Em 1933, numa fábrica de chapéus — e não de sapatos, curiosamente —, começou a ser escrita a história da primeira marca de sapatilhas nacional. Os modelos da Sanjo eram produzidos em São João da Madeira, no distrito de Aveiro, e o nome da etiqueta surgiu em homenagem à cidade que a viu nascer.
Desde então, o negócio passou a ocupar um lugar especial no coração dos portugueses. Entre os anos 20 e 70, todos sonhavam ter aqueles modelos memoráveis em lona que desapareceriam no final do século. Desde o regresso, em 2019, temos assistido à sua reinvenção.
No ano em que comemora o 90.º aniversário, a marca tem novos motivos para festejar. A primeira loja física da Sanjo abriu a 30 de novembro no coração do Bairro Alto, em Lisboa. Os bestsellers da etiqueta surgem imersos num espaço em tons de azul com 40 metros quadrados.
“Mais do que uma loja, tínhamos a vontade de abrir um espaço que fosse a casa da marca. Não é apenas um ponto de venda”, conta à NiT Vitor Costa, diretor criativo do projeto. E aceitaram o convite da multimarca Sky Walker (SKWR), um dos seus clientes, para renovarem uma porta ao lado.
O espaço acolhe todos os modelos assinados pela Sanjo, desde os mais conhecidos — como os icónicos V100 ou K200s — às novas coleções, passando pelas colaborações e lançamentos espontâneos. Nos últimos tempos, os responsáveis lançaram ainda uma linha de vestuário, propostas infantis, uma fragrância e até uma coleção de acessórios.
Quem entra na nova morada, depara-se com um universo 100 por cento monocromático. A paleta é inspirada “no diálogo entre o azul do céu e as ruas carregadas de personalidade do Bairro Alto” e marcada por detalhes industriais, como os metais, presentes nos vários espaços pop up da etiqueta.
“Escolhemos as cores para criar a ilusão que os sapatos e as roupas estão a flutuar. É uma forma de fortalecer o produto”, acrescenta. “Era importante ter pouco ruído a nível dos tons ou dos móveis. O objetivo é mostrar e falar sobre a cultura da marca com quem nos visita.”
E não havia melhor localização do que “este bairro tão especial”, marcado por uma “forma muito própria de estar” que se conecta com o ADN da marca. Da cultura urbana ao skate, a marca foi-se “afastando da nostalgia e está a falar com públicos novos”. Agora, querem “criar a nova cultura portuguesa”.
Se muitos negócios têm iniciado a sua digitalização, a Sanjo seguiu o caminho inverno: deram-se a conhecer no digital e chegou a altura de apostarem no retalho físico. “Temos uma comunidade de pessoas que gostam dos nossos produtos e das nossas campanhas que estão à nossa procura.”
A pensar neste público cada vez maior, e com cada vez mais rostos jovens, há mais lojas a caminho, seja no Porto ou noutras cidades espalhadas pelo País. “Não queremos centralizar a marca”, diz. Afinal, é para todos os portugueses — e assim tem sido desde o início.
O percurso da Sanjo
Lançada em 1933, pelas mãos da Companhia Industrial da Chapelaria, uma empresa que se dedicava (até então) a produzir chapéus, a marca nasceu num país fechado ao mundo exterior. Durante décadas, o seu modelo desportivo tornou-se no par de eleição de todos os portugueses. Dificilmente encontrava alguém que não tivesse um exemplar no armário.
Com a queda da ditadura, em 1974, a Sanjo não foi capaz de fazer face à concorrência e a empresa acabou por encerrar a atividade cerca de 20 anos depois. Em 2010, a marca fez a sua primeira tentativa de retorno e mudou a produção de Portugal para a China. No entanto, esta estratégia fez com que a qualidade dos produtos baixasse e o relançamento caiu por terra.
Nos últimos quatro anos, a missão passou por limpar a imagem deixada pelo seu anterior dono. Devido ao legado tão vincado, a nova administração tentou trazer muitos elementos da Sanjo antiga, com um arquivo tão rico. Quando foram criados os modelos skater, em território nacional, a aceitação dos clientes foi muito positiva.
Em fevereiro de 2022, Vitor Costa explicou à NiT as dificuldades da empresa: “Costumo dizer, quase em tom de brincadeira, que a Sanjo é um velhinho com quase 90 anos que foi muito maltratado”. Apesar de notar algum mal-estar no início desta nova vida, acrescenta: “A partir do momento em que fizemos o primeiro editorial, a nossa imagem passou a ser mais cuidada”.
Após participarem em várias feiras internacionais, e com presença em vários espaços multimarca e centros comerciais, a Sanjo tem reforçado a sua imagem como uma marca conhecida pelo seu estilo cool, sporty e descontraído. Mas dando uma nova roupagem aos clássicos, como opções em bombazine ou burel, por exemplo.
No início deste ano foram ainda mais longe e deram os primeiros passos na internacionalização. Atualmente, já estão presentes em Espanha, França, Itália Bélgica, Holanda, Suécia e, mais residualmente, na Alemanha.
“Estivemos focados no mercado ibérico. Quando comprámos a marca, foi esta a nossa abordagem”, conclui. Porém, o sucesso leva os atuais proprietários a lançarem terem ambições cada vez mais altas: “O objetivo é levar os modelos aos quatro cantos do mundo”.
Até lá, os clientes portugueses já têm uma casa da marca em Lisboa para visitar. Carregue na galeria para ver mais imagens da primeira loja da Sanjo.