Quando a Zara, de Léon, foi inaugurada, ainda nos anos 90, já a marca se lançava um pouco por toda a Espanha. No dia da inauguração, chegou um convite à pequena aldeia de Busdongo, à entrada da região montanhosa das Astúrias. Um representante esteve presente e foi aí que descobriu que Amancio Ortega era um dos seus conterrâneos.
A velha aldeia que em tempos chegou a acolher mais de 800 habitantes, tem hoje pouco mais de 50 registados. Em 2018, a imprensa espanhola contava apenas 16 habitantes permanentes. Em sentido contrário, o empresário espanhol subiu ao topo do mundo: fez crescer a Zara, a sua Inditex e ombreia com os mais ricos do planeta.
Em 2015, foi, durante algumas horas, o homem mais rico do mundo. Até ficou à frente de Bill Gates. O trabalho de Ortega, hoje com 84, é mais do que conhecido. A sua vida pessoal e as suas origens? Nem tanto. É um homem discreto, recusou aparecer em fotografias durante várias décadas e ainda mais raras são as entrevistas. Recusa-as sempre e contam-se pelos dedos das mãos as conversas que teve com jornalistas em mais de 60 anos de trabalho.
O segredo pode estar prestes a ser revelado. No final de 2020, a Amazon lançou em pré-produção um documentário sobre a vida do magnata do têxtil: “Amancio Ortega: O Homem da Zara”. A produção irá percorrer a infância e juventude do espanhol, assente na biografia da auoria de Covadonga O’Shea, lançada em 2008.
As gravações já terão começado e sabe-se que passarão por cidades importantes para a marca e para o dono da Inditex, da Corunha a Barcelona, Nova Iorque e até Lisboa.
Apesar da discrição, Ortega está inevitavelmente por todo o lado. Quando não se fala dele pela sua fortuna, comentam-se os gestos solidários, muitas vezes elogiados, ocasionalmente criticados.
Não é algo de novo ou sequer uma estratégia de marketing. Apesar de ter vivido poucos anos em Busdongo, algures em 2008 terá mesmo doado 80 mil euros para a compra de um limpa-neves. A máquina acabou por nunca ser utilizada. “Era muito grande” para as ruas estreitas e inclinadas, criticaram os habitantes ao “El Español”.
Em 1936, ano em que nasceu, a aldeia de Busdongo de Arbas era um local muito mais movimentado. A construção de uma estada nacional que cruzava a pequena localidade e de uma estação de caminhos de ferro levou a que muitos trabalhadores ali ficassem a morar. Um deles era Antonio Ortega Rodríguez, pai de Amancio.

A estadia foi curta. Três meses depois do nascimento, o pai de Amancio foi promovido a chefe de estação ferroviária de Tolosa, no País Basco. A família voltaria a mudar-se 12 anos depois, desta vez para a Galiza, onde Amancio haveria de assentar de vez. Foi aliás, durante muitos anos, tido como galego. Ainda hoje o é.
Famoso trabalhador obsessivo, revela a biografia que as origens pobres e humildes estão na origem deste traço. E recorda um episódio no qual acompanhou a mãe Josefa à mercearia, onde lhe foi recusada a venda por “não ser mais possível vender-lhe fiado”.
Aos 14 anos, começou a trabalhar na famosa loja de camisas Camisería Gala, na Corunha, capital galega. Cabia-lhe a repetitiva tarefa de separar e organizar as peças. Foi dessa experiência que nasceu uma das mais famosas histórias não confirmadas sobre Ortega, relatada pelo livro de Jesús Salgado, Amancio Ortega: De Cero a Zara”.
Teria sido durante a sua passagem pela Gala que terá sido encarregue de entregar uma camisa com as iniciais FF bordadas ao Pazo de Meirás, o retiro de verão na Galiza do então presidente e ditador Francisco Franco. Ortega nunca confirmou ou desmentiu.

Acabou por mudar de emprego e passou a vendedor noutra loja famosa na zona, a La Maja. É lá que conhece a primeira mulher, Rosalía Mera. Juntos, trabalharam e aprenderam tudo o que era possível aprender sobre o negócio têxtil — até começarem eles próprios a criarem os seus próprios desenhos.
Foi com Rosalía e o irmão que criou a primeira empresa, a percursora da Inditex. Em 1963 nascia a GOA Confecciones, que produzia batas e vestidos de mulher. A empresa fazia tudo: desenhava, produzia, distribuía e vendia.
Ao fim de dez anos, a GOA tinha já 500 trabalhadores. Com a fábrica nos arredores da cidade, Ortega decidiu abrir a sua primeira loja da marca que tinha idealizado. Na sua cabeça, Zorba era o nome ideal — inspirado nos filmes de Zorba, o Grego.
Primeiro problema: escolhera uma propriedade de esquina numa rua central da Corunha onde, a poucos metros, existia um bar precisamente com esse nome. Ordenou-se a troca aleatória das letras até chegar a uma combinação satisfatória. Ficou Zara.

A primeira das mais de duas mil lojas que existem hoje por todo o mundo nasceu também a poucos metros da velha Camisería Gala, onde começou a trabalhar. Era também a primeira pedra de um império que dez anos depois adotaria o nome de Inditex, a casa da Zara, mas também da Oysho, Stradivarius, Pull&Bear, Uterqüe ou da favorita de Ortega, a Massimo Dutti.
Ao fim de 45 anos de história da marca, Ortega tornou-se multimilionário, embora pouco tenha mudado na sua maneira de ser. Continuou a ser generoso nas doações, exigente atrás das portas — eram frequentes os murros na mesa e a imposição daquilo a que os empregados chamavam Decreto 33, como referência à expressão brejeira ‘Mis cojones 33’ — e sempre discreto e evasivo.
Quando a pandemia chegou em força a Espanha, no início de 2020, Ortega ordenou a compra de 63 milhões em material hospitalar, o qual foi trazido através das privilegiadas cadeias de transporte que tem com a China.
A 28 de março, dia do seu aniversário, uma fileira de ambulâncias juntou-se em frente ao prédio onde vive com a atual mulher e restante família, na Corunha. Queriam agradecer-lhe a gentileza e pediam apenas que se abeirasse à janela. Nada disso aconteceu.
“É uma pessoa que foge da notoriedade, mas que, seguramente, dirá à mulher para ligar às pessoas que lá estiveram para agradecer o gesto”, revela uma fonte próxima de Ortega à edição espanhola da “Vanity Fair”.
À biógrafa, numa das raríssimas entrevistas que deu durante toda a sua vida, confessava o desejo de viver uma vida simples e recatada. “Quero viver em tranquilidade, ser apenas mais um, poder ir a qualquer sítio, tomar um café na praça María Pita ou dar um passeio com a minha mulher na marginal marítima sem que saibam quem eu sou.”