Quando Isabel II aterrou na Austrália pela primeira vez, para uma visita de onze dias, o país praticamente parou. A aterragem em solo australiano, a 3 de fevereiro, atraiu uma multidão de perto de um milhão de pessoas. Casara uns anos antes, em 1947, e a monarca começava a demonstrar uma fervorosa paixão por peça de roupa com pelo verdadeiro. Consigo levou uma frondosa estola branca — apenas uma das peças que compõem o espólio de peças de pelo avaliada em mais de um milhão de euros, cuidadosamente guardada num guarda-roupa refrigerado em Buckingham — que embasbacou os críticos.
Dizia-se do look que era digno de uma estrela de Hollywood e menos de uma monarca. Nessa mesma digressão, ousou colocar um vestido floral, rendilhado, justo ao corpo e que exibia as pernas. “As pessoas compararam-na a uma pinup”, recorda Elizabeth Holmes, autora de um dos muitos livros sobre os looks icónicos da rainha. “Nas fotografias é possível ver as pessoas, atrás dela, a esticarem o pescoço para conseguirem ver melhor a sua figura.”
Mais de seis décadas se passaram e, em 2019, à bela idade de 93 anos, a rainha voltou a demonstrar o seu poder. Num anúncio público, reiterou que não voltaria a usar peças com pelo animal verdadeiro. A influência fez-se notar e, de acordo com o relatório anual da Lyst, as pesquisas por peças de pelo artificial disparou em 52 por cento. Uma reação que provou duas coisas: o poder influenciador da monarca e a sua capacidade de acompanhar os tempos e as tendências — quando não era ela própria, de facto, a criá-las.
Destinada a reinar, Isabel II protagonizou um dos reinados mais longos da história e que se prolongou por mais de sete décadas. Influenciou muito mais do que looks. Inspirou um povo durante uma sangrenta guerra, formou e apoiou políticos e carregou às costas a coroa britânica durante os momentos de profunda crise existencial, à medida que os reinados europeus iam sucumbindo ao apelo republicano. A monarca morreu esta quinta-feira, 8 de setembro, aos 96 anos, no Castelo de Balmoral, na Escócia.
Num mundo recheado de influenciadores e influenciadoras, Isabel II pode muito bem ser, de facto, a influenciadora original. “A rainha é uma das pessoas mais fotografadas em todo o mundo. Mesmo que não prestemos atenção ao que nos diz, todos conhecemos a sua imagem e a forma como ela comunica, através das suas roupas, é incrivelmente importante e poderosa”, explicava à BBC Matthew Storey, curador da coleção do Historic Royal Palaces.
“A moda real é divertida, poderosa e recheada de significado. A sua imagem é uma enorme parte do seu legado”, acrescenta Holmes. E assim foi, desde que em 1952 assumiu o trono após a morte do pai, Jorge VI.
Para os especialistas nos outfits da realeza britânica, os looks da rainha dividem-se em duas eras, assente numa mudança significativa após a entrada na casa dos 40. Antes de se fazer conhecer pelos fatos monocromáticos, sempre com cores fortes, Isabel II apostava em vestidos mais justos que denunciavam a silhueta.
Ajudada pelo designer da sua mãe, Norman Hartnell, adotou um estilo mais francês. “As pessoas dizem que ela não quer saber da roupa, mas isso não é verdade. Ela é muito astuta no que toca a saber o que lhe fica bem”, confirma à BBC o historiador Michael Pick.
Isabel assumiu a posição de poder ainda jovem e parte da sua tarefa passava por fazer com que “o mundo se apaixonasse” por si. “O seu trabalho era o de deslumbrar. Raramente pensamos dessa forma sobre as rainhas, mas durante um curto espaço de tempo, no seu reinado, foi isso que fez”, explica Holmes.
Na fase inicial em que tentava cativar o mundo para o seu reinado, o risco era aceitável e decidiu, em 1952, surgir na estreia a comédia musical “Because You’re Mine” com um vestido glamoroso, preto e branco, com um corte superior ao estilo de um blazer, que ficou conhecido como o Magpie. O look fez furor e todas as marcas britânicas se apressaram a produzir cópias fiéis para entregar às mulheres que as exigiam à porta das lojas.
Ainda antes da tomada do trono, Isabel II surgiu numa viagem a Malta com um vestido lavanda sem alças. No pescoço nu trazia as habituais e impressionantes joias da coroa. O look ficava completo com uma estola branca de pelo verdadeiro. Uma opção arriscada, tendo em conta os padrões reais da época.
Quase quatro décadas depois, voltava a apostar na lavanda, quando numa viagem ao Canadá escolheu um vestido mais conservador no corte, mas igualmente arriscado no padrão — e que provocou muitos comentários divertidos da imprensa, já que ao seu lado brilhava também a adorada princesa Diana, bem conhecida pelos seus outfits.
Se as décadas recentes ficaram marcadas apenas pela arriscada palete de cores com que pintava os seus looks quase sempre semelhantes — fato ou vestido monocromático, a condizer com o respetivo chapéu —, ocasionalmente, Isabel II trocava as voltas aos conselheiros. Em 1962, saiu à rua num imponente casaco com padrão leopardo. Já em 1965, passeou um chapéu que provocou comparações com um prato de esparguete, devido à textura e cor. Nos animados anos 90, surpreendeu também com um casaco e chapéu verde, com padrão às bolinhas coloridas. Um look absolutamente invulgar.
A sua evolução nas décadas de 80 e 90 ficou marcada por muitas críticas. Nessa época, era Ian Thomas quem estava encarregue de muita da pré-seleção dos looks, alguns deles arriscados, entre vestidos chiffon coloridos e padrões florais. Mas apesar dos reparos, era inegável que as suas escolhas marcavam a diferença. Eventualmente, tornar-se-ia famosa a sua preferência por uma palete de cores garridas.
“Temos que ser vistos para que acreditem em nós”, diz a própria, segundo alguns dos seus biógrafos. Uma máxima que carrega bem junto ao peito. “Essa atitude faz dela um farol de cor e de positividade num mundo confuso”, frisa Bethan Holt, editora de moda do “The Telegraph” e autora de um livro sobre o estilo da monarca.
“Ao escolher cuidadosamente um broche, uma determinada cor, ela revela-nos no que está a pensar, qual a sua opinião, tudo de uma forma subtil mas poderosa e que é tão, tão inteligente.”
Atualmente, toda a produção dos outfits de Isabel II estava encarregue a uma equipa própria, exclusiva da Casa Real. Todas as peças são únicas e feitas à medida. Os tecidos são testados pela sua reação à meteorologia, as cores são meticulosamente escolhidas para destacar a monarca entre a multidão.
“O seu guarda-roupa faz parte da sua comunicação. Faz parte do elemento deslumbrante da coroa. As suas roupas são feitas à medida e o facto de não as podermos comprar, significa que são feitas para serem vistas e admiradas”, frisa Storey.
Ao longo das décadas, a rainha ajudou também a dar fama a algumas das suas peças preferidas. Falamos, por exemplo, das malas quadradas, dos chapéus, os impermeáveis da Barbour ou os lenços amarrados à cabeça. E por falarmos em marcas, esse é outro ponto que tem em comum com o mundo das influenciadoras de hoje.
A Casa Real tem também um selo de qualidade a que chama Royal Warrant of Appointment, que é atribuído a bens e serviços colocados à disposição da monarca de forma permanente. Era precisamente Isabel II quem os atribuía. Uma tradição que remonta ao século XV e que significa que o lote de marcas com este selo de qualidade serão, habitualmente, produtos de luxo e de qualidade inexcedível. Ou, em todo o caso, eram do gosto pessoal da rainha.
Hoje, fazem parte dessa lista marcas como a Cadbury, a Bollinger, a Heinz, Tanqueray, Schweppes, Aston Martin, Jaguar, Paragon China, Boots ou Yardley. E quando o produto não se encontra fora das residências reais, é feito em casa.
A rainha aventurou-se, nos últimos anos, na criação de produtos oficiais com o selo da casa de campo real em Sandringham, onde são criados os tomates com que se faz o The Queen’s Tomato Sauce, o ketchup real. A marca produz também um molho para carne e especiarias. E, em 2020, o Palácio de Buckingham lançou até o seu próprio gin e uma marca de cerveja.
Mais do que conquistas políticas, a sua marca indelével fez-se notar também nas coisas mais simples, nos pequenos símbolos e gestos — uma subtileza que percorreu todo o seu reinado de mais de sete décadas. Isabel II foi, sem grande margem para dúvidas, a verdadeira influenciadora original.
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