava o facto de ter um negócio assente na venda direta ao consumidor. As pequenas encomendas vindas da China estavam, então, isentas destas taxas e, durante três anos, a Shein aproveitou-se desse facto — algo a qual as grandes marcas assentes em lojas físicas não conseguiam escapar.
O lado negro da Shein
A Shein faz o que faz depressa, mas será que o faz bem? Muitos têm dúvidas. Basta percorrer as publicações da marca no Instagram para encontrar dezenas de clientes furiosos com encomendas cobradas, perdidas e que foram desaparecendo pelo caminho. A falta de um apoio ao cliente expedito é também outro foco das críticas.
Multiplicam-se online os relatos não só de encomendas que nunca chegaram ao destino, mas de pequenos defeitos, respostas automáticas do apoio ao cliente e obstáculos intransponíveis colocados no momento de devolver as peças e obter o devido reembolso. Não é tudo.
O processo “criativo” das centenas de designers da Shein tem sido colocado em causa pelos sucessivos casos de plágio, um deles envolveu mesmo uma criação portuguesa. Lara Luis, de 34 anos, deparou-se com um desenho seu estampado numa T-shirt da Shein.
A portuguesa tentou reclamar, mas deparou-se com as mesmas queixas feitas por outros clientes: ausência de resposta ou, quando elas chegavam, vinham em formato automático. A peça acabaria por ser removida, mas Lara nunca recebeu qualquer tipo de resposta ou justificação.
O seu caso não foi único. Já em 2018, a Shein copiou descaradamente um desenho da marca Valfré. Noutro tipo de polémicas, muitos dos seus produtos acabaram por tornar-se virais pelos piores motivos: de um colar com uma suástica a um tapete de prece muçulmano usado como decoração. O plágio e a insensibilidade são recorrentes, mas raramente produzem outro resultado que não a simples remoção do produto da montra digital.
A falta de transparência continua a ser uma das imagens de marca da Shein, que continua sem dar resposta aos inúmeros pedidos de esclarecimento. Numa altura em que as marcas de fast fashion são encostadas à parede por muitos clientes preocupados com as condições desumanas em que por vezes são fabricadas as peças, a empresa chinesa escapa a todas as perguntas.
As acusações de uso de trabalho infantil permanecem, por enquanto, por provar, à medida que todas as polémicas e críticas são engolidas pela máquina de produção a alta velocidade. Resta saber se a previsão cataclísmica feita pelos investidores em outubro se torna realidade. “A Zara é um player antigo que vai ser esmagado pela fast fashion 2.0.”