Numa era longínqua, os chapéus eram um acessório obrigatório para homens e mulheres. A moda passou, mas volvido mais de meio século sobre a criação do modelo megalómano que Audrey Hepburn usou em “My Fair Lady”, continuamos com a sua imagem bem presente na memória. A diferença é que as peças clássicas, como a que Cecil Beaton desenhou para o filme, são vistas apenas como propostas dignas de museu — ou de uma ida às corridas de cavalos de Ascot.
Celso Assunção, de 44 anos, com mais de duas décadas de carreira no mundo da moda marcadas por peças ímpares, é um dos artistas que está a recuperar esta tradição através da alta-costura. Graças aos detalhes e ao acabamento, tornam-se obras de arte aos olhos dos clientes que o procuram — dentro e fora do País.
Tudo começou graças ao seu gosto pela personalização. Na década de 90, criava as peças para as atuações da sua banda de garagem no secundário, a Xi-Charrock. Até podia ter seguido o caminho do rock, mas acabou por se formar em design gráfico industrial e percebeu que o que queria fazer era criar roupa e acessórios.
“Gostava da diferenciação. Nunca quis seguir rebanhos ou tendências e percebi que, no mundo da moda, conseguia fazer isso”, conta à NiT. Assim que concluiu o curso, começou logo a criar a identidade da sua marca registada (Celsus) e a trabalhar com uma modista que conhecia bem os seus os desenhos.
Ao mesmo tempo, procurou produtores de chapelaria no norte do País. Mesmo que muitos não saibam, esta arte está muito ligada às tradições nacionais. As primeiras fábricas portuguesas de chapéus surgiram em São João Madeira, em Aveiro, no século XIX. No mesmo distrito onde Celso, no seu atelier, distingue as suas criações “pelo toque, pela forma e pelo forro”.
“Quando comecei, os portugueses vestiam muito cinzento, muito preto, tons escuros e neutros. Tentava diferenciar-me nos detalhes, mas quando queremos muito ser diferentes, exageramos. Então, eram apenas loucos por dentro, onde ninguém os via”, continua.
Das passarelas às criações exclusivas
Afastado dos desfiles, Celso começou por apresentar o seu trabalho no Portugal Fashion, em 2006 — onde mostrou coleções de roupa, sapatos e acessórios. “Chamava à atenção pela expetativa do que ia acontecer. Além da roupa, tornei-me conhecido por todo o espetáculo cénico que o evento envolvia.”
Em 2012, “deixou de se tornar comportável”, porque as lojas não compravam os que criava, que eram vendidos apenas à consignação. Nesse ano, começou a reestruturar a marca e foi aí que os chapéus de luxo tornaram-se na sua principal bandeira. “Não sou entertainer”, frisa.
“Fui inovador e lutei contra tudo e todos. Ninguém usava chapéus e criar algo que não se vende é difícil, mas percebi que toda a gente os usava fora de Portugal. Percebi que a chapelaria podia ser bem orientada e, agora, já se usa mais.”
Se os modelos que idealiza não são acessíveis a todos, há um motivo. Celso trabalha com a portuguesa FEPSA, considerada uma das melhores fabricantes de feltros do mundo. Antes de chegarem ao atelier do designer, cada modelo demora dois meses a ser produzido na fábrica em São João da Madeira. Depois, Celso trabalha nos acabamentos e nos “pormenores secretos”, no mínimo, mais duas semanas.
Os chapéus de Celso têm um custo de produção elevado que se reflete no custo final de cada design, “difícil de encaixar no orçamento médio dos portugueses”, um dos motivos que o levaram à internacionalização. Apresentou-se em Itália, na Grécia e na Bielorrússia. Decidiu ir atrás das oportunidades e, sem dar por isso, tinha a imprensa internacional a divulgar a mestria da arte. Porém, nunca abandonou Portugal.
Chapéus podem chegar aos 2 mil euros
No nosso País, tem clientes como o cantor Tatanka, dos The Black Mamba, o apresentador Manuel Luís Goucha e o músico Tó Trips. Lá fora, destaca os clientes norte-americanos, muitos deles colecionadores, entre os quais o Eloi Pardal, antigo diretor-geral da Chanel na Suíça.
As criações não são propriamente acessíveis, ainda assim, os valores podem impressionar: um chapéu feito numa pele especial, para um cliente que não pode referenciar, ultrapassou os 1.900€. “Só trabalho com materiais de comércio sustentável, nunca recorro a peles de animais exóticos”, esclarece.
Celso recorda-se ainda do um desafio lançado pelo músico António Bastos, — a sua criação mais trabalhosa, até ao momento. Aplicou cordas de uma guitarra portuguesa num chapéu já finalizado, com uma estrutura rígida. As cordas de aço foram colocadas aos pares, resultado que só conseguiu obter quando encontrou “uma resina especial”.
Seja pelas aplicações, bordados ou cores, todos os chapéus são únicos. “O interior é cortado de forma aleatória”, sendo o forro o elemento mais distintivo — e elogiado — das criações de Celso, aclamadas por muitos como “os acessórios mais bonitos do mundo”.
“Quando se compra um modelo compra-se uma experiência sensorial.” É a única forma de dar resposta aos clientes “especiais e muito egocêntricos”, como o próprio designer os descreve. “Os meus chapéus também olham para o seu próprio umbigo”, refere, visto que “a magia está escondida”. Têm pormenores distintivos, que estão ali apenas para o cliente, o que acontece também com os forros dos casacos e dos sapatos ou a parte interna dos cintos.
“Não deixei de fazer moda, nem de criar roupa ou vestuário. Acho que é mais inteligente divulgar algo em que posso ser diferenciador. Muita gente já produz calçado ou carteiras, mas há pouca gente a criar chapéus — e, sobretudo, a fazê-lo bem.”
Quem quiser ver Celso a trabalhar, pode visitá-lo no seu atelier e showroom, situado no centro de Aveiro, onde atende quem procura um chapéu único e dá seguimento a todas as encomendas que recebe. Em breve, irá lançar uma loja online para estar ainda mais próximo dos clientes.
Fora da equação, está o regresso aos desfiles, um formato no qual os colegas continuam com dificuldades a manter-se. “As pessoas aparecem para serem faladas e, enquanto forem gratuitos, não vão ser rentáveis,” conclui. E acrescenta: “Os eventos de moda deviam ser a pagar, como qualquer outro espetáculo”.
Aproveite e carregue na galeria para mais chapéus criados por Celso Assunção.