Estima-se que os têxteis de cânhamo tenham surgido no Japão há mais de 18 mil anos. O tingimento natural é uma técnica igualmente milenar, sendo que ambas caíram no esquecimento. Porém, nos últimos anos temos assistido ao recuperar destas práticas. A marca portuguesa Sensihemp é um desses exemplos e, pouco depois de completar um ano, já soma novas conquistas. Ao marcarem presença na feira internacional CBD Hemp Business Fair em Barcelona, no início de outubro, o projeto venceu o prémio de melhor produto de inovação com as suas t-shirts de cânhamo tingidas com cascas de cebola.
Nascida em setembro de 2021, o negócio já revelou que é capaz de se destacar entre alguns dos grandes nomes da indústria. Por trás do produto premiado está Marta Vinhas, 43 anos, que passou duas décadas a trabalhar na indústria têxtil. Natural de Santo Tirso, foi na Póvoa de Varzim que a fundadora sediou a marca e onde continua a engendrar novas formas de dar resposta aos problemas da indústria.
“Entrei na área por volta dos 23 anos e adquiri o know how de toda a linha têxtil, desde o fabrico do fio até à embalagem”, começa por contar à NiT a empreendedora. “Trabalhava com fast fashion e fui-me apercebendo do impacto negativo, da exploração de pessoas em Portugal e fiquei desanimada com a profissão. Procurei uma maior conexão com a natureza e decidi liga-la ao têxtil”.
Entre 2016 e 2018, envolveu-se com uma amiga no cultivo do linho em Montalegre. Quando teve contacto pela primeira vez com o cânhamo, numa feira, percebeu que as duas matérias-primas eram idênticas. Foi introduzida à sua história e decidiu tentar juntar vários agricultores e criar uma marca, mas existia um problema maior. Ninguém sabia o que era cânhamo dentro da indústria têxtil.
Foram dois anos de pesquisa “até ter uma malha aceitável para colocar no mercado”. Despediu-se do emprego em 2020, já com a intenção de criar a Sensihemp, mas a pandemia levou-a a estar parada durante um ano e meio.
“Em setembro do ano passado, decidi iniciar a marca com uns protótipos. Não conseguia financiamento em Portugal, porque trabalhávamos com canábis, então comecei a concorrer a vários concursos”, diz. Numa fase inicial, começou por vender em festivais de verão e festas culturais, onde percebeu que existia um público.
Tratando-se de uma fibra resistente, o principal objetivo da marca é criar peças intemporais para que as pessoas possam utilizar durante o maior período de tempo possível. Das T-shirts que venceram o prémio em Barcelona às restantes propostas, criam-se “peças com baixo impacto ambiental e que podem passar de geração em geração, mas que não perdem o design”. Por isso, apostam em linhas minimalistas e sóbrias.
O uso da cebola na moda
Ao tentar renascer o saber ancestral dos tingimentos naturais, sem químicos, a cebola destacou-se entre outros produtos naturais: “A casca da cebola é mais fácil [de aproveitar] porque é um resíduo alimentar, então é de fácil acesso. Se fosse eucalipto, por exemplo, é preciso ir para as serras e dá mais trabalho”.
Existem vários agricultores no norte do País que têm o cultivo da planta. Extrai-se o pigmento das cascas que sobram, faz-se a compostagem e o adubo volta para os mesmos agricultores, criando uma economia circular. Sendo que 20 por cento da poluição das águas é causada pelo tingimento dos tecidos, não só se utiliza menos recursos como se combate o desperdício alimentar.
Ainda assim, a principal motivação foi o facto da fácil pigmentação da cebola dar origem a um tom de amarelo torrado. A criativa queria usar a tonalidade e, para obter a coloração, esta é a técnica usada há milhares de anos.

O processo não é complexo. Retira-se o pigmento da casca da cebola com água a ferver entre 100 e 120 graus, sem em ebulição. De seguida, extrai-se o pigmento com a imersão do tecido nessa fervura de água, durante algumas horas, e a cor agarra-se automaticamente. O único cuidado é que os tecidos precisam de um pré-tratamento. Há quem os mergulhe em leite de soja, mas Marta opta por aluman, “uma pedra que se mistura com água e agarra à cor”.
Desenvolvidas as T-Shirts, descritas como “a natureza personificada”, as peças foram a concurso. Apesar de ter sido a primeira edição da internacional CBD Hemp Business Fair, o evento pertence à maior feira do mundo na área do canábis, a Spannabis, que decorre há 30 anos. Marta explica que “tem uma lista de espera de 300 profissionais e decidiram criar uma segunda feira para dar oportunidade a mais pessoas.
“Não esperava ganhar um prémio no meio da concorrência de várias áreas, como a médica e a científica. Existiam vários produtos em concurso que não eram roupa”, diz. “Para minha surpresa, ganhei. Deixei de ser a empreendedora louca e passaram a lavar-me mais a sério, porque em Portugal as grandes empresas não tinham muita abertura”.
“O nosso futuro é voltar ao passado”, destaca Marta. Depois do reconhecimento internacional, que lhe valeu o contacto de empresas um pouco por toda a Europa, com interesse em vender os seus produtos, tem planos além do tingimento. Quer reintroduzir técnicas como os bordados e os teares manuais na indústria sempre que possível.
Para conhecer melhor o trabalho da marca, pode visitar o site e explorar a loja online ou seguir a página de Instagram. Carregue na galeria para conhecer mais peças de roupa e acessórios feitos à base de cânhamo pela Sensihemp. Os preços variam entre os 39€ e os 180€.