Lojas e marcas

Sofia criou uma marca de máscaras transparentes para ajudar a comunicação dos surdos

A atriz portuguesa começou a perder a audição aos 14 anos. Durante a pandemia, percebeu que os equipamentos de proteção dificultavam o dia-a-dia.

Sofia Mirpuri, de 27 anos, não nasceu com qualquer tipo de incapacidade auditiva. No entanto, por motivos que até hoje não puderam ser explicados, começou a perder a audição aos poucos quando tinha 14 anos. Hoje, a sua situação estabilizou, mas ouve apenas cerca de 40 por cento em cada ouvido e usa aparelhos auditivos para facilitar a comunicação.

“Como é natural, estando em plena adolescência quando tudo começou, a perda de audição criou-me algumas inseguranças”, começa por recordar em entrevista à NiT. Durante muito tempo, viveu com o medo perder totalmente a audição a qualquer momento e sentia-se sozinha por não conhecer ninguém que estivesse a passar por uma situação parecida.

As deficiências auditivas são um problema invisível que levanta desafios difíceis de explicar a quem não as tem. Ser atendido numa loja, na farmácia, no banco, nos correios ou num restaurante. Ir ao médico ou a uma entrevista de emprego. Participar numa reunião, perceber o professor nas aulas ou pedir informações. São tudo exemplos de situações simples para qualquer pessoa comum que, para quem não ouve, se complicam. As características da pandemia só as vieram agravar: “A mais elementar interação social torna-se hoje, para muitos, um verdadeiro obstáculo a uma das mais básicas necessidades do ser humano: a comunicação.”

Durante a pandemia, Sofia apercebeu-se de uma dificuldade sem quaisquer precedentes: a comunicação com o uso obrigatório de máscaras de proteção. Depois do primeiro confinamento no nosso País, sentiu a necessidade de criar uma solução prática que pudesse ajudar milhões de pessoas. Foi assim que surgiu a Listen To My Lips, uma marca de máscaras de tecido com janelas transparentes que permitem fazer a leitura dos lábios.

 
 
 
 
 
Ver esta publicação no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Uma publicação partilhada por Sofia Mirpuri (@sofiamirpuri)

A ideia, explica-nos a fundadora, é “preencher uma lacuna fundamental no mercado e melhorar a qualidade de vida de muitos.” A realidade pandémica, acredita, pode levar à exclusão, descriminação e isolamento. “É em contextos como o atual que se acentuam as desigualdades e se tornam mais evidentes as fragilidades das minorias, e é nestas alturas que se impõe sobre todos nós o dever moral e a obrigação ética de encontrar soluções para estas pessoas, que sejam capazes de melhorar as suas vidas. A surdez é invisível, e como tal, é frequentemente negligenciada num mundo que não está ainda preparado e equipado para uma inclusão eficaz, especialmente neste contexto pandémico que surgiu tão rapidamente de forma imprevisível”, acrescenta.

“Tenho amigos que dizem que, quando me conheceram, pensavam que eu era snob e arrogante — por exemplo, cumprimentavam-me e eu não me virava para responder. Mas a verdade é que não os ouvia”, continua a fundadora sobre a sua experiência de vida com uma deficiência auditiva. “Hoje em dia, a primeira coisa que faço é informar logo que tenho um problema de audição e pedir para falarem um pouco mais alto e devagar. Mas nos primeiros anos, evitava ao máximo fazê-lo, até ser mesmo necessário.”

Para Sofia, as situações que continuam a ser mais difíceis são aquelas que juntam um grande número de pessoas, como um jantar de grupo num restaurante.É cansativo ter de estar sempre alerta para prestar atenção a vozes, lábios e expressões faciais e captar o máximo de informação possível. Quando vou jantar fora, a minha principal preocupação não é o que me apetece comer ou se o sítio é giro. É se é barulhento ou se tem música alta”, explica.

Sofia Mirpuri licenciou-se em Comunicação Social e Cultural na Universidade Católica Portuguesa e foi depois viver para Nova Iorque, nos Estados Unidos, durante três anos. Por lá, estudou representação no conservatório da Atlantic Theater Company’s Acting School. Foi também nessa cidade que participou na longa metragem “Alice, Nova Iorque e Outras Histórias”, que estrou em Portugal em agosto de 2020. Hoje, é atriz e produtora.

Este percurso só foi possível de percorrer com a confiança que foi ganhando ao longo dos anos para se expressar a sua condição quando conhecia alguém pela primeira vez. Nem sempre foi assim. “Esconder é o mecanismo de defesa mais fácil”, conta. Durante muito tempo, escondia a sua deficiência auditiva daqueles que ainda não a conheciam e começou a perceber que essa atitude provocava por vezes falsos julgamentos.

“Informar as pessoas torna tudo mais fácil e prático. Na sua grande maioria , as pessoas fazem gosto em facilitar”, acrescenta. O que aprendeu foi que era importante tomar as atitudes necessárias para poder tirar o melhor partido de todas as situações. Quando foi para Nova Iorque, viu-se num país novo onde falavam uma língua diferente que dificultava a leitura labial e não conhecia ninguém.

Informou os colegas e professores e pediu à direção para que as aulas da sua turma acontecessem sempre em salas mais pequenas ou com os tetos mais baixos, para que o som não dispersasse tanto. “Óbvio que tive muitos momentos complicados, que me incomodavam, mas de facto é nos maiores desafios que mais crescemos, e foi aqui que percebi a 100 por cento a importância de assumirmos as nossas fragilidades e de nos erguermos sobre elas”, recorda.

 
 
 
 
 
Ver esta publicação no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Uma publicação partilhada por Listen To My Lips ® (@listentomylips_masks)

“Foi aqui que deixei de me questionar ‘porquê a mim?’ de uma perspetiva negativa, mas sim de uma perspetiva de ‘como é que eu posso utilizar este obstáculo de forma positiva?'”, continua. “Acredito que todos podemos ter um papel a desempenhar neste mundo, um propósito — precisamos é de o saber reconhecer e agarrar. E talvez este seja o meu. É isto que quero poder passar às pessoas, através do meu trabalho: a perceção de que os nossos problemas não nos limitam. Temos de os assumir com naturalidade. Contornar as adversidades e usá-las a nosso favor. Quero que o meu trabalho possa ser um exemplo de motivação para outras pessoas.”

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística de 2015, existem mais de 1,6 milhões de portugueses com dificuldades auditivas entre os 25 e os 75 anos. As máscaras convencionais de proteção contra o vírus, explica Sofia, reduzem a qualidade de comunicação de ouvintes e não ouvintes. Além de solucionar este problema, a Listen To My Lips traz de volta os sorrisos e outras expressões essenciais às relações humanas com as suas propostas transparentes, ao mesmo tempo que criam uma maior sensação de proximidade.

Em Portugal, ainda há um longo caminho a percorrer de forma a tornar a informação mais inclusiva a todos. Entre os principais problemas na comunicação social, Sofia destaca a televisão e, por exemplo, a falta de disponibilização de legendagem em muitos programas. No entanto, este é um problema que também está presente no cinema. “São quase 2 milhões de pessoas que não assistem a cinema português, simplesmente porque não o conseguem acompanhar”, conta. O mesmo se passa no espetáculos públicos, como no teatro.

Ao mesmo tempo, a preocupação crescente da representatividade na indústria audiovisual não está ainda a ser trabalhada da melhor maneira em Portugal, onde dificilmente encontramos personagens ou atores em séries, novelas ou filmes que recorram a aparelhos auditivos. Se acontecesse, reforça a atriz, muitos miúdos, jovens e adultos que estão a lidar com as suas deficiências auditivas poderiam sentir-se representados e identificados, o que os ajudaria nos seus processos de autoaceitação.

“É maravilhoso quando recebo mensagens dos nossos clientes a agradecer, ou por lhes ter dado a possibilidade de visitar uma mãe que tem um problema auditivo e conseguir que ela os perceba, ou quando um cliente compra várias máscaras para oferecer aos vários educadores do seu filho, e que finalmente ele pode ver-lhes os lábios. Esta visualização é tão importante para as crianças em idade de aprender a falar”, revela a criadora do projeto.

A produção é feita numa fábrica perto da Ericeira. Já os modelos reversíveis da Listen To My Lips (ou “ouve os meus lábios, em português) estão à venda na loja online por 11,90€. A seguir, carregue na galeria para conhecer algumas propostas.

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT

AGENDA NiT