Os passos de Cláudio Gonçalves eram longos e rápidos, e, embora não tivesse consciência disso, caminhava com uma confiança que chamava a atenção de quem passava. No Natal de 2015, enquanto passeava por um centro comercial, o proprietário de uma agência, surpreendido pela sua presença marcante, entregou-lhe um cartão de visita e convidou-o para um casting.
Ao chegar a casa, o jovem, então com 20 anos, descartou imediatamente o contacto. “Cresci em bairros sociais, portanto, o mundo da moda nunca foi um objetivo. Não havia qualquer proximidade com esse universo. Havia muito preconceito, era associado à homossexualidade e era visto como algo a evitar”, conta à NiT.
Apesar da convicção, a namorada insistiu para reconsiderar a proposta. Como estava a avaliar opções — tinha acabado o 12.º ano e trabalhava na Telepizza, “a receber uma miséria” —, decidiu ligar para o número que estava no cartão. Uma semana depois, viajou para Paris.
Atualmente, aos 29 anos, Cláudio, conhecido no mundo da moda como Tibunga, faz mais de 100 viagens por ano. Ao longo de quase uma década de carreira, participou em campanhas para marcas de renome, como Dolce & Gabbana, Gucci, Prada, Hermès, Calvin Klein, Louis Vuitton e Hugo Boss, entre outras.
“Sabia muito pouco ou nada sobre a indústria da moda. Não me foram dadas ferramentas relacionadas com este mundo tão consumista e capitalista. Preferia atividades que envolviam o uso das mãos”, revela o modelo.
Da vida nas ruas à segunda oportunidade
Cláudio nasceu na Cova da Moura, na Amadora, e passou a infância entre vários bairros sociais, como as Colinas do Sol, Buraca e Zambujal. A sua adolescência foi marcada pela ausência do pai e por dificuldades financeiras, que o levaram a dormir na rua, passar fome e até roubar para sobreviver.
A situação agravou-se quando a mãe, que trabalhava em limpezas, se separou do marido. No entanto, mesmo com dois empregos, não conseguia sustentar Cláudio e a irmã. Quando ficaram sem-teto, voltaram à Cova da Moura, onde Cláudio viveu com a avó, que lutava contra o alcoolismo.

Nessa altura, recorda, “passava muito tempo na rua, mal vestido e sempre com a mesma roupa”. Esta realidade levou a que a Segurança Social interviesse e o internasse num colégio interno em Caneças, Odivelas, onde se sentia como se estivesse numa prisão, rodeado de muros.
Uma professora da Escola Básica Cova da Moura, que já não existe, decidiu resgatá-lo e iniciou um processo de adoção. “Passei da água para o vinho, da pobreza extrema, necessidades básicas e racismo, para viver numa sociedade segura e com tudo o que precisava.”
Cláudio passou a viver entre a família adotiva e biológica, um ano com cada uma. ““O objetivo nunca foi separar-me da minha mãe, mas dar-me as ferramentas necessárias para me tornar uma pessoa melhor. Gostava muito de mim e fê-lo por amor”, revela.
Os primeiros passos na moda
Quando Tibunga se apresentou ao casting, vivia com a família biológica e sentia-se inseguro, como qualquer pessoa que desconhece o meio. Contudo, a equipa tinha expectativas tão elevadas que o selecionou diretamente para o grupo de modelos, sem passar pelas etapas iniciais.
“Não houve tempo de preparação. Foi tudo muito rápido e isso prejudicou-me um pouco”, confessa. Atualmente, acredita que todos os modelos “são mais preparados”.
Se, por um lado, a família já “romantizava a ideia de ser modelo”, Cláudio mantinha os pés assentes na terra, sabendo que havia oportunidades além da restauração. “Era muito mais do que um miúdo como eu imaginaria fazer, mas o mundo é tão grande. Se a moda surgiu, decidi explorar este caminho”, continua.
Com alguma ingenuidade, fez a sua estreia para a marca Dries Van Noten, no primeiro desfile realizado na Ópera de Paris. Apesar de não ter percebido a importância do momento, aquela coleção inspirou um documentário da Netflix, “Dries” (2017), no qual aparece. Cláudio apenas desfilava, sem se aperceber do que significava.
“Perguntavam-me se estava nervoso, mas eu só caminhava. Pediram-me para ir de um ponto a outro e foi o que fiz. Tiraram-me fotografias, sim, mas quem não consegue fazer aquele pequeno percurso? Fui o mais genuíno possível.”
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Assim que entrou no mundo da moda, Cláudio procurou aprender o máximo sobre a indústria. “Desenvolvo uma certa obsessão pelas coisas quando faço parte delas”, justifica.
“Questionei-me: ‘Quem são as pessoas importantes que realmente deixaram o seu legado?’” É precisamente com esses designers que mais gosta de trabalhar, “aqueles que fazem parte da história”. No ano passado, por exemplo, participou no desfile da Prada, que foi desenvolvido pelo designer belga Raf Simons, que considera um génio.
O seu percurso é atípico. Enquanto a maioria dos novos talentos inicia a carreira nas semanas de moda, onde o desempenho determina o sucesso nas campanhas, Cláudio sempre deu prioridade ao lado financeiro, focando-se em anúncios publicitários. Nos desfiles, assinala, “normalmente pagam menos e, por vezes, os modelos precisam de investir para cobrir despesas de alojamento ou fazer castings”.
Embora reconheça que “podia estar mais adiantado”, Tibunga admite também que lhe falta alguma ambição no que toca à carreira. “Isso não significa que não queira fazer coisas incríveis, mas não sonho tanto com isso como alguém que sempre desejou ser modelo”, sublinha, enfatizando que a inclusão pode ser um fenómeno passageiro.
No entanto, ainda tem uma lista de marcas com as quais ainda deseja colaborar, como a Purple Label da Ralph Lauren, a mais prestigiada da insígnia. Também acalento o desejo de continuar a explorar a parceria com a Louis Vuitton, assim como várias marcas italianas, as suas favoritas.

“As comunidades precisam de apoio”
Com a sua carreira na moda “a gerir-se quase sozinha”, Cláudio dedica-se a projetos fora da indústria. Quando está em Portugal, participa em diversas iniciativas comunitárias, como o Kriativu, um projeto em Chelas que visa desenvolver o talento artístico dos jovens.
“Dado que faço tantas viagens por ano, trago tudo o que aprendo e mostro outras realidades, a minha experiência de vida e incentivo as pessoas a saírem daqui”, revela. E tem obtido resultados, pois muitos jovens dos bairros já o reconhecem pelas imagens que veem em revistas ou sites e procuram saber mais sobre as marcas.
A sua vida mudou, mas Cláudio não se esquece das suas origens. A família biológica reside no Zambujal, e sempre que vem a Lisboa, visita à mãe. Dedica grande parte do seu tempo em Portugal a estes bairros, porque, sublinha, “as comunidades ainda precisam de apoio”.
No entanto, o futuro parece promissor. “Vejo que há cada vez mais modelos a surgir de bairros sociais. Quanto mais pessoas entrarem na moda, menos estarão nas ruas a fazer o que não devem”, conclui. E, tal como foi ajudado, acredita saber o suficiente para ajudar outros e, quem sabe, “encontrar o próximo Tibunga”.
O trabalho de Cláudio Gonçalves, pode ser acompanhado através da sua página de Instagram.
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