Quando tinha pouco mais de 20 anos, Conceição Rhodes fez um curso de manequim. Sonhava tornar-se modelo, mas pôs o desejo de lado quando percebeu que dificilmente teria oportunidade de trabalhar em Portugal. Dedicou-se à pintura, outra das suas grandes paixões. Entrou na Faculdades das Belas Artes quando tinha 28 anos, e dedica grande parte do seu dia a esta arte. “Tenho uma pintura livre, nunca tenho ideia do que vou fazer”, conta à NiT.
É natural de Santarém, mas vive em Lisboa há 50 anos. Mudou-se para a capital há procura de trabalho e, durante a sua carreira, teve empregos na área das relações públicas e também em secretaria. “Já não penso em sair daqui, mas de vez em quando volto a Santarém porque tenho lá uma quinta da minha família e gosto do sossego”, confessa. O seu último nome pode levantar algumas dúvidas, mas Conceição é mesmo portuguesa. “Os meus pais são ambos de Santarém. Não sei bem a origem do apelido Rhodes. Há alguns elementos da família que dizem ser inglês”, aponta.
A moda acabou por aparecer novamente na sua vida quando tinha 68 anos, por mero acaso. Estava a fazer scroll nas redes sociais e reparou que cada vez mais existiam modelos com idades mais avançadas. “Pensei que poderia experimentar este mundo mais uma vez”, recorda. Agora com 74, já conta com um portefólio invejável.
“Pensava que a partir da juventude acabava tudo, especialmente aqui em Portugal. Mas fui vendo modelos mais velhas a terem sucesso e pensei que se elas conseguem, eu também devo tentar”, aponta. Apercebeu-se, porém, que grande parte das oportunidades estavam lá fora, e contemplou mesmo viajar para o Reino Unido para perseguir esta ambição. Não o fez porque seria uma mudança muito grande, mas também não desistiu.
Em 2017, ano em que redescobriu esta paixão, inscreveu-se em diversas agências. Infelizmente, apenas a chamavam para spots publicitários. “Fiquei farta porque é muito difícil conseguir algo nessa área, não gostei nada.” Só quando entrou na agência de talentos L’Agence a sua vida começou a seguir por outros caminhos.
Naquele mesmo ano recebeu uma chamada onde lhe disseram que a “Vogue Portugal” estava à procura de alguém com o seu perfil. Se as expectativas ficaram altas, rapidamente foram abaixo após um telefonema que recebeu no dia seguinte. “Ligaram-me a dizer que afinal já não seria precisa.” Conceição, na altura com 68 anos, não aceitou um “não” como resposta. “Fui lá para me mostrar e me poderem ver e acabaram por dizer que afinal estavam interessados.”
A sua sessão para a “Vogue” foi exclusiva para o site, algo que não a deixa menos orgulhosa. Nas fotografias usou roupas do designer David Ferreira. “Gostei muito da experiência, do outfit, das pessoas. Foi muito interessante porque nunca tinha feito nada assim“, confessa.
Mas a photoshoot teve um momento que, embora complicado, ainda a faz rir. O coordenado do estilista contava com uns sapatos “que só tinham a ponta do pé apoiada no chão”. Andar com aquilo não era fácil. Durante a preparação, a modelo andou pelo estúdio para se habituar, colhendo elogios. Momentos depois, estava no chão. “Inclinei-me muito para trás, mas não me magoei”, recorda entre risos.
Apesar da queda, os agentes gostaram da atitude e presença de Rhodes. Depois da sessão surgiu uma outra oportunidade: um desfile na edição de 2020 da ModaLisboa para a irlandesa Nina Mona. Lembra-se de estar nervosa. Não por estar à frente de um grande público, mas porque tinha medo de desiludir a designer, que tinha dedicado muito do seu tempo à coleção. Mesmo assim, desfilou na passarela e “correu tudo bem”.
A presença no grande evento de Lisboa marcaria o seu último trabalho no espaço de três anos, visto que depois chegou a pandemia e os confinamentos. Durante esse período continuaram a chegar propostas, mas Conceição recusou por ter muito receio do vírus. 2023 marcou o seu grande regresso à indústria.
Agora está na agência Blast, que lhe arranjou um lugar no desfile de Molly 98 nesta edição da ModaLisboa. “Ela andava à procura de alguém com as minhas características. Estava com muito medo porque não fazia isto há algum tempo. Mas não correu mal e é uma maneira de treinar cada vez mais.” As dúvidas que tinha antes de subir à passarela foram esquecidas quando desfilou, graças ao público. “Bateram muitas palmas, e isso é muito gratificante. Acho que às vezes sou exigente demais comigo mesma”, confessa.
O glamour das ribaltas trazem alguns desafios, nomeadamente a preparação, visto que as modelos têm de passar muitas horas em pé. Com o nervosismo, Conceição até se esqueceu de beber água. “Ao fim do dia é cansativo”, garante. Além disso, “andar com aqueles sapatos é complicado”.
A sua parte favorita do mundo da moda são, por isso, as sessões fotográficas. “Divirto-me muito nas photoshoots. A fotógrafa guia-me e eu gosto disso. Também acho que fico melhor em fotografia, fico mais favorecida e sinto-me confortável”, aponta. A tudo isto junta-se o gosto que tem em ser maquilhada e penteada por profissionais.
Acredita que com o passar dos anos a indústria da moda em Portugal se tem tornado mais inclusiva, o que a leva a crer que ainda terá “alguns anos de carreira.” Aproveita para fazer um paralelismo entre as suas duas grandes paixões: a moda e a pintura. “As pessoas com mais idade deviam dedicar-se à pintura porque, tal como a moda, ajuda a libertar algumas tensões.”
Também quer desmitificar a ideia que as própria mulheres têm. “Algumas chegam a uma certa idade e começam-se a vestir à velhas porque acreditam que é isso que fica bem, o que não é verdade. É preciso manter o gosto para nos arranjarmos, isto ajuda imenso.” Conceição aproveita este tópico para descrever o seu estilo: “clássico”. “Não sou exótica e não me consigo vestir de forma muito diferente porque sempre me habituei a estar assim.” Não está, porém, de costas viradas para a mudança. “Gostava que algum dia um designer me pusesse a desfilar com um vestido”, revela.
Ainda não sabe o que o futuro no mundo da moda lhe espera. No entanto, quer usar a sua voz para incentivar outras mulheres a perseguirem o seu sonho, tal como ela o fez. “Não se deixem ir abaixo e nunca pensem que são velhas demais, porque podemos ter sonhos e força independentemente da nossa idade.”
Carregue na galeria e conheça alguns dos trabalhos de Conceição.