Vemos um camião numa estrada sinuosa, entre montanhas. O som dos pneus no asfalto é interrompido por riffs de rock. O camionista troca para uma música clássica. Surgem planos de vários modelos, em plena natureza, que vestem peças com o inconfundível padrão da marca inglesa Burberry. A sequência acompanha a cadência do piano, envolto em mistério e algum drama.
Este é o anúncio da coleção Outono/Inverno 2020, disponível no YouTube desde setembro do ano passado. Atrás da construção final de todo o vídeo, está Maria Inês Afonso, uma jovem portuguesa com uma carreira promissora.
Tem 29 anos e é editora de vídeo da marca fundada em 1856 por Thomas Burberry. “Não poderia ter ido para outra coisa que não fossem as artes. Em miúda roubava a câmara de vídeo do meu pai e passava a vida a filmar tudo. Sempre gostei muito de ver o mundo por uma lente. E sempre desenhei muito”, conta-nos através de uma conversa via WhatsApp a partir de sua casa, a funcionar como local de trabalho nestes tempos em que Inglaterra também se encontra em confinamento.
“Tive a sorte de me deixarem trabalhar a partir de Portugal durante o verão, e ainda consegui ir à minha terra. Fiz uma viagem sozinha, durante duas semanas, foi óptimo.” Inês Afonso nasceu na Ilha Terceira e, aos quatro anos, os pais decidiram mudar-se para o continente. Viveu em Coimbra, no Algarve, e estudou no Porto, em Lisboa, e em Budapeste.
Licenciada em Arte Multimédia, pela Universidade de Belas Artes, sempre explorou vários ofícios. “Adoro juntar diferentes tipos de arte numa só.” O tom com que fala é de entusiasmo constante. Tropeça numa ou outra palavra, fruto de viver em Londres desde 2017, e ri-se muito.
Foi na capital inglesa que começou a sua carreira. Na MatchesFashion era uma “três em um”, fazia câmara, edição e animação, e chegou a trabalhar com atrizes como Robin Wright e marcas como a Prada. Foi precisamente o seu trabalho na empresa de retalho que chamou a atenção da gigante Burberry. “Eles acharam interessante a forma como eu edito os vídeos, tem muito a ver com layers, várias camadas, e como juntar animação com vídeo, e mixed media.”
E, assim, em 2019, tornou-se na editora de todos os vídeos e campanhas da Burberry. Inês trabalha com uma equipa de freelancers, que fazem trabalhos de edição pontuais, mas é a única “editora da casa”. Além disso, também a própria trabalha como freelancer com outras marcas.
Antes da pandemia, um dia de Inês Afonso começava sempre às 8 horas, com uma viagem de 40 minutos de bicicleta até Horseferry Road, morada da sede onde trabalha, seguida de muitos cafés latte, conversas, ideias e criatividade; e um regresso a casa, “por volta das 19 horas”. “Ou então, ir para o pub, onde também se discutem muitas ideias [risos].”
Mas são os “shows” que elevam ao máximo a adrenalina, numa área que já é sempre “cheia de stress”. Acontecem duas vezes por ano e são “o mais importante e para o qual todos vivem”.
Tudo acontece durante 24 horas seguidas. Inês Afonso trabalha no backstage, editando o vídeo do espetáculo, com duração de 15 a 20 minutos, quase em tempo real. “Resumindo, é toda a gente a correr, muitos palavrões e a sensação de que o mundo vai acabar [risos].” Mas é também nesses trabalhos no terreno onde cria uma maior relação, sobretudo com as modelos.
A editora de vídeo já trabalhou em vídeos com Bella Hadid e Kendall Jenner, por exemplo. Nas gravações de vídeos e campanhas, a proximidade torna-se ainda maior. “Os modelos têm um trabalho muito duro e muito difícil. Estamos a falar de rodagens que duram dez horas, sem parar. E, por isso, quando chega ao fim, é uma festa. E é sempre divertido, há música, dançamos…”
É nesses momentos que se esquece de todo o “stress de trabalhar no mundo da moda. As amostras que não chegam, as modelos que ficam presas no trânsito ou se atrasam”, e todos os problemas que podem acontecer em campanhas de marcas da dimensão da Burberry. “Uma vez tive de fazer de figurino. Era preciso alguém passar em frente à câmara e acabei por ter de ser eu [risos].”
Ao todo, são cerca de três a quatro projetos de grande dimensão, em que a editora está envolvida todos os meses. Depois, a partir de um vídeo de uma campanha podem ser feitos 300 vídeos, muitas vezes específicos para cada país. “Identifico-me imenso com a marca, identifico-me com a cultura e com aquilo que ela representa.”